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24/10/2008

Pesquisa revela padrão de consumo alcoólico da população brasileira

Informe Ensp


Ronaldo Laranjeira é professor-titular do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), trabalhando com ênfase em alcoolismo e dependência em outras drogas. Suas principais áreas de pesquisa são:tratamento da dependência química, o impacto das políticas públicas do álcool e outras drogas, bases biológicas da dependência e avaliação epidemiológica do uso de substâncias. Recentemente, coordenou o 1º Levantamento Nacional sobre os Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira, cujos resultados foram apresentados no 7º Congresso Brasileiro de Epidemiologia, promovido em setembro, em Porto Alegre. "Quanto mais precoce for o uso regular de álcool, maiores serão as chances de o jovem se tornar um adulto dependente", afirma.


 Laranjeira: o estudo mostrou que metade da população não bebe, um quarto bebe muito e um quarto bebe pouco. É um pouco diferente da visão que tínhamos, a de que, no Brasil, todo mundo bebe um pouco

Laranjeira: o estudo mostrou que metade da população não bebe, um quarto bebe muito e um quarto bebe pouco. É um pouco diferente da visão que tínhamos, a de que, no Brasil, todo mundo bebe um pouco


A pesquisa apresentada traz dados inéditos? Quantas pessoas estiveram envolvidas nessa pesquisa?


Ronaldo Laranjeira: O diferencial dessa pesquisa é que ela usou uma amostra probabilística da população brasileira. Pela primeira vez, uma amostra representativa da população será apresentada em um estudo e a primeira vez que será possível ter um perfil de como o brasileiro bebe. Ao todo, foram 3.007 pessoas com mais de 13 anos de idade, de 147 municípios brasileiros, buscando representar toda a população brasileira.


Quedados que mais lhe chamaram a atenção?


Laranjeira: Um deles foi o que afirma que 48% da população brasileira não bebe. Nós sempre falamos, e existia um certo consenso dos especialistas de que o número de não bebedores era em torno de 10% e 15%. Para a nossa surpresa, 58% das mulheres e 35% dos homens não bebem. Outro mostra que cerca de 40% das pessoas entre 18 e 24 anos já beberam em excesso pelo menos uma vez. Desse total, 22% bebem uma vez por semana ou mais.


Quais são os estados que mais vendem bebida? e quais os que consomem menos?


Laranjeira: Na pesquisa, não conseguimos fazer, tão detalhadamente, por estados. Podemos falar por regiões. No Sul, temos um tipo de beber regular e em menor quantidade. Já no Nordeste, temos um beber menos freqüente e em maiores quantidades, temos um perfil mais complexo do que nós gostaríamos de ver. Entre o Rio de Janeiro e São Paulo não há muita diferença. Por um lado 48% da população não bebe e 25% quando bebe, bebe muito. Essa parcela da população representa praticamente 80% de todo consumo de álcool do Brasil. Então, o perfil global é o seguinte: metade da população não bebe, um quarto bebe muito e um quarto bebe pouco. É um pouco diferente da visão que tínhamos, a de que, no Brasil, todo mundo bebe um pouco, o que não se comprovou como uma verdade.


Podemos afirmar que essa população que bebe muito são os chamados 'bebedores de final de semana'?


Laranjeira: Não necessariamente. Desses 25% que bebem muito, encontramos desde aquela pessoa que quando bebe, bebe muito, mais do que cinco doses de álcool e aqueles que bebem quase todos os dias. Temos sim um conjunto de bebedores pesados.


Na sua opinião qual o efeito da Lei Seca no consumo dos brasileiros?


Laranjeira: Temos a repercussão por dados indiretos, pois essa pesquisa foi feita antes da implementação da Lei Seca. Por esses dados, sabemos que houve desde a diminuição de atendimentos nos pronto-socorros nos finais de semana ou de mortes por acidentes chamadas pelo Serviço Médico de Urgência (Samu). Todos esses indicadores mostram que a lei diminuiu o padrão de consumo, especialmente o considerado mais problemático. Mas, ao mesmo tempo, já existem dados mostrando que eventualmente o impacto inicial da Lei Seca está começando a diminuir, principalmente nas regiões onde não é feita a fiscalização. Houve um impacto inicial pela mudança conceitual da lei e pela enorme repercussão na mídia. A percepção do risco das pessoas nesses primeiros meses da Lei Seca aumentou muito e, por isso, houve uma mudança no comportamento. Contudo, não está acontecendo uma fiscalização rigorosa em grande parte do país.


Quando será possível fazer uma análise mais segura sobre o impacto da Lei?


Laranjeira: Estamos iniciando, na cidade de São Paulo, outra fase dessa pesquisa. A pesquisa anterior mostrou que 30% dos motoristas, dirigindo sexta e sábado à noite, apresentavam algum nível de álcool no sangue, e eses dados foram apresentados na Abrasco. Eu acho que houve um impacto na população, e sabemos que, em São Paulo, está havendo uma fiscalização razoável. Nos finais de semana, temos, regularmente, várias pessoas sendo presas devido à lei.


Que outros dados relevantes você apresentou no simpósio?


Laranjeira: Apresentamos um outro trabalho que mostrava o impacto e o fechamento dos bares na cidade de Diadema (SP). Essa cidade é considerada uma das mais violentas do Brasil. Nós acompanhamos, por quatro anos, o impacto do fechamento dos bares das 23 às 6 horas da manhã. Esse impacto foi publicado inclusive no American Journal of Public Health, há poucos meses, apresentando uma queda significativa de mais de 60% dos homicídios. O estudo mostrou que essa queda aconteceu justamente pelo fechamento dos bares naquele horário, uma vez que metade dos homicídios aconteciam dentro da imediações dos bares.


Que posição ficou Diadema depois de ser considerada a cidade mais violenta?


Laranjeira: A posição vem caindo mês a mês. Antes, o grupo de mortos era de 108 para um grupo de 100 mil habitantes em Diadema. Atualmente, está menos de 20. Ela deixou de fazer parte dos 10% das cidades mais violentas e está agora no outro extremo. Esse impacto foi pela fiscalização. O grande diferencial foi que praticamente todos os bares fecham à noite.


Então, o grande diferencial para uma medida como essa ter um efeito real - seja a Lei Seca ou a necessidade dos fechamentos dos bares - é ser apoiada por uma fiscalização eficiente?


Laranjeira: Sem dúvida. Se não houver fiscalização, nós vamos perder a oportunidade de implantar uma lei boa, e se ela não for implementada de forma adequada, poderá virar uma letra morta.


Publicado em 24/10/2008.

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