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28/04/2011

Pesquisa investiga a saúde das motoristas de ônibus

Fernanda Marques


De que maneira o trabalho causa impacto na saúde de mulheres motoristas de ônibus na cidade do Rio de Janeiro? Responder a esta pergunta foi o objetivo principal da dissertação de mestrado da enfermeira Danielle Pires Marques Vellozo, defendida na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz). Os resultados da pesquisa mostram que o trabalho tem impacto físico, mental e social para essas mulheres. Danielle também identificou ambiguidades nos discursos das motoristas. “Embora atuem num universo predominantemente masculino, num primeiro momento, elas dizem que o trabalho é igual para homens e mulheres. Em seguida, elas apontam uma série de diferenças que vivenciam por serem mulheres”, conta.


 Ao volante de um ônibus, as trabalhadoras se descrevem como motoristas mais tranquilas, educadas e atenciosas com os passageiros, enquanto os homens seriam afoitos, agressivos e imprudentes

Ao volante de um ônibus, as trabalhadoras se descrevem como motoristas mais tranquilas, educadas e atenciosas com os passageiros, enquanto os homens seriam afoitos, agressivos e imprudentes


Não existem no Brasil outros estudos que tenham investigado mulheres motoristas de ônibus. No mundo, Danielle só encontrou três pesquisas, a primeira na França, em 1996, e as outras duas no México e em Portugal, em 2008 e 2009, respectivamente. Danielle começou a estudar o tema em 2007, quando integrava o núcleo de saúde e segurança do trabalhador de uma empresa de ônibus e fez um trabalho acadêmico no qual realizou uma entrevista coletiva com três mulheres motoristas. Nessa entrevista, chamaram a atenção da enfermeira algumas queixas das funcionárias, como as longas jornadas de trabalho somadas ao peso do serviço doméstico e os transtornos causados pela ausência de banheiros, principalmente no período menstrual.


Assim, em 2008, ao ingressar no mestrado em saúde pública da Ensp/Fiocruz, Danielle decidiu analisar as questões de gênero, saúde e trabalho em mulheres motoristas de ônibus. A metodologia utilizada foi a do “mosaico científico”, isto é, os dados para a análise foram coletados por meio de diferentes estratégias. Numa abordagem qualitativa, a enfermeira fez entrevista individual e coletiva com mulheres motoristas; entrevista individual com instrutora de motoristas; conversa informal com supervisora de recursos humanos; e análise de reportagens publicadas na revista Ônibus, editada pela Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor). Além disso, Danielle fez a chamada “observação participante”: a pesquisadora fez viagens em ônibus dirigidos por mulheres e anotou o que via, como as interações com passageiros e colegas de trabalho.


A partir desse “mosaico”, Danielle identificou impactos na saúde física das motoristas, como hipertensão arterial, varizes e tendinite. Verificou, ainda, sofrimento emocional, associado ao cansaço e ao estresse. A literatura científica mostra que os exercícios físicos ajudam na prevenção e proteção contra o estresse. No entanto, eles são uma realidade distante das motoristas. “Elas não têm tempo para os exercícios porque acoplam o trabalho fora de casa com o serviço doméstico, sendo este diário, necessário, não remunerado e, muitas vezes, não valorizado socialmente”, diz a pesquisadora.


A dissertação de Danielle discutiu também questões de gênero e cultura. “O que é ser homem e mulher não se define apenas em termos biológicos. Os papeis são culturalmente determinados e variam no tempo e no espaço. Assim, existem os trabalhos considerados de homens, em geral mais valorizados e ligados à esfera produtiva, e os de mulheres, associados a aspectos reprodutivos e ao cuidado”, explica. Dirigir ônibus é um trabalho considerado do universo masculino. Ao mesmo tempo, porém, os transportes pertencem ao setor de serviços, cuja maioria de trabalhadores é formada por mulheres. “Temos observado uma inserção crescente de mulheres em atividades antes destinadas aos homens: são caminhoneiras, motoristas de táxi, condutoras de trem e metrô e até pilotas de avião”, afirma.


Ao volante de um ônibus, as trabalhadoras se descrevem como motoristas mais tranquilas, educadas e atenciosas com os passageiros, enquanto os homens seriam afoitos, agressivos e imprudentes. Durante as entrevistas, foi relatada uma preferência por mulheres motoristas pelos passageiros e até mesmo pelas empresas. No entanto, esta preferência, segundo Danielle, se daria menos pela qualificação profissional e mais por certas características atribuídas à “natureza” feminina – por exemplo, a docilidade e a cautela necessárias à direção preventiva para evitar acidentes.


Dessa forma, embora, num primeiro momento, as motoristas afirmem não haver distinção entre elas e os colegas de profissão do sexo masculino, as diferenças, pouco a pouco, aparecem nos discursos. “As diferenças biológicas, muitas vezes, se traduzem em desvantagens ergonômicas, porque os ônibus foram construídos para homens”, argumenta Danielle. “Para se adequarem ao instrumento de trabalho – o ônibus –, as motoristas precisam desenvolver estratégias que podem comprometer o sistema músculo-esquelético, como colocar um travesseiro no banco para facilitar o alcance dos pedais”, descreve a pesquisadora. “As motoristas de ônibus não são vítimas nem heroínas: são mulheres se adaptando a um novo universo de trabalho”.


Publicado em 26/4/2011.

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