Início do conteúdo

29/05/2009

Pesquisador comenta a primeira edição do Prêmio Loucos pela Diversidade

Informe Ensp


Uma parceria entre a Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (MinC) e o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps) da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) deu início ao projeto Loucos pela Diversidade, que visa estimular a produção artístico-cultural de pessoas em sofrimento psíquico. Uma das medidas resultantes dessa cooperação foi o lançamento, em maio de 2009, do prêmio Loucos pela Diversidade. O pesquisador da Ensp e coordenador do Laps fez um balanço sobre o projeto, falou da primeira edição do prêmio e contou como anda o movimento pela luta antimanicomial no país.


 Amarante: A defesa dos manicômios será feita sempre por parte dos proprietários de hospitais psiquiátricos e pelos que vivem do que se denomina a indústria da loucura (Foto: Virginia Damas/Ensp)

Amarante: A defesa dos manicômios será feita sempre por parte dos proprietários de hospitais psiquiátricos e pelos que vivem do que se denomina a indústria da loucura (Foto: Virginia Damas/Ensp)


O que é o projeto Loucos pela Diversidade? Que balanço é possível fazer dele?


Paulo Amarante: O projeto Loucos pela Diversidade nasceu de uma cooperação entre a Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (MinC) e o Laps para estimular a produção artístico-cultural de pessoas em sofrimento psíquico. A primeira medida foi a convocação de uma oficina, realizada aqui na Ensp em agosto de 2007, para a qual foram convidadas todas as pessoas que participam de projetos culturais no campo da saúde mental, seguindo uma tradição iniciada na gestão do ministro Gilberto Gil, que é a de envolver os sujeitos políticos como protagonistas na formulação e gestão das políticas que lhes dizem respeito.


O balanço é extremamente positivo. A partir do Loucos pela Diversidade foi possível viabilizar a realização de várias atividades culturais em vários eventos de saúde, como no 2º Fórum Internacional de Saúde Coletiva, Saúde Mental e Direitos Humanos, em maio do ano passado, no Rio de Janeiro, no Congresso Brasileiro e Mundial de Epidemiologia da Abrasco, em Porto Alegre, no 1º Congresso Brasileiro de Saúde Mental, em dezembro, em Florianópolis, e, já neste ano, no Congresso Internacional de Saúde Mental e Reformas Psiquiátricas, em Salvador.


Uma das primeiras iniciativas concretas do projeto é o edital do prêmio Loucos pela Diversidade? O que é o prêmio e a quem se destina?


Amarante: A oficina deu origem a uma série de propostas para o fomento, difusão e preservação dos trabalhos realizados neste campo. Uma dessas propostas foi a realização de um edital de prêmios para estimular os projetos existentes e desencadear novos projetos. Poderão concorrer pessoas ou grupos de qualquer área da arte e cultura, desde que o trabalho artístico seja desenvolvido, pelo menos em parte, por pessoas em sofrimento mental. Poderão participar pessoas ou grupos avulsos ou ligados a instituições ou organizações não governamentais.


Ao todo, quantos projetos serão contemplados, e qual é o valor total dos prêmios?


Amarante: O edital concederá 55 prêmios, inclusive com previsão de critérios de regionalização para que todas as regiões do país tenham possibilidade de serem contempladas. Serão destinados sete prêmios paras as iniciativas ligadas a instituições públicas, oito prêmios para iniciativas de organizações não governamentais, 20 para grupos autônomos e 20 para pessoas físicas. Os prêmios para grupos serão de R$ 15 mil, e os de pessoas físicas R$ 7,5 mil. Os prêmios serão pagos com recursos da Caixa Econômica Federal; um apoio fundamental e que abre muitas perspectivas políticas para a questão da inclusão social das pessoas em sofrimento mental. Acreditamos que essa iniciativa da Caixa venha a estimular outras instituições a abrirem seus financiamentos para projetos sociais desta natureza.


Qual é a perspectiva em relação aos trabalhos a serem inscritos?


Amarante: A idéia do prêmio surgiu na oficina, com a participação das pessoas diretamente envolvidas nos projetos pioneiros dessa área em todo o Brasil, como disse anteriormente. E a decisão de lançar o edital marcou o início de uma política absolutamente inovadora, ousada, revolucionária, de reconhecer a produção artístico-cultural das pessoas em sofrimento mental e criar fontes de apoio, dar visibilidade social etc., com recursos provenientes da cultura, ou a partir da mediação da cultura, como foi o caso da Caixa. Não se trata mais de colocar algum recurso para estimular um trabalho terapêutico pela arte, mas sim de propiciar arte, de propiciar cultura. Por isso a expectativa é boa por enquanto, mas será excelente nas próximas versões do edital, nas próximas chamadas que, esperamos, ocorram regularmente a partir de agora.


Por que homenagear Austregésilo Carrano nessa primeira edição?


Amarante: Austregésilo Carrano foi uma pessoa que deu a vida pela luta antimanicomial, pela reforma psiquiátrica. Foi vítima de violências e constrangimentos diversos em algumas instituições psiquiátricas e escreveu uma obra muito importante relatando suas passagens pelos hospícios. O livro, intitulado Cantos dos malditos, se tornou uma ferramenta de denúncia das práticas das instituições psiquiátricas e acabou inspirando a diretora Laís Bodansky para realizar o filme Bicho de 7 cabeças - o filme mais premiado da filmografia brasileira - que levou para o grande público a realidade da psiquiatria brasileira. O livro, em si, é um importante trabalho cultural, literatura e denúncia ao mesmo tempo. A Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural (SID) tem como tradição homenagear nos seus editais de premiação pessoas de destaque do segmento cultural em que atua. Juntos, decidimos homenagear Carrano no primeiro edital. Falei com sua mãe e filha, que ficaram muito emocionadas com o reconhecimento.


Essa questão de trazer a diversidade cultural como forma de inclusão de pessoas com algum tipo de transtorno mental é um dos frutos da reforma psiquiátrica no país. Como anda esse processo atualmente? Em recente evento na Ensp, na abertura do curso de especialização em saúde mental e atenção psicossocial, o cineasta Helvécio Ratton disse que há um movimento pela volta dos manicômios. Isso está realmente em pauta?


Amarante: A luta é permanente. A defesa dos manicômios é e será feita sempre por parte dos proprietários de hospitais psiquiátricos, por parte dos setores acadêmicos conservadores, que vivem da doença e não da saúde mental, que vivem, de uma forma ou de outra, do que o professor Carlos Gentille de Melo denominava "a indústria da loucura". Muitos dos segmentos da universidade ligados à indústria farmacêutica também defendem a volta aos manicômios porque defendem a ideia de que o sofrimento mental é tão somente um problema orgânico, pois assim eles vendem mais remédios ou ajudam a vender mais remédios. Por sorte, no mundo inteiro, muito particularmente nos EUA e no Brasil, estão surgindo movimentos fortes de denúncia desses setores acadêmicos com as fraudes nos protocolos de pesquisas, com a compra de artigos que favorecem a medicalização e assim por diante. Mas, sobretudo no Brasil, temos um movimento social forte de luta pela reforma psiquiátrica que garantirá o avanço. E, posso afirmar que, desta vez, non passarán! Mas, nunca é demais aproveitar para reivindicar a 4ª Conferência Nacional de Saúde Mental, para rearticularmos e revigorarmos nossas forças e estratégias.


Publicado em 29/5/2009.

Voltar ao topo Voltar