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18/04/2008

Pesquisador esclarece a resistência do HIV aos anti-retrovirais

Catarina Chagas e Fernanda Marques


Em simpósio do 2º Congresso da CPLP sobre DST/Aids, no Rio de Janeiro, especialistas apresentaram dados de pesquisas recentes sobre a variabilidade genética e a resistência do HIV aos medicamentos anti-retrovirais. Entre os palestrantes, estava José Carlos Couto-Fernandez, pesquisador do Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) da Fiocruz e membro do Comitê de Resistência e Terapia Anti-retroviral do Programa Nacional de DST/Aids. Em entrevista à Agência Fiocruz de Notícias (AFN), ele esclarece os aspectos mais importantes da resistência do vírus e suas implicações no tratamento de pacientes com HIV/Aids.

 

 Couto-Fernandez: estamos trabalhando no recrutamento de indivíduos recém-infectados para que possamos conhecer o vírus no estágio mais inicial e impedir que ele prolifere e acumule mutações
Couto-Fernandez: estamos trabalhando no recrutamento de indivíduos recém-infectados para que possamos conhecer o vírus no estágio mais inicial e impedir que ele prolifere e acumule mutações

Pesquisas recentes verificaram o aumento da transmissão do HIV por meio de relações heterossexuais. Além disso, em palestra neste congresso, foi comentado que determinados subtipos do HIV são mais prevalentes em heterossexuais do que em homossexuais. O que explica essa relação?

José Carlos Couto-Fernandez: Dados epidemiológicos recentes mostraram que o vírus HIV tipo B atinge mais a população homossexual, enquanto outros tipos são predominantes entre heterossexuais. Estes são indícios de que os grupos de transmissão podem ter algum impacto sobre a diversidade viral. Porém, até agora, nenhum trabalho comprovou isso. Para verificar se essa hipótese é realmente verdadeira, seriam necessários procedimentos como a cultura de células para verificar sua interação com o vírus, por exemplo. Isso ainda não foi feito.

O que determina a grande variabilidade genética do HIV e, portanto, a facilidade com que o vírus adquire mutações de resistência aos medicamentos?

Couto-Fernandez: O HIV é um vírus de RNA que se replica muito rapidamente, o que facilita a ocorrência de erros na hora da replicação – processo que dura apenas poucos segundos. Dessa forma, são geradas mutações que podem oferecer resistência às drogas utilizadas para conter a infecção. Os vírus que apresentam essas mutações, portanto, multiplicam-se rapidamente, pois não sofrem a ação do medicamento. Então, no momento em que surge uma forma resistente do vírus, ela aflora.

Outro fator importante é a adesão do paciente ao tratamento anti-retroviral. Quando há uma falha na regularidade e no horário de tomar os medicamentos, a pressão da droga sobre o vírus é reduzida, facilitando o surgimento de mutações de resistência.

Existe alguma forma de minimizar a resistência aos medicamentos?

Couto-Fernandez: A primeira delas é impedir a transmissão, porque o indivíduo que já tem um vírus multirresistente o transmite para outras pessoas. Assim, os novos infectados já vão carregar essas mutações de resistência, deixando de responder aos anti-retrovirais.
Além disso, é preciso fazer o tratamento adequado. Hoje, já são mais de 20 medicamentos disponíveis para tratar a infecção por HIV. É importante fazer a combinação exata para cada paciente, de modo a manter a supressão máxima do vírus, ou seja, carga viral indetectável.
As interações medicamentosas também são muito importantes. Drogas relacionadas a outros problemas de saúde e mesmo tratamentos naturais, como vitaminas e chás, podem diminuir a concentração dos anti-retrovirais no sangue, reduzindo sua eficácia e facilitando o surgimento de vírus resistentes.

Como estão os dados de prevalência de multirresistência no Brasil?

Couto-Fernandez: Sou responsável pela genotipagem da resistência na Fiocruz, que atende a 80% dos pacientes do Rio de Janeiro. A genotipagem mostra as mutações principais do vírus e indica que drogas não são indicadas.

No Brasil, já foram realizadas, pelo menos, 15 mil genotipagens. Neste momento, os resultados deste trabalho estão sendo avaliados. Isso significa que vamos verificar, no universo dos pacientes que não estão respondendo mais ao tratamento, em que nível de falha eles se encontram e como a prevalência das mutações do HIV pode ter impacto em relação às novas drogas que estão sendo lançadas.

A epidemia de Aids está concentrada na Região Sudeste, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro. Os pacientes nestas cidades estão em tratamento há mais tempo, então é natural que haja mais indivíduos resistentes nestes locais. Existe um sistema de monitoramento e vigilância destes indivíduos, que representariam 5% do universo dos pacientes em terapia.

Sempre que o tratamento anti-retroviral está falhando é porque o vírus está resistente ou existe alguma outra razão?

Couto-Fernandez: Majoritariamente é por causa da resistência. Mas sabemos que, dependendo do subtipo viral, há indivíduos que tendem a gerar resistência mais rapidamente. O problema envolve aspectos como a diversidade genética do vírus, a capacidade de ação da droga e o nível de comprometimento do sistema imunológico do paciente. Às vezes, na fase inicial, o sistema imunológico está em boa atividade e consegue conter o vírus. Mas a infecção pode evoluir por mais de dez anos. A literatura científica mostra que a bagagem genética de cada indivíduo pode influenciar numa susceptibilidade maior ou menor à infecção. Então, há outros aspectos além da diversidade do vírus.

O HIV é um vírus extremamente mutante, o que dificulta a formulação de uma vacina. Mas ele é mais mutante que outros vírus?

Couto-Fernandez: O HIV ataca a célula central do sistema imune, que entra em colapso. A diversidade vem fundamentalmente do fato de que ele é um vírus que se replica muito de forma muito rápida, mesmo em comparação a outros vírus. A replicação acontece em poucos segundos e com muitos erros. A diversidade genética do HIV ocorre em função disso.

Outra questão é que, diferentemente de outros vírus, como o da hepatite B, o HIV exige uma resposta imunológica completa para poder controlá-lo. Para o HIV, uma resposta apenas com anticorpos não é suficiente: é preciso também uma resposta com células do sistema imunológico. Assim, o HIV será combatido em duas vertentes: anticorpos contra os vírus livres e células contra outras células que foram infectadas.

Porém, às vezes, quando o anticorpo chega a ser produzido, ele já não vai ter uma eficácia completa, porque o HIV que está circulando mudou. No caso da resposta celular, como a célula CD4 é atacada pelo vírus e é ela que articula toda a resposta imunológica, então não será possível recrutar populações celulares contra o HIV.

Precisamos identificar aquele indivíduo que se infectou há pouco tempo, porque, quanto antes você detectar o vírus, menos ele vai sofrer mutações. Estamos trabalhando no recrutamento de indivíduos recém-infectados para que possamos conhecer o vírus no estágio mais inicial e impedir que ele prolifere e acumule mutações.

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