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02/02/2012

Pesquisa avalia serviços de saúde na tríplice fronteira e sugere maior integração

Ana Paula Gioia Lourenço


Analisar os sistemas de saúde e a oferta de serviços à população que habita ou circula na região da tríplice fronteira Brasil/Colômbia/Peru: este foi o desafio assumido pelo médico e pesquisador Antônio Levino da Silva Neto, do Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia). Em sua tese de doutorado em saúde pública, intitulada Caracterização geográfica, epidemiológica e da organização dos serviços de saúde na tríplice fronteira Brasil/Colômbia/Peru, Levino buscou compreender a dinâmica do processo saúde/doença, bem como o planejamento e a gestão nas condições específicas dessa zona de fronteira aberta. Para o estudo, ele utilizou as bases de dados oficiais e entrevistas com os gestores de 47 unidades de saúde de 16 localidades fronteiriças dos três países.


 A infraestrutura de assistência à saúde, na região da tríplice fronteira, é insuficiente e, por vezes, inadequada. Faltam determinados serviços, notadamente os de maior complexidade

A infraestrutura de assistência à saúde, na região da tríplice fronteira, é insuficiente e, por vezes, inadequada. Faltam determinados serviços, notadamente os de maior complexidade


O estudo mostrou que as zonas de fronteira internacional têm características próprias que influenciam o processo saúde/doença. A pesquisa identificou obstáculos à garantia de um atendimento acessível e eficaz em saúde. Entre esses desafios, destacam-se as grandes distâncias que separam as comunidades; a baixa densidade populacional e o grande contingente indígena; a escassez de recursos e de infraestrutura para assistência à saúde; as condições de vida precárias; a fronteira aberta; e a grande mobilidade humana. Somam-se, ainda, as diferenças nos modelos de gestão e as desigualdades regionais no interior de cada espaço nacional. Segundo Levino, esses fatores aumentam o risco de introdução de doenças e dificultam o planejamento das ações de vigilância, tornando a fronteira um espaço de maior vulnerabilidade. 

 

De acordo com a tese, orientada pelo pesquisador Eduardo Freese, da Fiocruz Pernambuco, a infraestrutura de assistência à saúde, na região da tríplice fronteira, é insuficiente e, por vezes, inadequada. Faltam determinados serviços, notadamente os de maior complexidade, ou estes estão concentrados em apenas algumas poucas localidades. Há também deficiências relacionadas aos recursos humanos em saúde, inclusive por causa da ausência de políticas de capacitação, aperfeiçoamento e, principalmente, regularização do exercício profissional de mão-de-obra estrangeira.

 

A relevância dos estudos sobre as áreas de fronteira cresceu nos últimos anos em virtude do processo de formação dos blocos econômicos regionais, ocorrido desde o final do século 20. Diante disso, o governo brasileiro passou a considerar as regiões fronteiriças como áreas estratégicas, pela potencialidade que representam e por serem espaços privilegiados para a promoção da integração regional. Nesse contexto, garantir às populações que vivem nessas áreas acesso a serviços públicos de saúde de qualidade tem sido uma preocupação dos países envolvidos. No Brasil, foi criado o Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras (SIS Fronteira), que visa integrar as ações e os serviços de saúde na região e contribuir para a organização e o fortalecimento dos sistemas de saúde oferecidos nos municípios fronteiriços.

 

Assistência à saúde diferenciada

 

Segundo a pesquisa, dos países da tríplice fronteira, o Brasil é o que apresenta a melhor política de acesso, com o Sistema Único de Saúde (SUS). Este oferece uma assistência mais inclusiva, pois atende aos que contribuem ou não com impostos, fazendo valer o direito à saúde assegurado na Constituição. O sistema de saúde adotado na Colômbia, por sua vez, tem características de um sistema misto, com expressivo grau de regulação pública e terceirização da gestão, remunerando várias operadoras por meio de um fundo oriundo de contribuições e impostos. Os cidadãos colombianos são divididos em duas categorias de usuários, de acordo com o nível de contribuição para o sistema que garante acesso ao Plano Obrigatório de Saúdçe (POS). No chamado POS subsidiado, o usuário dá uma contribuição menor e recebe uma assistência com restrições, enquanto no POS contributivo está incluído um pacote diferenciado de serviços destinado aos de maior renda.

 

No Peru, a assistência é dividida em quatro subsistemas heterogêneos, fechados e sem comunicação entre si, associados a diferentes clientes: o Plano Integral, destinado a quem não tem renda ou ganha pouco; o Essalud, para assalariados, profissionais liberais ou funcionários públicos, com uma rede hospitalar própria para esta clientela; o Plano Nacional de Atendimento às Forças Militares, para o Exército, a Marinha, a Aeronáutica e a Polícia Nacional; e o Privado, para os que podem contratar um plano de saúde.

 

Diante desse quadro, Levino verificou que o cidadão brasileiro morador das áreas de fronteiras não pode ser atendido em outro país, pois falta integração. “Hoje, um brasileiro que reside na fronteira, quando tem um problema mais grave de saúde, precisa viajar quilômetros até a cidade brasileira mais próxima que ofereça a assistência necessária, mesmo que ele esteja bem mais perto de uma cidade estrangeira com condições de atendê-lo”, exemplifica o pesquisador. De forma similar, apesar de o SUS não segregar pela condição financeira ou pela nacionalidade, as diferenças entre os modelos de assistência impedem os colombianos e peruanos de ter livre acesso ao sistema brasileiro.

 

Os resultados da pesquisa podem subsidiar iniciativas para mudar esse quadro, por meio da cooperação internacional. A ideia é fomentar parcerias para o enfrentamento de problemas relativos à oferta de serviços de saúde na tríplice fronteira, região com cerca de 250 mil habitantes. “A superação dessas dificuldades na fronteira Brasil/Colômbia/Peru poderia ocorrer por meio da estruturação de um fundo único de saúde, de caráter público, com recursos oriundos de fontes nacionais e da cooperação internacional, e gestão compartilhada pelos três países”, sugere Levino. “Esse fundo poderia financiar a cobertura integral e o acesso universal aos serviços de saúde na fronteira, independentemente da natureza pública ou privada do prestador. Essa poderia ser a base de um Sistema Único de Saúde da Fronteira”, aponta o pesquisador.


Publicado em 1º/2/2012.

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