11/09/2009
Informe Ensp
Mostrar o campo da saúde não apenas como espaço a contribuir com o desenvolvimento social das sociedades, mas também como uma alavanca de desenvolvimento econômico, numa relação potencialmente virtuosa entre saúde e desenvolvimento, foi o ponto-chave da tese de doutorado em saúde pública Dimensões analíticas e metodológicas aplicáveis à dinâmica de inovação em hospitais, que o médico Pedro Barbosa defendeu na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) no início de setembro. Sob a orientação do pesquisador Carlos Gadelha, atual vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Pedro fez um estudo de caso no Instituto de Traumato-Ortopedia (Into) e comprovou que hospitais têm capacidade própria para gerar inovações.
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Barbosa: Em economias desenvolvidas, não raro, a saúde é responsável por mais de 10% do Produto Interno Bruto (PIB). No Brasil, estamos em torno de 7% (Foto: Informe Ensp) |
Pedro Barbosa é pesquisador da Ensp e, até recentemente, vice-diretor de Desenvolvimento Institucional e Gestão. Em agosto, foi convidado pelo presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, para assumir a Vice-Presidência de Desenvolvimento Institucional e Gestão do Trabalho. "O que penso é poder somar conhecimento e experiência para ajudar nesse projeto de Fiocruz do futuro. Há no interior da Fundação muito conhecimento, muita experiência, mas precisamos mais que isso: precisamos ter clareza sobre o projeto à frente, pensarmos os novos desafios e sobre eles nos adiantarmos, para eles nos prepararmos", disse, a respeito do novo desafio.
Para quem está começando a trilhar o caminho acadêmico, Pedro dá uma lição: "Uma tese é mais um aprendizado. É um olhar que se acrescenta a sua bagagem profissional. No caso, percebo que as abordagens assumidas na tese enriquecem a minha capacidade de compreender a complexidade da saúde e seus desafios", disse, em entrevista ao Informe Ensp, a seguir.
A partir de uma nova abordagem econômica para a saúde, a sua pesquisa busca articular a dimensão sociossanitária à dimensão econômica, tomando a inovação como elemento fundamental para o dinamismo econômico em saúde. Poderia detalhar um pouco mais a questão?
Pedro Barbosa: Em economias desenvolvidas, não raro, a saúde é responsável por mais de 10% do Produto Interno Bruto (PIB). No Brasil, estamos em torno de 7%. Quanto à inovação, o campo da saúde concentra cerca de 20% dos investimentos globais em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e, ao mesmo tempo e de modo associado, representa área de estratégico interesse das sociedades, ocupando espaço diferenciado no campo das políticas públicas em muitos países. As tendências seguem apontando para parcelas absolutas e relativas crescentes de gastos em saúde, frente aos gastos totais, na maior parte das sociedades. De outro modo, as conquistas sanitárias melhoram de forma efetiva as condições de vida, sendo traduzidas, em síntese, no aumento significativo da expectativa de vida ao nascer e que, por sua vez, contribuem para aumentar a complexidade quanto às novas perspectivas de melhoria, impulsionando e sendo impulsionadas por sua vertente econômica - com destaque para a dinâmica da inovação, de forma associada a novos desafios na sua natureza sociossanitária.
O que vemos, portanto, é um ciclo, consagrando-se uma realidade em que a saúde contribui e contribuirá de forma crescente para o dinamismo econômico das sociedades, ao mesmo tempo em que estas, de forma biunívoca, ampliam o valor da saúde como um bem e finalidade social inalienável. Assim, saúde e desenvolvimento são indissociáveis. Tomando palavras do Carlos Gadelha, meu orientador, a quem agradeço tantas contribuições e o fato de me ter estimulado em novo terreno, "o desenvolvimento é assumido nas suas vertentes econômica e social, baseado numa economia política da saúde, tendo o campo da saúde uma conexão estrutural com o desenvolvimento econômico".
Além de alavanca para contribuir com o desenvolvimento social das sociedades, o campo da saúde é um motor importante para o desenvolvimento econômico. Como se dá essa relação entre saúde e desenvolvimento?
Barbosa: Assumimos uma compreensão a partir de um enfoque dinâmico da economia na política de saúde, possibilitando novos modelos de interação entre Estado, políticas públicas e mercado, de modo que todo o complexo industrial da saúde ganhe em desenvolvimento e fortaleça ainda mais as próprias políticas de saúde, configurando um círculo virtuoso entre desenvolvimento econômico, tecnológico e sanitário. Com uma adequada articulação entre interesses empresariais e de saúde, sob regulação do Estado e com base em efetivas políticas de proteção social, é possível criar ambientes e estratégias propícias à inovação e ao desenvolvimento, assumindo-se o campo da saúde como potencial alavanca à inovação e ao desenvolvimento de economias. Autores como Carlos Gadelha e ainda Ana Luiza Viana e Paulo Elias têm escrito de forma bastante rica sobre essa lógica, além de outros teóricos, mas também formuladores políticos, no país e no exterior. Por trás, ou talvez de forma antecedente, há uma compreensão econômica em que a inovação é base do dinamismo, do crescimento e do desenvolvimento das sociedades.
Schumpeter é a referência de base, mas com muitos outros autores seguindo tal compreensão, hoje conhecida como concepção evolucionista e de base neo-schumpteriana. Natural que essa compreensão está mais desenvolvida na tese. Mas, em síntese, é possível pensar lógicas industriais, de comércio exterior, de política científica e tecnológica de modo articulado a necessidades de saúde, onde a inovação (no país naturalmente) contribua tanto para o desenvolvimento econômico, quanto para melhores condições de saúde e vida, num círculo virtuoso, entre saúde e desenvolvimento, tornando as políticas de saúde mais sustentáveis, dado que estariam amparadas em condições internas e de soberania do país, reduzindo a dependência externa e, naturalmente, gerando internamente empregos, renda etc, que por sua vez geram também saúde. O fato é que a saúde reúne condições particulares na perspectiva da inovação, sendo um setor dos mais dinâmicos em termos de potencial para o desenvolvimento econômico, sem falar em ganhos de natureza óbvia, como os sociais.
