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30/05/2008

Pesquisador comenta a decisão do Supremo sobre as células-tronco

Antonio Brotas


Defensor de primeira hora da utilização de embriões nas pesquisas com células-tronco, o pesquisador Ricardo Ribeiro do Santos, da Fiocruz Bahia, ficou satisfeito com o resultado do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF). A polêmica, para ele, era completamente descabida. “Como um exercício do processo democrático foi válido o esclarecimento do que são células-tronco e as perspectivas da terapia. Agora, em relação à contribuição científica, nada. Quem está envolvido com pesquisas com este tipo de células já tem a cabeça feita”, opina. Ribeiro avalia que a decisão do Supremo abre novas perspectivas de investimento na área de células-tronco, mas critica a campanha que levou a sociedade a acreditar que células-tronco embrionárias podem solucionar todas as doenças crônico-degenerativas. “A gente ainda não sabe como manipular as células-tronco embrionárias no sentido de solucionar estes problemas, apesar de ainda existirem estudos nesse sentido”.


 Ribeiro: aprovação do Supremo vai permitir acelerar o andamento e a evolução de pesquisas com células embrionárias, já que na prática estimulará o financiamento público (Foto: Peter Ilicciev) 

Ribeiro: aprovação do Supremo vai permitir acelerar o andamento e a evolução de pesquisas com células embrionárias, já que na prática estimulará o financiamento público (Foto: Peter Ilicciev) 


Com expectativa de que a terapia celular para pacientes chagásicos seja validada pelo Ministério da Saúde, após a abertura dos dados do ensaio clínico no final de 2008, o pesquisador, que usa células embrionárias apenas em modelo animal, também aposta no potencial das células-tronco,  em outras cardiopatias, além do tratamento utilizando células do cordão umbilical, as primeiras células-tronco da linhagem adulta. Suas esperanças de impulsionar os estudos na área, considerada de fronteira na pesquisa, incluem ainda o apoio anunciado pelo Ministério da Saúde, com a implementação do Instituto Nacional de Terapia Celular (INTC).


Deu o resultado que a comunidade científica esperava. E agora, qual o caminho das pesquisas com células-tronco embrionárias?



Ribeiro:
A aprovação do Supremo vai permitir acelerar o andamento e a evolução de pesquisas com células embrionárias, já que, na prática, estimulará o financiamento público neste tipo de pesquisa. Entretanto, teremos de aprender como controlar câncer e o envelhecimento nos estudos com as embrionárias. É por isso que ainda não existem ensaios clínicos na área em nenhum lugar do mundo.


Agora a comunidade científica terá de correr para fazer valer as promessas.


Ribeiro: Com a liberação, a gente tem que ter todo o cuidado de não criar expectativas falsas, principalmente em uma sociedade que tem doenças crônicas- degenerativas, muitas vezes de ordem genética. A liberação das células-tronco embrionárias não vai resolver estes problemas. A gente ainda não sabe como manipular essas células no sentido de solucionar estes problemas, apesar de existirem estudos nesse sentido. Numa doença genética eu teria de usar uma célula dessa e trocar completamente o sistema genético do indivíduo em todas as suas células, caso ele tenha uma anemia falciforme ou outra qualquer doença crônico degenerativa.


O senhor temeu um resultado negativo para a comunidade científica?


Ribeiro: Se fosse ao contrário o que estaria sendo barrado? O que seria barrado não seria a pesquisa com células-tronco embrionárias, porque isso não pode ser feito. O que eles poderiam impedir é o fato de obtermos as nossas células-tronco embrionárias a partir de embriões nossos. Mas eles não poderiam impedir da gente buscar linhagens de células-tronco embrionárias no exterior, nem de trabalhar em pesquisas de terapias celulares. Eu acho que os grupos que estão na frente das pesquisas com células-tronco embrionárias, de uma maneira geral, se a resposta fosse negativa, não mudariam nada nos seus padrões de pesquisas. Estes grupos não iriam parar. Eles não derivariam aqui no Brasil, mas compravam linhagens no exterior.


