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12/07/2005

Perfil de infecções pela bactéria Haemophilus influenzae muda após vacinação

Fernanda Marques


Após a inclusão da vacina contra Haemophilus influenzae tipo b (Hib) no calendário do Programa Nacional de Imunizações (PNI), do Ministério da Saúde, em agosto de 1999, os casos de meningite e de outras infecções causadas por essa bactéria diminuíram - e muito. Segundo dados da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), a incidência de meningite por Hib caiu de 1368 casos, em 1999, para 234 casos, em 2001. Em apenas dois anos, portanto, houve uma redução de 83% na incidência da doença. Pesquisa recente realizada no Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) da Fiocruz comprova a eficiência da vacinação contra Hib, mas também indica que infecções por outros tipos de Haemophilus influenzae, antes muito raras, estão se tornando mais freqüentes.


Parte da pesquisa foi publicada em maio deste ano no Brazilian Journal of Medical and Biological Research. O estudo foi realizado sob a coordenação de Antonio Eugenio Castro Cardoso de Almeida, responsável pelo Setor de Vacinas contra Hib do Departamento de Microbiologia do INCQS e aluno de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Vigilância Sanitária do Instituto. Os pesquisadores analisaram 229 amostras de Haemophilus influenzae isoladas de crianças de até 10 anos de idade diagnosticadas com meningite ou outras infecções causadas por essa espécie de bactéria. Incorporadas à coleção bacteriana do INCQS, as amostras - provenientes dos estados de Pernambuco, Rio de Janeiro e Santa Catarina - foram coletadas de 1990 a 2003.


Das 167 amostras de Haemophilus influenzae coletadas entre 1990 e 1999 - período anterior à inclusão da vacina contra Hib no PNI -, 165 eram do tipo b e apenas duas eram de outros tipos. Quanto às 62 amostras bacterianas do período de 2000 a 2003 - posterior às primeiras campanhas de vacinação anti-Hib -, havia 33 do tipo b e 29 de tipos diferentes (a, c, d, e, f ou não-tipável). O tipo b é - de longe - o principal responsável pela meningite e por outras infecções causadas por Haemophilus influenzae. Por isso, a estratégia de desenvolver uma vacina contra Hib surtiu efeitos tão positivos. "O aumento dos outros tipos de Haemophilus influenzae associado à diminuição dos casos de Hib não chega a configurar um problema. O que a ocorrência crescente de outros tipos da bactéria revela é a necessidade de uma vigilância epidemiológica mais rígida", diz Cardoso de Almeida.


A confirmação do diagnóstico de meningite por Hib é feita pela análise do líquor cefalorraquidiano (líquido que ocupa cavidades cerebrais, o canal da medula e espaços do sistema nervoso central). Para assegurar a vigilância epidemiológica, é preciso que a coleta do líquor seja feita imediatamente, antes da administração de antibiótico, porque o remédio pode 'mascarar' a presença da bactéria. O agente causador da doença costuma ser identificado por testes sorológicos, o que requer o cultivo da bactéria em meio adequado e controles de qualidade rigorosos. Porém, atualmente, para a confirmação desse diagnóstico, já está disponível um método chamado PCR (Polymerase Chain Reaction), que detecta na amostra o material genético da bactéria. "Essa técnica exige uma aparelhagem mais cara, mas a chance de erro no diagnóstico é bem menor. O ideal seria que pelo menos um laboratório público em cada estado brasileiro fosse equipado para a realização do PCR", sugere Cardoso de Almeida.


O Haemophilus influenzae é transmitido de pessoa a pessoa através da mucosa nasal e atinge principalmente as crianças de até 5 anos. O risco é maior em ambientes confinados, como creches, orfanatos e berçários. Logo, a vigilância epidemiológica também envolve o monitoramento não só dessas crianças confinadas, mas também dos profissionais que lidam diretamente com elas, como professoras e enfermeiras. "É preciso identificar portadores, isto é, pessoas que apresentam a bactéria e não desenvolvem a infecção. Embora não fiquem doentes, essas pessoas transmitem a bactéria e, por isso, é fundamental monitorá-las", explica Cardoso de Almeida. "A vigilância é importante também porque alguns indivíduos carregam cepas chamadas 'b-', que não são invasivas como as do tipo b clássico, mas têm todo o material genético necessário para se tornarem invasivas", completa o pesquisador.


Sobre a vacina contra Hib


A vacina contra Hib é feita de um polissacarídeo (açúcar) encontrado na cápsula desta bactéria. Trata-se de uma vacina conjugada, porque junto a esse polissacarídeo está a proteína tetânica, que potencializa a resposta imunológica, mas - é bom lembrar - não confere proteção contra o tétano. É uma vacina específica para Hib, que não protege contra os outros tipos de Haemophilus influenzae. "Uma vacina multivalente, que protegesse contra todos os tipos de Haemophilus influenzae, exigiria um grande esforço, tanto científico como financeiro, e o Brasil tem outras prioridades em saúde pública", lembra Cardoso de Almeida.


Em 1988, era introduzida nos Estados Unidos a vacina anti-Hib. Dez anos depois, o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Biomanguinhos) da Fiocruz firmou um acordo com a empresa farmacêutica multinacional GlaxoSmithKline para a transferência da tecnologia de produção da vacina contra Hib. Em 1999, Biomanguinhos já dava seus primeiros passos rumo à produção do insumo. Nesse mesmo ano, a vacina anti-Hib foi incluída no PNI. Ficou definido que bebês menores de um ano receberiam três doses, com intervalos de dois meses. Crianças entre um e dois anos receberiam uma dose única.


Segundo dados da Funasa, em 2003, a vacinação contra Hib atingiu uma cobertura superior a 95%. Desde 2001, Biomanguinhos produz a vacina combinada contra DTP (difteria, tétano e coqueluche) e Hib. O líquido da vacina contra DTP serve para ressuspender a vacina contra Hib, que vem na forma de pó. "Essa combinação favorece a ampliação do número de crianças vacinadas, já que elas recebem duas vacinas com uma única injeção", afirma Cardoso de Almeida. Para mais informações sobre a vacina combinada contra DTP e Hib, pode se acessar o site de Biomanguinhos.

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