26/11/2015
Renata Fountora (ICC/Fiocruz Paraná)
Um dos grandes desafios da pesquisa em saúde no Brasil é transformar as descobertas feitas pelos seus pesquisadores em produtos ou serviços que possam ser utilizados pela sociedade. Nesse sentido, a consolidação da gestão e o estímulo à inovação se tornaram, nos dias atuais, imprescindíveis nas instituições de pesquisa científica. No Instituto Carlos Chagas (ICC/ Fiocruz Paraná), o Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT), criado em 2011, é responsável por orientar os pesquisadores acerca de assuntos relacionados à propriedade intelectual e à comercialização das criações desenvolvidas na Fiocruz Paraná.
Pesquisadora fala sobre importância de desenvolver atividades relacionadas à gestão da inovação (foto: Fiocruz Paraná)Em entrevista, a especialista responsável pelo setor, Karin Goebel, fala sobre a importância de desenvolver atividades relacionadas à gestão da inovação, desmistifica e esclarece as principais dúvidas relacionadas à área e os desafios que ainda precisam ser enfrentados.
Como é a atuação do Núcleo de Inovação Tecnológica da Fiocruz Paraná junto aos nossos pesquisadores?
Karin Goebel: Alinhado às oportunidades da Lei de Inovação (Lei 10.973/2004), trabalhamos junto aos pesquisadores nos assuntos relacionados à proteção do patrimônio científico e tecnológico, bem como à comercialização e licenciamento de resultados obtidos, buscando transformar o conhecimento gerado nos laboratórios em produtos para a sociedade.
Qual é a dinâmica que o setor utiliza para consolidar essa atuação?
Karin Goebel: O NIT-ICC faz parte do sistema de Núcleos de inovação da Fiocruz, o Sistema Gestec-NIT, coordenado pela Coordenadoria de Gestão Tecnológica (Gestec), integrada à Vice-Presidência de Produção e Inovação em Saúde (VPPIS).
Faz parte do trabalho a orientação quanto à possibilidade de proteção das criações desenvolvidas por meio de depósitos de patentes, registro de marcas e de programas de computador, desenho industrial, entre outras formas de proteção.
Além disso, são feitas buscas nas bases de patentes para direcionamento de pesquisas, procurando também incentivar e orientar o próprio pesquisador, a realizar as buscas e utilizar o documento de patente como fonte de informação tecnológica.
Também, auxiliamos no processo de formalização de parcerias, assessorando as etapas de negociação de acordos de cooperação de pesquisa e desenvolvimento, acordos de confidencialidade, acordos de transferência de material (MTAs), contratos de licenciamento, transferência de tecnologia e prestação de serviços.
E quais os desafios que destacaria?
Karin Goebel: O processo é complexo e exige a incorporação, no dia-a-dia da instituição, dos procedimentos de proteção intelectual, entre outras ações. Um exemplo é incorporar na rotina do pesquisador a busca em bancos de patentes antes do início da pesquisa para checar se o trabalho que pretende desenvolver já foi feito de forma semelhante.
A busca serve de base para subsidiar decisões em suas pesquisas, reconhecimento de possíveis parceiros e identificar rotas tecnológicas já patenteadas o que permite ultrapassar etapas no desenvolvimento do trabalho a ser realizado. A documentação de patente é a mais completa entre as fontes de pesquisa. Estudos revelam que 70% das informações tecnológicas contidas nestes documentos não estão disponíveis em qualquer outro tipo de fonte de informação.
É preciso também estimular os pesquisadores a identificar resultados de pesquisa que possam gerar produtos e discutir a importância da proteção do conhecimento gerado, difundindo a cultura de não revelar o “pulo do gato” dos projetos que tem potencial de patenteamento em congressos, jornadas e artigos científicos antes do depósito da patente.
Outro desafio é superar os entraves burocráticos na celebração de contratos de parceria e licenciamentos causados pelo pouco conhecimento das oportunidades que a Lei da Inovação traz para as instituições públicas, um assunto ainda em amadurecimento no Brasil.