A Fiocruz Bahia já trabalha com esta linhagem importada?



Ribeiro: Sim, recebemos dos Estados Unidos, de Harvard. Assim, não estamos dentro do debate de destruir ou não destruir embriões. A minha pergunta é: não vamos destruir estes embriões, mas quem é que vai cuidar deles? Quem vai encontrar uma mãe biológica para colocar estes embriões? Quem vai tratar destes embriões que vão nascer?


Vocês ficariam na pesquisa básica?


Ribeiro: Já começamos com células-tronco embrionárias em camundongos. Dois anos de vida de um camundongo equivalem a 100 anos nossos. Se eu consigo tratar um bicho desse e obtenho uma série de melhorias, teríamos um caminho para terapias. Temos alguns resultados primários, que a gente está mandando para publicação. Mas ainda temos alguns probleminhas para resolver, já que alguns animais que receberam células-tronco de indivíduos muito jovens, mesmo embrionárias, começaram a formar tumor.



E os embriões disponíveis nos bancos seriam suficientes?



Ribeiro: Penso que, pela Lei de Biossegurança, vai sobrar muito pouco para as pesquisas. A maioria dos embriões que têm alguma alteração moforlógica já é considerado inviável e nem é congelado, porque as clínicas de fertilização assistida não têm suporte para manter  embriões por tanto tempo. Enquanto os embriões estiverem congelados lá, não poderíamos utilizar em pessoas que estão morrendo. Não estou dizendo, veja bem, que eu vou resolver o problema da doença dessas pessoas, mas a abertura da pesquisa me deixa mais perto das soluções.


Esta dificuldade deriva de quê?



Ribeiro: O que complica é que os embriões que foram reservados para a ciência pela Lei de Biossegurança são muito ruins, e jamais vão poder dar serviço. Já estão congelados a mais de três anos e não são os melhores embriões. O destino desses embriões, se não forem para a pesquisa, é a pia. Essa polêmica não tem o menor cabimento. Se essa lei for bloqueada, o Estado vai ter que ser responsável por todos os embriões que estão congelados nos bancos das clínicas de fertilização. Não tem jeito! É muita polêmica por pouca coisa.


Quais as possibilidades de conseguir extrair células-tronco embrionárias sem destruição dos embriões?



Ribeiro: Aí eu faço uma pergunta, para falar que a vida começa na fecundação. Eu posso obter um grupo de células que se chama embrião, sem ter a fecundação de óvulo por espermatozóide. Pegando um óvulo e estimulando este óvulo a se dividir por choque elétrico e submissão em PH. Então este óvulo vai se transformar em um embrião e este embrião é obtido por técnicas que a gente chama de partenogênese.


O senhor considerou impertinente o debate sobre a origem da vida?



Ribeiro: Não dá para sentenciar. Observe: depois de toda a legislação, que permite que um indivíduo faça um transplante, pegando um doador ainda vivo, que o coração não parou, entretanto está com morte cerebral, é inconcebível o debate sobre o embrião congelado. Compare a lei permite que eu retire os órgãos e faça um transplante, mas ele ainda está vivo, no sentindo de ter as células vivas e o coração batendo. Então, a lei é muito clara no sentido que se não há sinais cerebrais, é sinal de que não há vida. Se isso era admitido para as questões que envolvem o transplante, então porque não serviria para as questões das células-tronco, que ainda não tem sistema nervoso.


O debate em relação às células-tronco embrionárias ajudou em algum sentido?



Ribeiro: Eu acho que como um exercício do processo democrático, sim. Foi válido o esclarecimento para a comunidade do que são células- tronco e as perspectivas da terapia celular. O próprio lado contrário fez uma propaganda de células-tronco adulta, que são as mais utilizadas no momento. Este é o lado positivo, de esclarecimento do que a população tem o direito de saber. Agora, em relação à contribuição científica, nada. Quem está envolvido com pesquisas com este tipo de células já tem a cabeça feita. Não vai precisar dessa regulamentação. E se não utilizarem estes embriões, vão utilizar os importados.


