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05/03/2007

Pesquisa aponta dificuldades para a produção de vacina contra o vírus da Aids

Pablo Ferreira


Uma recente pesquisa desenvolvida pela Fiocruz apontou para mais um obstáculo na produção de vacinas contra a Aids. De acordo com o trabalho – com resultados inéditos no mundo –, ao longo dos últimos 15 anos houve um significativo aumento da distância genética entre variantes de dois subtipos de HIV que circulam no Brasil e suas seqüências consenso (ancestral). “O fato sugere uma redução nas probabilidades de êxito de vacinas que estão sendo recentemente desenhadas exatamente em cima das seqüências consenso do vírus”, diz o biólogo Gonzalo Bentancor, co-autor do estudo com a também bióloga Mariza Morgado.


 Imagem estilizada de uma seção transversal do vírus HIV

Imagem estilizada de uma seção transversal do vírus HIV


Nos últimos anos, novas estratégias têm sido propostas para o desenvolvimento de vacinas anti-HIV/Aids com base na utilização de uma seqüência genética chamada de consenso. Esta seria uma espécie de “seqüência ancestral” de todas as outras, produzida da seguinte forma: ao se analisar um número X de vírus da Aids, pode-se, por meio de programas de computador, verificar quais bases nitrogenadas se repetem com mais freqüência em cada posição das cadeias de DNA. Dito de outra forma, se dos DNAs estudados 80% apresentam a base nitrogenada A na “posição 1”, o DNA consenso terá A na mesma posição. A vacina seria produzida utilizando-se exatamente essa seqüência ancestral que estaria mais próxima (do ponto de vista genético) do conjunto dos vírus circulantes do que qualquer outra derivada a partir de um único vírus.


Pesquisas anteriores já haviam detectado um aumento da distância genética dos vírus ao consenso ao longo do tempo. No entanto, estudos sugeriam que este aumento, observado no plano do DNA, não afetava as distâncias genéticas no plano dos aminoácidos. Como o sistema imune reconhece as proteínas (seqüência de aminoácidos), e não o DNA do vírus, o processo de evolução viral não afetaria a possível eficácia de uma vacina baseada numa seqüência consenso. “Até aqui só estavam sendo detectadas principalmente ‘mudanças sinônimas’, ou seja, em relação ao consenso, mudava o DNA, não os aminoácidos codificados por ele”, esclarece Bentancor.


Os pesquisadores da Fiocruz construíram seqüências consenso de dois (dos três) subtipos de HIV-1 de maior prevalência no país, conhecidos como subtipos B e F1. Depois, analisaram uma região de 210 pares de bases do genoma de numerosos vírus de amostras isoladas na epidemia brasileira entre os anos de 1989 e 2004. Constataram então não só um  distanciamento em relação ao consenso no plano do DNA, como também dos aminoácidos. “Ao longo dos anos ocorreu um aumento das distâncias ao consenso tanto nas posições ‘sinônimas’ (não provocam mudança de aminoácidos) como ‘não-sinônimas’ (provocam mudanças de aminoácidos) do DNA”, explica o biólogo. O fato sugere uma redução na probabilidade de êxito de uma vacina baseada em seqüências consenso, pois esta se tornaria menos eficaz diante das novas variantes virais continuamente originadas. Como conclusão final Bentancor afirma cauteloso que “as seqüências consenso continuam a ser uma boa estratégia para se produzir vacinas, mas que é possível que percam a eficiência com o decorrer do tempo, por causa da contínua evolução do HIV”.


O trabalho de Mariza e Bentancor chama-se Aumento da distância genética as seqüências consenso dos subtipos B e F1 do HIV-1 na epidemia brasileira: um desafio para o desenvolvimento de vacinas. Foi desenvolvido no Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do Instituto Oswaldo Cruz, uma unidade da Fiocruz. Os cientistas o apresentaram no International Aids Vaccine Conference de 2006 – considerado o maior evento do mundo relativo a vacinas contra a Aids –  ocorrido em Amsterdã, assim como na 5ª Bienal de Pesquisa da Fiocruz, em dezembro de 2006.

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