Que orientação você daria ao pesquisador para que possa avaliar se seu projeto pode se tornar um produto ou metodologia patenteada?
Karin Goebel: Caso o pesquisador identifique um projeto com potencial inovador em qualquer fase da pesquisa ele deve buscar o NIT para orientações e encaminhamento da notificação de invenção.
Os requisitos de patenteabilidade, previstos na Lei de Propriedade Industrial 9.279/96, são:
(1) Novidade - a matéria objeto da pesquisa precisa ser nova, ou melhor, não pode ter sido revelada previamente, seja por via oral, escrita ou seu uso; logo não pode pertencer ao estado da técnica;
(2) Atividade Inventiva - os resultados da pesquisa não podem ser óbvios para um técnico especializado no assunto, ou seja, não podem ser resultantes de uma mera combinação de fatores já pertencentes ao estado da técnica sem que haja um efeito técnico novo e inesperado, nem uma simples substituição de meios ou materiais conhecidos por outros que tenham conhecida a mesma função;
(3) Aplicação Industrial - a invenção deve ter aplicação seriada e industrial em qualquer meio produtivo.
Outra dúvida, que deve ser recorrente aos pesquisadores, é a possibilidade de compatibilizar patente e publicação. Como isso funciona?
Karin Goebel: É possível compatibilizar patente e publicação sim. Imediatamente após o depósito do pedido de patente é possível publicar. Não é necessário esperar a concessão do pedido de patente que é a etapa que pode levar anos. Assim antes de publicar os resultados de sua pesquisa, é recomendável que o pesquisador priorize a possibilidade de depósito de pedido de patente.
E se o pesquisador já tiver revelado a sua invenção?
Karin Goebel: Caso o pesquisador já tenha divulgado a sua invenção através do uso, ou por revelação oral ou escrita, o depósito do pedido de patente APENAS poderá ser realizado nos países que utilizam o denominado Período de Graça, o qual representa o prazo, contado a partir da data da revelação, em que o requisito de Novidade não é considerado comprometido. No Brasil e nos Estados Unidos, este prazo é de 12 meses; sendo de apenas 6 meses no Japão. Assim, é aconselhável revelar a invenção SOMENTE após o depósito do pedido de patente, caso contrário há a possibilidade da matéria perder a novidade e não poder ser patenteada nos países em que não existe Período de Graça (p. ex.: países da Europa).
E quanto às jornadas acadêmicas, congressos e outras apresentações feitas antes do depósito do pedido de patente?
Karin Goebel: É preciso ter cuidado para não revelar toda metodologia. Um caminho é codificar o resumo sem dar suficiência para reprodução.
Qual o incentivo ao pesquisador inventor da Fiocruz?
Karin Goebel: As receitas auferidas pela Fiocruz em função dos contratos que autorizam terceiros a explorar a invenção patenteada serão repartidas com os inventores. Esta repartição encontra amparo legal, em especial, na Lei Inovação (Lei 10.973/2004), no Decreto 5.563/2005 e na Portaria 294/96 da Presidência da Fiocruz. A premiação para os inventores será de 1/3, após a dedução das despesas, encargos e obrigações legais decorrentes da proteção da invenção pelos institutos de propriedade intelectual, das receitas auferidas pela Fiocruz em função da celebração de contratos de transferência de tecnologia e de licenciamento de direitos de uso ou exploração da invenção patenteada.
Qual a importância, de um modo geral, de se estimular a inovação em uma instituição da área de Ciência e Tecnologia?
Karin Goebel: É preciso introduzir novos e melhores produtos e serviços de qualidade que ampliem o acesso da sociedade brasileira a insumos estratégicos de saúde. Um dos aspectos mais importantes é o fortalecimento do Complexo Industrial da Saúde, que busca diminuir a balança comercial brasileira de exportação/importação estimulando a substituição de tecnologias e de produtos importados de interesse da saúde por correspondentes nacionais competitivos.