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10/10/2006

Pesquisa inédita traça perfil de homens e a Aids no Recife

Paula Lourenço


Um estudo pioneiro em Pernambuco traçou o perfil dos homens que fazem sexo com homens (HSH), do Recife e da Região Metropolitana, abordando seus comportamentos, atitudes e práticas de risco e de prevenção para a Aids, problema de saúde crítico para esse universo HSH nas duas últimas décadas. O trabalho - resultado de uma dissertação de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública do Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães (CPqAM) - identificou que, mesmo com o acesso à informação sobre a doença, o índice de situações e práticas sexuais de risco ainda é considerado elevado, embora o número de casos de infecção pelo vírus HIV nesse grupo tenha se estabilizado no país.


A pesquisa apontou que o envolvimento dos homens que fazem sexo com homens de forma desprotegida aumenta na medida em que são incluídas diferentes práticas sexuais. Dos 277 homens pesquisados, 85,5% disseram que praticam relações sexuais desprotegidas (RSD) na forma oral e 36,5%, em caso de sexo anal. Como 25% desse público disse se sentir atraído por homens e mulheres, há também o índice de RSD com a inclusão de sexo vaginal, que chegou a 40%.


Segundo a autora da dissertação, a psicóloga Nadjanara Vieira, as variáveis de idade, situação de trabalho, dificuldades de comunicação sobre sexo com os parceiros ou de negociar sexo seguro mostraram-se significativamente associadas com as relações sexuais desprotegidas. Mais de 53% dos entrevistados têm menos de 30 anos, 51% estão empregados, a maioria é solteira, mora na companhia de alguém e possui escolaridade elevada (com ensino superior).


O resultado da dissertação deve gerar a publicação de dois artigos científicos, colaborando para a construção de dados sobre o assunto na capital pernambucana. Estudos nesse sentido já existem em grandes centros urbanos brasileiros, como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Fortaleza.


O levantamento faz parte do projeto de pesquisa Entendendo quem entende, coordenado pela pesquisadora Ana Brito, do Departamento de Saúde Coletiva (Nesc) do CPqAM e orientadora da dissertação. Iniciado há dois anos, o estudo deve encerrar a coleta de dados no primeiro semestre de 2007. “Embora preliminares, os resultados da dissertação revelam comportamentos que põem em risco o grupo de HSH para infecção pelo HIV”, destacou Nadjanara.


Os dados poderão servir para a elaboração e implementação de políticas e estratégias mais eficazes para essa população. “Podemos pensar, por exemplo, em atividades educativas, programas específicos, transformar uma unidade de referência e capacitar os médicos do sistema público de saúde para evitar a homofobia por parte desses profissionais, além de fazer campanhas utilizando a mídia de forma eficiente e não de maneira inadequada, como por vezes percebemos”, detalhou a psicóloga.


A concluinte do mestrado crê, ainda, que seu trabalho pode contribuir para novas pesquisas para investigar as motivações ou não para o uso do preservativo e a prática do sexo seguro, já que muitos têm acesso à informação e ao preservativo, embora haja também os que não possuem dinheiro para adquiri-lo.


“São coisas que ainda precisam ser exploradas e que os estudos qualitativos ajudarão a entender os significados, os desejos, os afetos, o que é que realmente interfere na adoção ou não do sexo seguro, quais são as negociações possíveis com os parceiros”, complementou, lembrando, por exemplo, a dificuldade de negociação que há do uso da camisinha para casais heterossexuais juntos há longa data. Há dez anos, ela atua no Instituto Papai, organização não-governamental que lida com homens jovens e trabalha a questão dos direitos sexuais reprodutivos, no sentido de sensibilizar seu público-alvo para essa discussão.


Metodologia


O público-alvo do trabalho foi selecionado por um método científico ainda não empregado para esse tipo de estudo no estado: o Respondent-Driven Sampling, uma alternativa para construir amostras probabilísticas de população de difícil acesso, a exemplo dos homossexuais e moradores de rua. Na prática, a psicóloga iniciou a atividade de campo com dez entrevistados indicados por profissionais da área de saúde, pesquisadores, integrantes de movimentos gay e sociais, para que essas "sementes" (os entrevistados) fossem diversificadas em idade, sexo, classe social.


“A partir dessas dez sementes, construímos uma rede de indicações, na qual cada participante, inicialmente, indicou três pessoas para participar que não podiam ser parentes, parceiros, nem amigos muito íntimos. Os entrevistados subseqüentes indicaram mais três, cada um, construindo novas ‘ondas’ (novos grupos de entrevistados)”, complementou. Utilizando essa metodologia, a pesquisa deve encerrar com mais de 800 entrevistados, num total de oito "ondas". Nadjanara, que é coordenadora de campo do projeto, lembrou que todo o trabalho conta com o apoio das coordenações de DST-Aids das secretarias de Saúde do Recife e do Estado.

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