23/03/2015
A tuberculose continua sendo um grave problema de saúde pública no Brasil, apesar da queda de quase 40% no número de casos e de mais de 30% no número de óbitos nos últimos 17 anos. Segundo o Ministério da Saúde, a cada ano são notificados aproximadamente 70 mil novos casos e 4,6 mil mortes por causa da doença. No Dia Mundial de Combate à Tuberculose (24/3), Solange Cavalcante, pesquisadora do Laboratório de Pesquisa Clínica em Tuberculose, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) e integrante do TB Guidelines Development Group, da Organização Mundial da Saúde (OMS), comenta o cenário atual da tuberculose no Brasil, fala sobre os principais desafios enfrentados no tratamento da doença e os novos objetivos traçados pela OMS para sua erradicação.
AFN: Qual é o cenário da tuberculose no Brasil?
Solange Cavalcante: O Brasil está entre os 22 países com a maior carga de doença pelo número de casos registrados. Apresentamos uma queda na incidência na média de 1,5 a 2% ao ano, mas essa velocidade ainda é lenta para o controle da doença. As maiores taxas são registradas nos grandes centros urbanos, nos locais de maior aglomeração e piores condições sócio-econômicas. As cidades de Cuiabá, Recife, Porto Alegre, Manaus e Belém, nesta ordem, apresentam as maiores incidências da doença entra as capitais do país. O Rio de Janeiro ocupa o 6º lugar.
Quais são os principais desafios atualmente no tratamento da tuberculose?
Solange: A meu ver os principais desafios são a detecção e diagnóstico dos casos no momento oportuno e a adesão ao tratamento. No que se refere ao diagnóstico, a tecnologia de que dispomos no Brasil melhorou muito. Adotamos o Xpert MTB/RIF, um método de diagnóstico molecular, que além de ser rápido permite detectar casos suspeitos de resistência à rifampicina, uma das principais drogas utilizadas no tratamento da tuberculose. Sem dúvidas o uso do Xpert é um avanço no enfrentamento da tuberculose resistente, mas precisamos melhorar o acesso aos testes de sensibilidade às demais drogas usadas no tratamento. Quanto mais tarde o diagnóstico é feito, mais pessoas são contaminadas e a doença pode evoluir de forma mais grave, aumentando a mortalidade por uma enfermidade que tem cura.
Falando do tratamento em si, deve ter uma duração mínima de seis meses, mas por ser um período relativamente longo existe uma tendência ao abandono quando os sintomas melhoram. Nesse sentido, na última década foram feitos vários ensaios clínicos que avaliaram regimes de duração mais curta (4 meses), mas infelizmente os resultados mostraram que eles ainda não são superiores ao tratamento atual. A expectativa de tornar o regime mais curto é diminuir as taxas de evasão do tratamento.
Quais são as causas do abandono do tratamento?
Solange: Em geral, a melhora clínica é rápida e as pessoas acreditam que já estão curadas, interrompendo o tratamento precocemente. Dali a importância de desenvolver um tratamento mais curto, simples e fácil de administrar para que seja seguido até o fim. Outra barreira no tratamento era o número de comprimidos que deviam ser tomados, mas felizmente houve avanços e atualmente é utilizada uma formulação combinada das quatro drogas em um comprimido. Isso tende a melhorar a adesão e a qualidade do tratamento, já que não existe o risco do paciente confundir os comprimidos ou escolher o que vai tomar.
Cabe destacar que os tratamentos mal feitos ou incompletos aumentam o risco de desenvolvimento de resistência aos medicamentos utilizados. Essa resistência significa, na prática, que o a doença é mais grave, o tratamento será mais longo e menos eficaz. Agora, graças ao diagnóstico molecular, começamos a ter uma ideia mais real do número de casos resistentes não só à rifampicina, mas à rifampicina e outras drogas, que conhecemos como tuberculose multidroga resistente.
Recentemente o Ministério da Saúde mudou a normatização e passou a recomendar que todos os pacientes que apresentassem o sinal positivo de resistência à rifampicina sejam encaminhados a um serviço de referência terciária e comecem a ser tratados de imediato como casos de tuberculose multirresistente (TBMR). Acredito que a partir de agora teremos uma noção mais real do perfil de prevalência desses casos de TBMR no Brasil.
Quais são as recomendações nos casos em que a tuberculose é uma doença oportunista, como nos pacientes portadores de HIV?
Solange: No Brasil, aproximadamente de 6% a 10% dos pacientes com tuberculose são também soropositivos. Todas as estratégias mundiais enfatizam a identificação precoce e a prevenção dessa coinfeccão, principalmente porque nesses casos a tuberculose pode apresentar-se de forma menos típica, mais grave e de difícil diagnóstico. A identificação dos casos é dificultada porque, por exemplo, o exame de escarro pode ser negativo com uma frequência maior do que entre os indivíduos soronegativos. O tratamento é um desafio à parte porque como são utilizadas outras drogas para tratar o HIV, surgem os problemas de interação entre as drogas e efeitos adversos associados a ambos os tratamentos
A tuberculose é uma das doenças mais comuns entre os portadores de HIV. Os indivíduos soropositivos que têm o diagnóstico de tuberculose latente têm elevado risco de adoecer e por isso a prevenção é outra estratégia importante. É preciso avaliar o risco de adoecimento desses pacientes e oferecer o tratamento da infecção latente, ou seja, fazer a prevenção com a quimioprofilaxia.
A OMS, através da estratégia mundial e as metas de prevenção, atenção e controle da tuberculose para depois de 2015, apresentou como propostas para 2035: reduzir as mortes em 95%, diminuir a indidência em 90% e acabar com os custos gerados pela tuberculose nas famílias afetadas. Qual é sua avaliação sobre esse novo horizonte?
Solange: Acho que as metas são ousadas, como foram as anteriores, principalmente porque acredito que muitas delas não dependem apenas de tecnologia, mas também dos serviços de saúde que cada local disponibiliza, do acesso que a população tem a esses serviços e da velocidade com que você identifica e trata os pacientes afetados. Precisamos de financiamento, tecnologia, gestão e desenvolvimento social para melhorar a qualidade de vida dos grupos em situação de vulnerabilidade.
Nesse sentido é necessária uma estratégia que permita o diagnóstico precoce e o tratamento adequado, propiciando uma queda mais rápida na incidência. Ela vem diminuindo ano a ano, mas numa velocidade pequena, de entre 1,5% e 2% ao ano. Nos modelos matemáticos e estimativas da OMS a queda precisa ser de 10% ao ano até 2025. Um dos gráficos gerados pela End TB Strategy (OMS), por exemplo, mostra que a melhora no diagnóstico, no tratamento e nas condições de vida das populações em risco já criaria uma maior aceleração. O surgimento da vacina, previsto para 2025, pode fazer queda atingir uma velocidade de até 17%. Segundo o Relatório Global sobre a Tuberculose, publicado pela OMS ano passado, existem 15 vacinas em avaliação.