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23/07/2010

Pesquisa apresenta impactos da política de Aids na sobrevida dos pacientes

Informe Ensp


Em entrevista, a pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) Monica Malta discorreu sobre sua participação na 18ª Conferência Internacional de Aids, realizada entre 18 e 23 de julho, em Viena, e da relevância de apresentar os primeiros resultados da inovadora pesquisa O impacto do acesso gratuito e universal à terapia antirretroviral no Brasil: análise de sobrevida, contemplada no Programa de Apoio à Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Saúde Pública (Inova-Ensp). O evento contou com a participação de aproximadamente 40 mil pesquisadores de todo o mundo e visou à troca de experiências das inovações mundiais na área de HIV/Aids.


A pesquisa começou a ser desenvolvida em 2006, em seu doutorado, quando foi comparada a sobrevida após o diagnóstico de Aids entre todos os homossexuais masculinos e usuários de drogas injetáveis notificados e diagnosticados no país durante cinco anos. Atualmente, são estudados todos os pacientes portadores de Aids notificados entre julho de 1998 e dezembro de 2008 no Brasil; cerca de 400 mil pacientes. O principal objetivo do estudo é identificar variáveis potencialmente associadas à maior sobrevida em diferentes categorias de exposição, ajustando por covariáveis sociodemográficas, clínicas e comportamentais.


Qual a maior inovação da pesquisa?

Monica Malta:
Esse será o primeiro trabalho que realmente analisará todos os pacientes com Aids do Brasil. Existem muitos trabalhos realizados a respeito da sobrevida de pacientes com HIV/Aids, mas os estudos disponíveis baseiam-se geralmente nos dados do acompanhamento de um grupo de pacientes vinculados a determinado hospital ou um pool de alguns hospitais. Nunca foi feita uma análise sobre o panorama de todo o Brasil utilizando dados de todos os pacientes com Aids do país. O objetivo é compreender melhor as peculiaridades dos diferentes pacientes (homossexuais, heterossexuais, usuários de drogas etc), avaliando se esses pacientes, ao receberem o diagnóstico, começam a fazer o tratamento num período de tempo semelhante, ou se há muitas diferenças de grupo para grupo. Esse estudo irá iluminar muitas lacunas para quem estuda a epidemia de HIV/Aids, poderá guiar a alocação de recursos, elaboração de políticas e intervenções focalizadas e até mesmo orientar profissionais de saúde que estão atendendo esses pacientes em sua prática clínica.


Existe alguma parceria com instituições de outras regiões para o levantamento dos pacientes que vivem com Aids em todo o país?

Monica:
 A pesquisa é fruto de uma parceira com o Ministério da Saúde (MS) por intermédio do Programa de HIV/Aids e Hepatites Virais e com a Universidade da Califórnia. O MS disponibilizou o banco de dados nacional que será utilizado na pesquisa, e a Ensp financia, por meio do Projeto Inova-Ensp, os alunos bolsistas que analisarão os dados. Com a Universidade da Califórnia, campus de San Diego, temos um projeto financiado pelo National Institutes of Health (NIH), que permitirá a vinda de colegas americanos para colaborar na análise dos dados e a ida de alunos da Ensp para a Universidade da Califórnia a fim de receberem treinamentos específicos em análise de sobrevida e análise espacial.


Como foi a apresentação da pesquisa? Quais os temas abordados na conferência?

Monica Malta:
Nossa pesquisa foi selecionada como uma das poucas que apresentarão dados brasileiros em formato oral. A Conferência Internacional de Aids acontece bienalmente e nela são apresentadas as inovações existentes em diversas áreas - novos medicamentos, novas formas de prevenção (como microbicidas), vacinas, ou seja, são apresentados os resultados de pesquisas e experiências as mais diversas, além de discutidas as intervenções que têm eficácia comprovada. Objetiva-se, nesse tipo de conferência, compreender melhor como cada país está respondendo à epidemia de HIV/Aids e, sempre que possível, unir esforços.


O trabalho O impacto do acesso gratuito e universal à terapia antirretroviral no Brasil: análise de sobrevida foi apresentado de que forma?

Monica:
Muitos trabalhos foram apresentados durante a conferência, tanto em formato oral como em pôster. No entanto, houve apenas uma mesa-redonda acerca de sobrevida de pacientes com Aids, e nosso trabalho foi o único brasileiro incluído nessa mesa. Destacamos, na apresentação, os resultados dos quase 15 anos da política brasileira de acesso gratuito e universal à medicação, acompanhamento clínico e laboratorial para pessoas vivendo com Aids. Ou seja, apresentamos as diferenças nas curvas de sobrevida das principais categorias de exposição (homossexuais, usuários de drogas, mulheres heterossexuais e homens heterossexuais), identificando quais as características sociodemográficas, clínicas e comportamentais desses grupos que influenciam sua sobrevida maior (ou menor). As questões de fundo são: a política de acesso gratuito e universal ao tratamento beneficia alguns pacientes mais do que outros? Que características influenciam esse benefício diferenciado?


