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05/04/2013

Pesquisador faz balanço da conferência da Rede Mundial de Academias de Ciências

Danielle Monteiro


O Brasil sediou pela primeira vez, no final do mês de fevereiro, a conferência da Rede Mundial de Academias de Ciências (InterAcademy Panel, IAP), que promove o debate entre representantes de 55 países sobre a utilização da ciência para a erradicação da pobreza e alcance do desenvolvimento sustentável. O evento foi organizado a partir do documento O futuro que queremos, assinado em junho do ano passado durante a Rio+20, indo ao encontro das discussões que tem sido promovidas por grandes fóruns internacionais. As propostas definidas no encontro foram reunidas em um documento chamado Carta do Rio.



Nele, as Academias de Ciências se comprometem em avaliar a força e a fraqueza do atual sistema operacional de C&T em todo o mundo e participar do processo de definição dos próximos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. No documento, elas também reforçam seu papel de assessorar governos e tomadores de decisão sobre as melhores políticas de C&T e afirmam que vão auxiliar na ligação da ciência para a sustentabilidade e a educação além de promover a participação das mulheres na ciência e na solução de grandes desafios, bem como facilitar a vinculação de projetos a esses desafios. Um dos integrantes do Comitê Organizador da conferência foi o pesquisador do IOC/Fiocruz, Marcello Barcinski. Ele também é co-presidente do Comitê Científico da Conferência e Assembleia Geral da Rede Global de Academias de Ciências (IAP). Em entrevista à Agência Fiocruz de Notícias, Barcinski fez um balanço da conferência, comentando seus principais frutos e destaques.


Como surgiu a ideia de se criar a conferência da Rede Mundial de Academias de Ciências?

Barcinski:
A atual conferência foi a sétima da série. A ideia de se criar uma conferência em adição à Assembleia Geral do IAP, que é uma reunião de cunho mais administrativo e na qual são eleitos os co-presidentes e as Academias que irão compor o Conselho Deliberativo, surgiu da percepção de que o número de Academias participantes do IAP já era significativo e que a discussão de temas científicos amplos e abrangentes teria uma repercussão internacional importante.   


Qual a importância da presença das academias de ciência em discussões em prol da redução da pobreza com base no desenvolvimento sustentável?

Barcinski:
A atual conferência foi a primeira reunião das Academias de Ciências em que este tema foi discutido. A importância reside no fato de que sua presença consolida a pesquisa, seja ela básica ou aplicada, como uma das atividades humanas capazes de resolver o problema da pobreza e do desenvolvimento sustentável. Acho importante frisar que o objetivo é a erradicação da pobreza e não simplesmente a redução da pobreza. Esta distinção é de fundamental importância, pois, enquanto a erradicação da pobreza é um objetivo que implica em uma atividade permanente,  a simples redução pode atingir um nível considerável satisfatório apesar de ainda existir pobreza. A segunda importância do tema em discussão foi a de permitir uma auto-avaliação e uma reflexão das academias de ciências do seu papel e da sua responsabilidade social. É importante frisar que as Academias- com algumas exceções- são órgãos de assessoramento e não de execução de ciência.          


Quais são os principais avanços alcançados pela IAP?

Barcinski:
A Rede Global de Academias é um fórum permanente para o aperfeiçoamento das atividades das Academias de Ciências e consequentemente da ciência. Acredito que a oportunidade de discutir o seu próprio papel enquanto uma associação de cientistas seja um avanço de grande importância.     

 

A discussão entre os 64 cientistas presentes no evento trataram das temáticas segurança alimentar, mudanças climáticas e energia sustentável. Quais foram os principais destaques e frutos desse encontro?

Barcinski:
Os participantes no evento foram bem mais do que 64 cientistas. Houve delegações com mais de um representante, além de observadores e cientistas convidados especialmente como palestrantes para a conferência. Outro destaque foi a participação significativa quantitativa e qualitativamente de jovens pesquisadores principalmente membros da GYA (Global Young Academy), uma rede ligada ao IAP. As temáticas discutidas foram as listadas acima, incluindo-se,  também, a saúde global, o acesso à água potável e saneamento básico e o letramento científico (science litteracy).   


