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14/04/2005

Pesquisa analisa a saga dos operários das minas de ferro em Itabira

Fernanda Marques


Foi em Itabira (MG), cidade que tem hoje cerca de 100 mil habitantes, que nasceu Carlos Drummond de Andrade. Foi também na cidade que surgiu, em 1942, a Companhia Vale do Rio Doce. Em pleno século 21, Itabira representa apenas um pontinho no universo diversificado da companhia. No entanto, os operários itabiranos sempre vão registrar que, com suas mãos, eles construíram a maior empresa de extração de minério de ferro a céu aberto do mundo. É o que revela um trabalho feito pela socióloga, antropóloga e sanitarista Maria Cecília Minayo, coordenadora científica do Centro Latino-americano de Estudos de Violência e Saúde (Claves) da Fiocruz.


 







Prefeitura de Itabira



Centro histórico da cidade de Itabira (MG)


A pesquisa de campo em Itabira gerou o livro De ferro e flexíveis: marcas do estado empresário e da privatização na subjetividade operária, recém-publicado pela editora Garamond Universitária. O livro não conta a história institucional da Vale do Rio Doce. É através do olhar dos trabalhadores que Maria Cecília analisa a história e as transformações de Itabira e da empresa.


Mais de 90% da economia do município, direta ou indiretamente, giram em torno da companhia. A empresa, mais forte que as instâncias políticas locais, monopoliza os empregos e interfere na organização social da pequena Itabira. Maria Cecília constatou que, nesses mais de 60 anos de existência da Vale do Rio Doce, a consciência política e a cidadania cresceram entre os itabiranos. As condições de vida também melhoraram. Contudo, as taxas de suicídio aumentaram no período estudado.

Os anos 70 foram de expansão para a Vale do Rio Doce. Dentro da ideologia estatizante e desenvolvimentista dos governos militares, a companhia conseguiu se consolidar tanto no cenário nacional como no internacional. "Na memória dos trabalhadores, esse foi o tempo da abundância e do otimismo e, para Itabira, o tempo da efervescência econômica, do boom da construção civil e do mercado imobiliário, o que transformou a cidade em um pólo dinâmico para o emprego industrial e para a arrecadação municipal", diz Maria Cecília no livro.

Com o avanço da mineração, a Vale do Rio Doce introduziu mão-de-obra terceirizada. Como conseqüência, uma camada populacional de baixa renda se multiplicou em Itabira. Em 1989, líderes sindicais conseguiram organizar uma greve memorável, que mobilizou todos os trabalhadores e teve repercussão nacional. O movimento inaugurou um período de medo e incerteza para os operários. A reestruturação do trabalho na companhia se intensificou no início da década de 90, quando Fernando Collor de Mello foi eleito presidente da República e instaurou uma política de abertura de mercados e de reforma do Estado. Nesse contexto, consolidou-se a privatização da Vale do Rio Doce, em 1997.

De acordo com Maria Cecília, a trajetória dos trabalhadores da empresa em Itabira se divide em duas fases. A primeira é a da companhia estatal, em que os operários são convocados, treinados e disciplinados para produzir e exportar minério de ferro, em nome dos interesses do país. A segunda é aquela relativa à privatização da Vale do Rio Doce.

Curiosamente, Maria Cecília observou que, nessa conjuntura de insegurança provocada pela reestruturação produtiva e pela privatização da companhia, a sociedade itabirana voltou-se para suas raízes e reuniu suas forças. Assim, conseguiu elaborar projetos e propostas criativas para a diversificação produtiva, social e cultural.

Embora seja fruto de uma pesquisa etnográfica, o livro De ferro e flexíveis tem uma importância muito mais abrangente. Ele analisa um segmento operário que nasce com o processo de substituição da importação no Brasil: sua origem está no período getulista e do lançamento da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). A análise vai até o momento presente, o da reestruturação produtiva, vivida nacional e internacionalmente pelas empresas e pela classe trabalhadora.

No começo, os operários da Vale do Rio Doce em Itabira cavavam as minas com marretas. Em seguida, viveram uma etapa de mecanização e de automação dos processos, que entrou em seu auge nos anos 1990. A saga desses trabalhadores, a partir de sua inserção naquela que é hoje a maior empresa de exportação de minério de ferro do mundo, é o foco central do livro De ferro e flexíveis. Mas esta não é a primeira obra de Maria Cecília sobre os mineradores de Itabira. Em 1985, ela publicou Homens de ferro, fruto de sua dissertação de mestrado, defendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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