Qual a situação das pesquisas na Fiocruz Bahia?


Ribeiro: Trabalhamos com diabetes (tipo2), epilepsia (modelo experimental), usando células-tronco mensequimais e célula embrionária, inclusive, em camundongos. Temos ainda estudos em doenças hepáticas e cardíacas. A novidade é que submetemos um protocolo ao Comitê Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), que deve ser implantado este ano, de célula-tronco em lesão traumático-medular. Mas as pesquisas com células-tronco embrionárias humanas são necessárias porque os experimentos em camundongos oferecem resultados diferentes, que não podemos  replicar para os humanos.


A terapia em doenças cardíacas é a mais avançada. A previsão é de conclusão do terceiro ensaio clínico ainda este ano?



Ribeiro: Tudo está em processo de pesquisa. Quando o Ministério da Saúde validar os protocolos que estão sendo feitos em doenças cardíacas, com quase 1.200 pacientes, em que  metade recebe células e a outra metade não, a gente deve completar o grupo chagásico.  Isso deve acontecer até o final do ano. Aí sim eu vou ter uma idéia e poder abrir o duplo cego para validar o processo. Saberemos se o chagásico funcionou ou não funcionou.


Se o resultado for positivo, teríamos logo uma resposta do Ministério da Saúde?



Ribeiro: Daí é imediato, praticamente na hora que você confirma. Este projeto já vem sendo acompanhado por todo o Ministério, com assessoria externa, e tudo. Na hora que você validar estes resultados, eles serão incorporados, uma vez que o Ministério está patrocinando. Há um interesse mútuo.


Incorporando, muda o quê?


Ribeiro:Você poderá oferecer aos chagásicos, a área que concentra o maior número de pacientes e que seguramente termina no final do ano, algo a mais, além da terapia convencional e do transplante de coração, que aqui na Bahia não se faz. Isso é um problema sério.


E em relação às pesquisas com as outras cardiopatias?


Ribeiro: Primeiro, a gente vai chegar à terapia em Chagas. Depois, provavelmente, em ordem, a gente vai chegar a infarto agudo do miocárdio e cardiopatia dilata, não chagásica. Por último, o que está mais atrasado, o infarto crônico. Eu acredito que ainda faltam dois anos para essa parte de cardiologia ser toda fechada. Hoje em infarto do miocárdio, você deve ter uns 2 mil pacientes tratados. Existem resultados controversos. Tem alguns grupos, principalmente da Alemanha, onde os resultados são muitos bons. Há grupos em que os resultados não mostraram muitas diferentes. Acredito que eles não usaram uma célula adequada. Existem um monte de variáveis que precisam ser ajustadas até você poder sair com o protocolo definitivo.


Os avanços foram nítidos, podemos dizer?


Ribeiro: Eu tenho 30 pacientes que receberam as células e foram acompanhados. Por exemplo Bartolomeu (que recebeu no transplante de cardíaca) foi o primeiro e já faz quatro anos. Mas isso não é válido como método científico. Eu acho difícil que, depois de quatro anos, um cara que não conseguia tomar banho sem sentir falta de ar e hoje trabalha normalmente, ser puramente um efeito placebo. Eu quero conhecer um efeito placebo que dure quatro anos (risos).


Qual o caminho das células embrionárias no mundo inteiro, no que elas serão importantes?


Ribeiro: Em termos de terapia não será a célula embrionária propriamente dita, mas é a partir da cultura de embrionárias que você define células que irão formar outros tecidos. Aí sim usamos essas células pré-definidas. Já existem alguns protocolos que estão sendo abertos nos EUA, e nas ilhas do Pacífico. Várias firmas oferecendo tratamentos com células-tronco embrionárias, ou seja, derivadas delas. O caminho na terapia é derivar a célula..


Que outros caminhos são apontados para a pesquisa com células embrionárias?



