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28/12/2007

Pesquisador comenta papel da bioinformática na resolução de caso polêmico na Líbia

Antonio Brotas


Em 1998, no Hospital de Benghazi na Líbia, um médico e seis enfermeiras foram acusados de causar a infecção de 418 crianças por HIV-1. A resolução do caso só ocorreu em julho de 2007, quando se comprovou a inocência dos profissionais graças à aplicação de uma técnica projetada por pesquisadores do Centro de Bioinformática de Oxford. Com essa técnica, é possível calcular a taxa de mutação e de evolução do vírus, permitindo a identificação do período correto da contaminação. “O envolvimento da bioinformática na resolução do caso de infecção comprova que cientistas podem se envolver em casos de direitos humanos. Mostra ainda que análises sobre epidemias podem ser realizadas de maneira mais rápida e eficiente”, diz Tulio de Oliveira, pesquisador do Departamento de Zoologia da Universidade de Oxford e coordenador do Instituto de Bioinformática da África do Sul. O pesquisador esteve na Fiocruz Bahia para ministrar um curso, ocasião em que concedeu a seguinte entrevista.



Como se dá a reconstrução da história da infecção? De que forma esses mecanismos estavam estruturados até a entrada de sua equipe no caso para a identificação do vírus que infectou as crianças?

Tulio de Oliveira:
A partir do isolamento do DNA do vírus das crianças foi possível aplicá-lo à tecnologia de relógio molecular, que identifica a taxa de mutação do vírus. Assim, conseguimos identificar o ancestral da epidemia. Isso só foi possível por causa do grupo da Oxford, que é líder mundial na tecnologia de relógio molecular. Eles trabalham com essas técnicas há mais de 15 anos. Desenvolveram essas tecnologias e codificaram os programas dos computadores utilizados nas análises. Esses programas constroem o sumário da análise precisa do DNA do vírus, calculando a taxa de mutação e de evolução do vírus. Por isso, é possível calcular a data do antecessor comum.


Como foi a sua entrada no caso? Qual o principal objetivo da participação do grupo de Oxford na pesquisa?

Oliveira:
Os trabalhos que tenho realizado há cinco ou seis anos com colaborações e as aulas que tenho ministrado na Universidade de Roma fizeram com que eu conhecesse os pesquisadores do Instituto de Saúde de Roma. Eles estavam envolvidos na amostragem da seqüência do DNA para a realização do tratamento das crianças. Eles conhecem a nossa especialidade do grupo de Oxford na área de bioinformática e, por isso, me convidaram para ir à Roma. Foi quando entrei no caso. Foi assim que começaram as análises.


Qual o papel da bioinformática em um caso como este?

Oliveira:
A importância da bioinformática em casos como este já se dá há mais de dez anos. O primeiro caso foi com os pacientes de um dentista da Flórida que infectou cerca de 20 pacientes. A bioinformática foi utilizada para provar que o dentista casou a infecção. A mesma técnica foi empregada também em Valência, na Espanha, onde um anestesista viciado em morfina e que tinha hepatite C injetava morfina em si mesmo para depois aplicar nos pacientes. As diversas vezes em que a bioinformática teve sucesso foram de suma importância para que ela fosse utilizada nos procedimento de análise do vírus no DNA das crianças.


O que um estudo científico como este pode possibilitar para o futuro da ciência e da medicina?

Oliveira:
Esses resultados têm uma importância crucial, mostrando que os cientistas podem se envolver em casos de direitos humanos. Mostram também que podemos realizar a análise de epidemias de uma maneira muito rápida. No caso das crianças, demoramos apenas duas semanas para identificar a origem do vírus. Conseguimos provar que, havendo uma infecção, é possível mapear suas origens e causas, o que abre uma possibilidade enorme para a ciência, não sendo essa tecnologia utilizada apenas para casos em cortes de julgamento, mas também para a identificação mais rápida e eficiente de infecções.


Qual a importância da parceria efetuada pelos médicos envolvidos no caso?

Oliveira:
Essa participação foi extremamente importante. No nosso caso, como tínhamos menos de dois meses para o julgamento final, foi necessário o envolvimento de um grande número de pesquisadores especialistas na área. Se não fosse o envolvimento dessas pessoas, não teria sido possível fazer as análises em tempo hábil.


Qual a função desempenhada pelos papers (artigos científicos) nesse processo? Como se deu a pressão internacional?

Oliveira:
Os papers foram extremamente importantes. Com publicação primeiramente na revista Nature, o veículo de comunicação científica mais respeitado atualmente, consegui validar entre os cientistas os resultados das análises. Os papers - enviados a políticos como Kofin Annan, Tony Blair e Sarkozy - tiveram papel fundamental na construção da resposta política para a resolução do caso.


Como você enxerga a possibilidade deste caso ser transformado em um filme de Hollywood?

Oliveira: Não estamos interessados em ser recebidos publicamente como heróis. Por isso, acredito que o filme só terá validade cientificamente se ele conseguir convencer o mundo inteiro da inocência do médico e das enfermeiras. Essa é a visão que nós cientistas envolvidos na análise temos.


Que mudanças já são perceptíveis no hospital da Líbia e em hospitais de outros lugares do mundo, após a resolução do caso?

Oliveira: Ainda é muito cedo para chegar a uma conclusão, já que os médicos só foram libertados há cerca de três meses. Eles estão procurando firmar parcerias internacionais para que sejam desenvolvidas melhores maneiras de se evitar esse tipo de infecção na África. Mais precisamente, eles querem implementar em todo o continente que agulhas e seringas, depois de utilizadas, fiquem impróprias para a utilização. Na África, seringas e agulhas descartadas muitas vezes são reutilizadas em locais informais.

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