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10/09/2013

Pesquisa inédita coordenada pela Fiocruz vai mapear a saúde da população brasileira

Cristiane D'Ávila


Foi iniciada no dia 12 de agosto a primeira fase da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), estudo inédito realizado pelo Ministério da Saúde, a Fiocruz e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A pesquisa vai mapear diversas doenças e fatores de risco à saúde, como hipertensão, diabetes e a obesidade. Além de visitas a domicílio em todo o Brasil para a realização de entrevistas, também farão parte do estudo a aferição de medidas físicas e a coleta de sangue e urina dos indivíduos. A coleta das amostras clínicas será feita por profissionais ligados a laboratórios privados contratados para esse fim, enquanto as entrevistas serão realizadas por pesquisadores do IBGE, que estão em treinamento desde o fim de julho. Cerca de 20 mil pessoas deverão ser submetidas aos exames, dos 80 mil domicílios pesquisados, em 1.600 municípios brasileiros.

Coordenado pela pesquisadora Célia Landmann, do Laboratório de Informação em Saúde (Lis/Icict/Fiocruz), o grupo científico responsável pelas diretrizes da PNS reúne outros pesquisadores do Icict, como Francisco Viacava, chefe do Lis e vice-coordenador da pesquisa, Paulo Roberto Borges de Souza Júnior, Dália Romero, Luiz Otávio Azevedo, Giseli Nogueira Damacena, Wanessa Almeida e Rodrigo Moreira e Armando Pires, pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública, como Mariza Theme e Maria do Carmo Leal, além de pesquisadores do Ministério da Saúde, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), da Universidade de São Paulo (USP) e também da Fiocruz. A PNS fará parte do Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares (SIPD) do IBGE e deverá ter periodicidade de cinco anos. Em entrevista a Agência Fiocruz de Notícias, Célia Landmann explica como está sendo realizada a PNS.

AFN: A Pesquisa Nacional de Saúde foi lançada em 12 de agosto. O que já foi realizado até agora?

Célia Landmann: Foram realizadas entrevistas em praticamente todos os estados da Federação, sendo que em São Paulo, onde foi iniciada, temos o maior volume de entrevistadores e entrevistas já feitas. Conforme os agentes são treinados, as entrevistas são iniciadas nos estados. Por se tratar de uma pesquisa probabilística, os domicílios são selecionados aleatoriamente, por todo o país, abrangendo todas as regiões brasileiras.

AFN: Como se dá na prática a PNS?

Célia Landmann: Acontece assim: o IBGE envia uma carta para um domicílio selecionado aleatoriamente explicando a PNS, avisando sobre a visita do entrevistador. No momento da visita, o entrevistador conversa com os moradores do domicílio e detalha como se dará a participação. Na primeira parte, a entrevista refere-se a informações socioeconômicas e de saúde sobre todos os moradores do domicílio. Nesta etapa, um morador maior de 18 anos é selecionado para participar das demais, que consistem em entrevista através de amplo e extenso questionário, aferição de medidas físicas (peso, altura, pressão arterial e circunferência abdominal) e realização de exames laboratoriais. O trabalho de campo terá a duração máxima de quatro meses. Em todas essas etapas, o indivíduo assina um termo de consentimento, conforme preconizam as normas da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).

AFN: São feitas quantas visitas ao domicílio?

Célia Landmann: Em geral duas. Se o entrevistador, na primeira visita ao domicílio, conseguir selecionar um indivíduo e esse, já nesse primeiro encontro, consentir e tiver disponibilidade para responder as perguntas e fazer o exame físico, restará apenas a coleta domiciliar de sangue e urina, que será feita em outra visita, aproximadamente um mês após a realização da primeira.

AFN: Qual é a metodologia da PNS?

Célia Landmann: A amostra da PNS é uma sub-amostra da amostra mestra da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios), do IBGE. Primeiramente, são selecionados setores censitários, depois domicílios, e em seguida os moradores adultos daqueles domicílios, que respondem a questionários individuais. A vantagem da metodologia é que, por optar por uma amostra probabilística, ela possibilita a representação de todos os indivíduos do território nacional.  

AFN: Se a PNS é uma amostra probabilística, então por que não utiliza dados já disponíveis no SUS?

Célia Landmann: Esse questionamento tem sido feito. Em primeiro lugar, não temos nem no SUS, nem no setor privado, acesso a resultados de exames laboratoriais. Mas suponhamos que tivéssemos acesso aos resultados do SUS. Aí já teríamos um primeiro problema: há pessoas que não tem acesso à assistência, que nunca fizeram medidas físicas e exames laboratoriais, o que deixaria uma fatia expressiva da população de fora da PNS.

AFN: Esses exames laboratoriais serão feitos por técnicos do MS?

Célia Landmann: Não, os exames serão sendo feitos por um consórcio de laboratórios privados contratados através do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, que está fazendo um trabalho filantrópico para o Ministério da Saúde.