Ribeiro: O outro tratamento caminho que existe é você pegar uma célula-tronco embrionária e fazer clonagem terapêutica, com o núcleo que seja idêntico ao do paciente. Depois, usa no próprio paciente. Tem vários grupos no mundo inteiro insistindo nessa pesquisa, que nas mãos dos coreanos tiveram os resultados falsificados. Mas a idéia é válida, continua válida e continua sendo perseguida por organizações muito sérias, como Harvard e centros de pesquisas na Inglaterra, Alemanha, Itália.  Em breve teremos resultados nesse sentido.


As células embrionárias são indispensáveis, portanto.



Ribeiro: Há um grande progresso pela frente. Você, na realidade, não precisa mais de um embrião que veio fecundado por uma fecundação assistida de um espermatozóide e óvulo. Hoje pegando apenas o óvulo de uma doadora, você dá origem ao embrião, conseguindo células embrionárias totalmente idênticas à doadora do óvulo, se você estimular este óvulo de formula adequada. Então, isso é uma solução fantástica para as mulheres. Outras perspectivas estão sendo feitas, utilizando material genético. Você retira uma célula do embriãozinho e normalmente você já faz isso para controle genético, e estimula essas células para gerar outro embrião, desse segundo embrião.


Estes avanços resolveriam o problema sobre o uso de embriões?



Ribeiro: Na realidade, resolve em termos. Para mim seria uma falácia, porque você continua tendo embrião. A Igreja prega que o embrião é vida. Esse conceito é que tem de ser derrubado. A maioria dos pesquisadores já aceita que é vida humana quando este embrião fica fixado no útero. Mas existem ainda outras técnicas de DNA que foram publicadas, que consistem na adição, numa célula-tronco embrionária, de uma construção genética. Um grupo na Itália está fazendo no modelo experimental e obteve resultados fantásticos. Corrigi a célula-tronco e tratar, por exemplo, a distrofia muscular progressiva, uma doença genética, que leva a óbito. Na Itália, já tem protocolo pronto para passar para pacientes.


O sangue do cordão umbilical seria opção também?



Ribeiro: Sim. Devemos até o final do ano, em parceria com o Hospital São Rafael, criar o banco de células do cordão umbilical na Bahia. Todo o equipamento já foi comprado.  As células de cordão umbilical são as primeiras células-tronco da linhagem adulta. Oferecem tranqüilidade e o conhecimento sobre elas será muito importante, visto que há uma segurança de não vão virar tumor. Além disso, elas têm potencial de transformação bom, muito próximo da célula embrionária. Nós também estamos conseguindo reverter quase para uma condição embrionária, com fatores de estimulação. As células do dente de leite também são muito semelhantes às células-tronco embrionárias. A gente prefere investir para terapias com essas linhagens que já são diferenciadas e têm fontes inesgotáveis.


As pesquisas nessa área ganharão estímulo com Instituto Nacional de Terapia Celular (INTC), anunciado pelo ministro José Temporão. Como ele funcionará? Qual a participação da Fiocruz Bahia?


Ribeiro: Ele, provavelmente, terá sede no Rio de Janeiro, na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), com Antônio Carlos Campos de Carvalho coordenando. A gente vai participar como um dos laboratórios de referência. Serão quatro laboratórios. Eu estou montando os laboratórios de citogenética, que são três: um na Bahia, um no Rio e outro em São Paulo.


Foi uma sinalização importante do Ministério da Saúde em apoio às pesquisas com células-tronco.


Ribeiro: Será fantástico, quando você está na fronteira de pesquisa, o maior problema é como contratar gente. Então, a formação de recursos humanos e o aproveitamento desses recursos humanos são desafios. O INTC vai propiciar, por exemplo, pagamento de recursos humanos, já que terá verba própria. Poderemos cobrir projetos sem os grupos que já estão qualificados e que têm todas as condições de executá-los. Poderemos subsidiar reagentes,  equipamentos que precisarem. Será um apoio institucional do Estado para terapia celular. Tanto para pesquisa, que tem que anteceder a terapia como para o tratamento clínico.

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