De que maneira esses resultados podem ajudar outros países com suas políticas públicas em relação ao tratamento da Aids?

Monica:
O programa brasileiro de resposta à epidemia de HIV/Aids é tido como um 'modelo' a ser seguido por outros países em desenvolvimento, e nossos dados geralmente suscitam grande interesse na Conferência Internacional de Aids. Apresentamos os resultados palpáveis de nossa experiência, não apenas os resultados positivos, mas também os problemas a serem superados. O Brasil é um país com marcantes desigualdades sociais, possui áreas de difícil acesso e um grande contingente populacional de analfabetos e semianalfabetos - acreditamos que países que enfrentam problemas semelhantes possam aprender com a discussão de nossas experiências. Nessa conferência, tivemos a oportunidade de saber o que, de fato, está funcionando no mundo, ocorrendo uma troca de conhecimento e experiências entre pesquisadores dos mais diversos países - aspecto fundamental para podermos elaborar políticas e intervenções mais adequadas.


Como vê a importância da resposta brasileira à epidemia de Aids ser internacionalmente reconhecida e o que esse reconhecimento pode proporcionar no campo de estudos da Aids?

Monica:
Já faz algum tempo que o Brasil costuma estar no meio dos holofotes durante a Conferência Internacional de Aids. Creio que isso se deve por vários motivos, incluindo o ativismo político existente aqui desde o início da epidemia e pelo fato de ter sido o primeiro país em desenvolvimento a realmente oferecer acesso gratuito e universal ao tratamento para Aids, em 1996. Além disso, somos um país muito aberto para falar de sexualidade. No Brasil, por exemplo, a distribuição de preservativos é realizada em escolas da rede pública, uma prática muito controversa em outros contextos sociais; são poucos os países que adotam esse procedimento dentro do ambiente escolar. Ou seja, estamos na vanguarda, com os ônus e bônus que isso acarreta.


É importante levarmos nossa experiência pioneira para esses fóruns internacionais, apontar que caminhos seguimos, o que conseguimos e quais desafios temos pela frente. Havia um tempo em que se falava sobre o "modelo brasileiro" de resposta à epidemia de HIV/Aids, como se fosse algo acabado, perfeito. Efetivamente não temos um 'modelo' perfeito, temos estratégias mais ou menos bem-sucedidas, e enfrentamos diversos problemas, como os que ocorrem em todos os países do mundo. Nossas ações funcionam sim, mas ainda temos muito o que melhorar, e é essa experiência que pretendemos apresentar e discutir durante a conferência.


É fundamental para as instituições de pesquisa participarem de eventos de grande porte como esse, a maior conferência de Aids do mundo. O que isso proporciona para instituições de pesquisa?

Monica:
Inicialmente visibilidade, uma vez que nossa participação permitiu mostrar para uma enorme audiência internacional o que estamos fazendo. Outro ponto importante é a possibilidade de discutir com outros pesquisadores, ativistas profissionais de saúde do mundo todo; isso permite ao pesquisador ampliar seus conhecimentos e conhecer maneiras diferentes de olhar para o mesmo problema. Esse tipo de conferência nos permite conhecer o que outros grandes centros de pesquisa do mundo estão realizando na área. Além disso, em eventos de grande porte como esse, é possível iniciar contatos que poderão, futuramente, se tornar parcerias produtivas com pesquisadores de instituições renomadas.


Como se dão essas parcerias?

Monica:
Esse tipo de contato geralmente começa antes mesmo da conferência ser realizada. Conforme os resumos vão sendo divulgados, pesquisadores de instituições de todo o mundo entram em contato para tentar marcar reuniões durante a conferência. Muitos pesquisadores já me procuraram para saber o horário da minha apresentação, assim como eu já entrei em contato com outros pesquisadores que estarão na conferência de Viena. O conhecimento não caminha sozinho, o trabalho de pesquisa é um movimento realizado em grupo, precisa de parcerias, é pró-ativo. Do nosso esforço e dos resultados de nossas pesquisas dependem centenas de milhares de brasileiros. Nós temos, acima de tudo, um compromisso ético com esses pacientes - a ciência precisa caminhar para que esses pacientes vivam mais e melhor.


Publicado em 23/7/2010.

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