AFN: Como o IBGE e o MS vão garantir a privacidade desses indivíduos entrevistados?

Célia Landmann: Os dados de identificação do IBGE estão sendo passados diretamente para o laboratório contratado. O laboratório então entrará em contato com esse indivíduo entrevistado, solicitando a autorização dele para a realização dos exames. Após a realização dos exames, o indivíduo receberá uma senha para consultar o resultado pela internet, ou receberá o resultado pelos Correios, caso não tenha acesso à internet. Nesse resultado ele será notificado se há algum problema a ser tratado imediatamente. Já nós, pesquisadores da Fiocruz, receberemos tanto os resultados das entrevistas e exames físicos, como dos exames laboratoriais, sem a identificação do indivíduo por nome, mas sim por código. 

AFN: Como se dará o armazenamento dessa sorologia?

Célia Landmann: Quando o coletador de sangue for ao domicílio para fazer o exame laboratorial, ele vai perguntar se o indivíduo consente que o sangue seja armazenado em uma soroteca no Instituto Evandro Chagas, da Secretaria de Vigilância em Saúde. Com a soroteca teremos uma amostra nacional que vai permitir a investigação de novas doenças. Qualquer estudo que venha a ser feito com essas amostras vai passar por algum comitê de ética em pesquisa obrigatoriamente.

AFN: A PNS vai incorporar o Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares do IBGE. O que significa, na prática, o uso desse sistema, qual a vantagem disso?

Célia Landamnn: Por incorporar os dados desse sistema, as informações referentes às condições socioeconômicas da população são incluídas na pesquisa, ou seja, as condições de moradia, de trabalho, de educação, renda e outras características sociodemográficas. O sistema concentra dados de diversas pesquisas do IBGE, como a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), por exemplo, ou seja, informações que em algum nível geográfico poderão ser correlacionadas aos dados da PNS. 

AFN: Então a averiguação do estado de saúde da população não se dará apenas pela análise dos resultados dos exames?

Célia Landmann: Exatamente. O questionário permitirá cruzarmos dados laboratoriais com a condição socioeconômica do indivíduo, estilo de vida, escolaridade, ocupação, e associá-los à saúde. Por exemplo, em uma família em que a mãe trabalha fora, pode haver excesso de consumo de comidas semiprontas. Estamos interessados na causa das causas, ou seja, nos fatores sociais associados aos fatores de risco das doenças crônicas, como fumo, excesso de álcool, obesidade. Além disso, precisamos saber se há acesso diferenciado à assistência, a exames laboratoriais, a exames preventivos, por classe social. Por exemplo, no caso doenças como hipertensão arterial, diabetes e depressão, o questionário permitirá avaliar se já houve o diagnóstico, se o indivíduo recebe qualquer assistência, se tem acesso a consultas especializadas, a exames laboratoriais e a outros exames complementares. Isso vai nos permitir averiguar onde estão os estrangulamentos do SUS.  

AFN: Podemos afirmar que se trata de uma parceria inédita entre a academia, representada pela Fiocruz, áreas técnicas do MS e IBGE?

Célia Landmann: É realmente inédito e acontece no momento certo, pois avançamos muito na atenção básica nos últimos anos. A mortalidade infantil decresceu de 27 para 15, para mil nascidos vivos, na última década, e a expectativa de vida aumentou em dez anos. Estamos envelhecendo, nossa transição epidemiológica foi intensa, o padrão de doenças mudou, temos mais doenças crônicas, não transmissíveis, precisamos agora de mais assistência.

AFN: É a primeira vez que a Fiocruz e o próprio MS realizam uma pesquisa com essa dimensão. Qual o impacto da PNS no longo prazo?

Célia Landmann: Certamente, é a primeira grande pesquisa da Fiocruz com medição de pressão arterial e a realização de exames laboratoriais em nível nacional, em que o próprio indivíduo responde sobre seu estado de saúde. Ela investiga aspectos sociais, estilos de vida, doenças e auto-percepção da saúde. Isso vai permitir que representantes das áreas técnicas do MS e gestores possam usar as informações coletadas e elaborar políticas de acordo com as evidências encontradas, que a academia de uma forma geral elabore dissertações, teses, artigos, palestras com os dados da PNS, e que a população saiba como está a saúde do povo brasileiro, para que possamos construir melhores políticas públicas de promoção da saúde. A PNS vai possibilitar que identifiquemos o que está caminhando bem e possamos mudar o que está caminhando mal no sistema nacional de saúde.

AFN: O significa para você, como cientista, a realização da primeira grande pesquisa sobre a saúde da população brasileira?

Célia Landmann: Na verdade é a realização de um sonho, iniciado na Abrasco no início dos anos 2000. Até hoje tínhamos suplementos da PNAD/IBGE, e agora temos uma pesquisa independente, só sobre a saúde. Gostaria mesmo é que esses dados fossem divulgados o mais amplamente possível, até mesmo em revistas de grande circulação, como vi no Canadá.

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