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23/11/2012

Pesquisa investiga as relações dos jovens com o crack

Informe Ensp


Existe rede nos municípios do Rio de Janeiro e do Recife para atender a essa população de jovens dependentes de crack? É uma rede adequada tanto em termos quantitativos como qualitativos? Temos profissionais preparados para lidar com essa clientela? Temos serviços de saúde adequados para receber essa clientela? A clientela tem problemas de acesso ao serviço? Quais as relações possíveis entre o Sistema Único de Saúde e comunidades terapêuticas? Essas são questões enfocadas pela pesquisa Observatório de Políticas Sociais para Adolescentes e Jovens. Ela está sob a coordenação do vice-diretor de Cooperação e Escola de Governo da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), Marcelo Rasga Moreira, entrevistado pelo Informe Ensp. Financiado pelo Ministério da Saúde, o projeto faz parte da política de estimular pesquisas que se voltem para os atuais problemas de saúde pública vivenciados pela população brasileira. A pesquisa vai analisar as relações entre juventude e crack nos municípios do Rio de Janeiro e Recife.


Como começou esse projeto de pesquisa sobre o crack?


Marcelo Rasga: Nós desenvolvemos uma pesquisa no Departamento de Ciências Sociais (DCS/Ensp), iniciada em 1994. Hoje, ela é denominada Observatório de Políticas Sociais para Adolescentes e Jovens (OBPSAJ), que tem como objetivo investigar as condições de vida e as políticas públicas voltadas para esses segmentos populacionais. Desde 2004 temos uma parceria importante com a Área Técnica da Saúde do Adolescente e do Jovem do Ministério da Saúde. No contexto da parceria, começamos a desenvolver, em 2012, uma investigação sobre as relações entre juventude e crack, tendo como foco as políticas públicas executadas nos municípios do Rio de Janeiro e Recife. A proposta da pesquisa é produzir reflexões, insumos e evidências para orientar as políticas públicas voltadas para saúde de adolescentes e jovens envolvidos com o crack.

 

Por que os dois municípios? Qual a diferença entre eles?

 

Rasga:
Porque são dois municípios que vivem problemas com a questão do crack e estão desenvolvendo políticas de enfrentamento diferentes, sobretudo porque o Rio de Janeiro está investindo na proposta de internação compulsória. A pesquisa quer estudar as políticas públicas buscando entender fundamentos, objetivos, processos e resultados, gerando subsídios para a área de saúde do adolescente e do jovem aperfeiçoar sua atuação e para a reflexão da sociedade.


Quais as principais questões enfocadas nesse projeto de pesquisa?

 

Rasga:
A pesquisa terá uma abordagem interdisciplinar que avançará pelo campo da saúde, sociologia/antropologia e economia. As primeiras questões que estão sendo investigadas referem-se à rede de serviços de saúde. Que rede existe nos municípios do Rio e Recife para atender a essa população de jovens dependentes de crack? É uma rede adequada tanto em termos quantitativos como qualitativos? Temos profissionais preparados para lidar com essa clientela? Temos serviços de saúde adequados para receber essa clientela? A clientela tem problemas de acesso ao serviço? Quais as relações possíveis entre o Sistema Único de Saúde e comunidades terapêuticas? Do ponto de vista sociológico/antropológico, precisamos compreender quem são os adolescentes e jovens que são dependentes do crack, quais relações os levaram a essa situação e que relações essa situação gera em suas vidas. Isso é fundamental para desenvolver uma política adequada. Também há a preocupação de entender o problema do crack sob o ponto de vista de sua economia política, compreendendo o tráfico de drogas como um segmento ilícito de mercado.


Como será o método de trabalho e qual a perspectiva dos resultados finais?

 

Rasga:
Será uma pesquisa que articulará análise documental e trabalho de campo tradicional, com entrevistas com profissionais, especialistas e dependentes de crack. Articularemo-nos também com outros pesquisadores da área, sobretudo com o pesquisador Francisco Inácio Bastos (Icict/Fiocruz), responsável por uma importante pesquisa que mapeia os cenários de crack no país. Ao fim de 2013, apresentaremos os resultados, mas, ao longo do projeto, vão surgir resultados típicos de pesquisa, como artigos científicos e relatórios, além de um livro baseado no seminário. Há ainda a ideia de produzir um seminário no Recife. Para isso, pretendemos fazer uma articulação com o Instituto Ageu Magalhães da Fiocruz. Pretendemos também realizar um seminário em Brasília para propor alternativas interministeriais.


Como está o andamento da pesquisa e quais atividades já foram realizadas?

 

Rasga:
A análise documental está em processo de finalização, e estamos iniciando o trabalho de campo. Tivemos o primeiro grande momento com o seminário Juventude, crack e outras drogas – Polêmicas, alternativas e políticas públicas. O objetivo do seminário foi reunir especialistas, gestores, estudiosos e pessoas da sociedade organizada para discutir e propor alternativas de políticas públicas que possam enfrentar a questão do crack. Ao mesmo tempo que foi uma atividade da pesquisa, esse seminário está inserido na política da Ensp de estimular pesquisas que se voltem para os atuais problemas de saúde pública vivenciados pela população brasileira. Foi nesse contexto que, em setembro passado, a Ensp dedicou as atividades de sua semana de aniversário ao debate sobre a questão das drogas, trazendo o professor Luiz Eduardo Soares para a palestra principal e exibindo o filme Selva de pedra - a fortaleza noiada, que discute a questão. Além disso, o Programa Teias-Escola Manguinhos realizou um seminário este ano sobre Atenção Primária em Saúde com População de Rua, que abordou o problema do crack e os consultórios na rua.


O programa Teias-Escola Manguinhos traz a alternativa dos consultórios na rua para orientação e atendimento desses dependentes. Quais seriam as outras alternativas?

 

Rasga:
É uma boa alternativa!  A gestora do Teias, Elyne Engstron, esteve no seminário. Consideramos uma experiência a ser levada em conta. Vamos ampliar o estudo quando fizermos o levantamento no Rio de Janeiro e no Recife. Porém, é importante frisar que a superação dos problemas de adolescentes e jovens envolvidos com o crack não passa exclusivamente pelo setor saúde. O Sistema Único de Assistência Social (Suas) precisa estar estruturado para atender a essas pessoas. Hoje, parece haver uma estranha busca para se descobrir algum delito cometido pelos dependentes de crack e transformar o problema em caso de polícia. De certa forma, isso ocorre porque não temos equipamentos de assistência social em quantidade e de acordo com as necessidades dessa população.


Outra questão é que não temos um sistema socioeducativo capaz de atender aos adolescentes e fazer com que as medidas de proteção e socioeducativas realmente os ajudem a lidar com a questão da droga. Portanto, temos problemas no sistema de saúde, no sistema de assistência social e no sistema socioeducativo. Superar as falhas desses sistemas, que formam um importante sistema de proteção social, é a maneira como o poder público pode trabalhar soluções humanizadas e efetivas para os adolescentes e jovens envolvidos com o crack.


Publicado em 23/11/2012.

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