As discussões travadas na conferência deram origem a um documento chamado Carta do Rio. O primeiro item da Carta diz que a redução da pobreza e o desenvolvimento sustentável requerem o enfrentamento de grandes desafios-chave em saúde, alimentação, água, energia, biodiversidade, clima e educação, gestão de desastres, entre outros. Quais são os principais desafios nesses campos no Brasil?

Barcinski:
Os temas listados acima são desafios universais com, obviamente, ênfases e obstáculos próprios em diferentes países. O Brasil tem pela frente todos estes desafios e um  papel especialmente relevante na questão do acesso à agua e da biodiversidade por ser um dos repositórios mundiais de grande importância. O acesso universal a uma educação de qualidade é certamente um de nossos maiores, se não o maior desafio, a ser urgentemente enfrentado.   


A Carta do Rio afirma que, para resolver grandes desafios, é necessária a integração entre inovação e ciência. Qual a importância dessa união para vencer os principais desafios para a redução da pobreza e o desenvolvimento sustentável?

Barcinski:
Pesquisa e inovação (no sentido tecnológico) são duas facetas da criatividade humana com características que as distinguem. Enquanto que a pesquisa fundamental objetiva reduzir as lacunas entre o que ainda não é conhecido e o que já se sabe sobre os mecanismos operantes na natureza, a pesquisa aplicada objetiva reduzir as lacunas entre o que parece promissor e o que realmente funciona. Certamente esta última aproxima-se mais do conceito de inovação do que a primeira. Portanto a distinção importante a ser feita é  entre pesquisa fundamental e inovação. Como dito acima, elas diferem em vários aspectos e o espaço e a ocasião não são apropriados para essa discussão. O importante aqui é a capacidade que as Academias de Ciências devem ter de aproximar indivíduos e instituições que façam pesquisa básica com indivíduos e instituições capazes de fazer inovação.   

 

No evento, o ministro da ciência, Marco Antonio Raupp, propôs a criação de um comitê científico global que teria a missão de reduzir a pobreza mundial. Como você enxerga o papel das Academias de Ciências na criação desse comitê?

Barcinski:
A proposta do ministro Raupp, endossada pela ABC que a apresentou na Assembleia Geral do IAP, foi justamente a da criação de um grupo de trabalho formado por representantes de algumas academias e que trabalharia especificamente na definição do "modus operandi" das academias para a erradicação da pobreza. Vejo com muito entusiasmo a formação de um grupo de trabalho com este objetivo porque além de definir formas de atuação, manteria viva esta missão das academias. 


Uma das questões discutidas na conferência envolveu o dado do IBGE, que aponta que 35% dos domicílios brasileiros estão em insegurança alimentar, o que gera uma série de doenças, principalmente as cardiovasculares. Na ocasião, foi apresentado um exemplo de uma ação bem sucedida ocorrida na Finlândia, onde um esforço conjunto envolvendo escolas, universidades e mídia provocou redução expressiva no índice de doenças cardiovasculares. Que medidas podem ser adotadas pelas Academias de Ciência no Brasil para garantir uma maior segurança alimentar à população?

Barcinski:
Esta discussão ocorreu como um evento paralelo ao programa da conferência através de uma iniciativa muito bem sucedida da assessoria de imprensa da ABC, objetivando  a divulgação para o grande público dos temas em discussão. Em todo o caso, aqui também, o papel das academias é o de facilitar o intercâmbio entre pesquisadores para a geração de programas de segurança alimentar, divulgar estes programas e assessorar agências governamentais e de fomento à pesquisa para a sua formulação e  implementação. As Academias de Ciências podem e devem participar ativamente da formulação e da implementação das metas definidas pelos governos e pelas Nações Unidas como a agenda para o desenvolvimento sustentável pós-2015.


Publicado em 5/4/2013.

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