De que maneira os serviços, particularmente os hospitalares, podem ser incorporados à dinâmica setorial de inovação?
Barbosa: A partir desta formulação, é possível compreender o segmento dos serviços como importante força motriz para maior interação e dinamismo de todo o complexo da saúde. Trata-se de colocar foco na dimensão da base produtiva (os serviços) de inovação do sistema de inovação em saúde. Isso significa que os serviços de saúde não expressam somente as possibilidades de respostas diretas as necessidades e demandas de assistência à saúde de um país. Os serviços de saúde constituem segmento a promover importante dinamismo econômico, pela importante capacidade de geração de renda e emprego, mas igualmente por sua condição de relevantes demandadores de bens e serviços, oriundos, sobretudo, de outros segmentos do complexo produtivo da saúde. Igualmente, cresce em importância e reconhecimento a participação dos serviços de saúde na dinâmica da inovação e desenvolvimento de outros segmentos do complexo. Não raro, especialmente em hospitais mais especializados e importantes serviços de laboratório, identifica-se associações com empresas dos demais subsegmentos do complexo da saúde para o desenvolvimento de novos produtos, envolvendo ainda universidades e institutos de ciência e tecnologia (ICTs).
Se falamos em complexo econômico-industrial da saúde, os serviços, enquanto um de seus segmentos, têm importância destacada no processo de geração de interdependências entre todos eles, contribuindo de forma particular para a própria configuração do complexo, dado seu papel dinamizador, na condição de sua principal base produtiva, mas também assumindo que os serviços, e em particular os hospitais de maior complexidade, podem gerar inovações endógenas, tendo assim um papel a mais na dinâmica econômica de todo o complexo.
Quais são as principais conclusões do estudo?
Barbosa: Na tese, tomei um estudo de caso, o Instituto de Traumato-Ortopedia (Into), do Ministério da Saúde, e pude de fato comprovar que hospitais têm capacidade própria para gerar inovações. Estudei a introdução de um serviço de atenção hospitalar e a inovação numa técnica cirúrgica para fratura de colon de fêmur. Ficou clara a capacidade própria do hospital. Natural que vimos também alguns importantes descompassos entre essa capacidade e as formas de se aproveitar melhor as inovações para o sistema de saúde e para o de inovação. Este será sempre um processo sistêmico e, por mais que haja um foco, será dependente de múltiplos agentes que precisam estar adequadamente articulados, com o Estado e as políticas públicas desempenhando papel de destaque. A adequada articulação sistêmica ainda é débil no país, considerando o sistema nacional de inovação em saúde. Enfim, há que se evoluir para que o potencial dos serviços seja melhor estimulado e aproveitado, de modo a seguirmos aperfeiçoando nosso sistema, incluindo a sua sustentabilidade, além de estimular seu papel no dinamismo e desenvolvimento econômico, além, repito, dos efetivos ganhos sanitários.
Nesse momento profissional, o que significa assumir uma função estratégica na Presidência da Fiocruz?
Barbosa: Acima de tudo um desafio. A Fiocruz pode ser a principal instituição do país na área da saúde. Certamente não será a maior, seja em faturamento ou em número de funcionários. Pode não ser a maior, mas pode ser a mais importante, dado a ser a maior instituição do Estado e a ter capacidade tanto para gerar produtos, serviços, pesquisas, tecnologias, formar profissionais etc, mas também para atuar como alavanca de políticas de Estado e de governo. É uma instituição que pode, e deve, fazer diferença para o futuro da saúde, tanto do ponto de vista de sua vertente econômica, quanto naturalmente na sua dimensão social. O que penso é poder somar conhecimento e experiência para ajudar no projeto de Fiocruz do futuro.
Há no interior da Fiocruz muito conhecimento, muita experiência, mas precisamos mais que isso: precisamos ter clareza sobre o projeto à frente, pensarmos os novos desafios, a eles nos adiantarmos, para eles nos prepararmos. O nosso passado e o nosso presente contam, mas não garantem por si só muita coisa. Não é simples fazer uma instituição deste porte e com esta diversidade ter sucesso e fazer diferença para a sociedade. Não falo de sucesso nesta ou naquela área, mas globalmente fazer diferença, estar internamente equilibrada e o seu conjunto ter um papel reconhecido e valorizado socialmente. Enfim, o que penso é contribuir com o projeto do Paulo Gadelha [presidente da Fiocruz], que vem demonstrando enorme sensibilidade e formulação para seguirmos com uma Fundação que continue fazendo diferença para o país e para a saúde.
De que maneira a tese poderá ajudá-lo a desenhar seu futuro profissional?
Barbosa: Uma tese é mais um aprendizado. É um olhar que se acrescenta à bagagem profissional. No caso, percebo que as abordagens assumidas na tese enriquecem a minha capacidade de compreender a complexidade da saúde e seus desafios. Assim, tiro lições, de modo que seja aprimorada a minha contribuição institucional, no caso da Fiocruz, mas não apenas, e que tais lições e acúmulos possam ser compartilhados com alunos e com todos os que estejam mobilizados para seguirmos no desafio de termos práticas de gestão e de saúde mais sustentáveis, que façam a diferença para melhoria de nossos padrões sanitários. O que queremos é poder atuar em frentes que contribuam com o grande objetivo da saúde - mais vida, mais qualidade de vida - a custos socialmente sustentáveis.
Publicado em 11/9/2009.