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16/03/2006

Pesquisas experimentais apontam avanços no entendimento do mal de Chagas

Renata Fontoura


Importantes contribuições para o estudo da doença de Chagas, especialmente sobre a patogênese das alterações cardíacas e neurológicas associadas à doença, estão sendo desenvolvidas por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC). Buscando identificar mecanismos de regulação criados pelo próprio organismo que estão envolvidos no controle do protozoário causador da infecção, o Trypanosoma cruzi, foram investigadas a miocardite e a meningoencefalite associadas à infecção chagásica em estudos experimentais com primatas e camundongos. Os resultados apontam novas perspectivas terapêuticas.

Um estudo conseguiu identificar uma molécula importante para a migração de células inflamatórias para o tecido cardíaco durante a infecção pelo T. cruzi . O processo ocasiona a miocardite, inflamação do músculo cardíaco que atinge de 20 a 30% dos pacientes na fase crônica da infecção e é a principal causa de óbito da doença. Além disso, o estudo de infecção experimental em macacos rhesus mostrou que este é um modelo capaz de reproduzir fielmente diversos aspectos das fases aguda e crônica da doença em humanos.

Mais rara, a meningoencefalite - inflamação do sistema nervoso central (SNC) que acomete principalmente indivíduos abaixo de dois anos de idade - também é alvo de estudos. De modo geral, a meningoencefalite é assintomática na fase crônica da infecção. Atualmente, com os casos crescentes de Aids, os pesquisadores alertam para a freqüente reativação do processo inflamatório do SNC em indivíduos com quadro de imunossupressão e co-infectados por T. cruzi. Neste campo, a novidade é não apenas a descoberta de moléculas que mediam o processo de entrada das células inflamatórias no SNC, mas também a verificação de que existem moléculas distintas envolvidas na formação da miocardite e da meningoencefalite.

Para Joseli Lannes, chefe do Laboratório de Pesquisas em Auto-imunidade e Imuno-regulação do IOC, onde as pesquisas são desenvolvidas, os estudos criam a possibilidade de testar novas drogas com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos pacientes com mal de Chagas. "Estamos tentando contribuir para o avanço na busca de alvos terapêuticos na doença", resume. A doença de Chagas é endêmica no Brasil, não tem cura ou vacina e acomete cerca de seis milhões de brasileiros segundo dados do Ministério da Saúde.



Identificada molécula ligada à miocardite

As principais bases do mecanismo responsável pela migração de células inflamatórias para o tecido cardíaco durante a infecção pelo T. cruzi, que dá origem à miocardite, começam a ser desvendadas. "A mais importante molécula envolvida neste processo é a CCR5", apresenta o pesquisador Cristiano Marcelo Espínola Carvalho, que estuda o tema como sua tese de doutorado.

Outra contribuição importante para o entendimento da doença de Chagas é resultado de um estudo iniciado há mais de 20 anos pelo Departamento de Imunologia do IOC, que estuda a ocorrência de miocardite associada à infecção por T. cruzi no modelo experimental de macacos rhesus. A pesquisa mostrou, ainda, que moléculas envolvidas no processo de imunopatogênese - quando o curso da doença é modificado por uma resposta imunológica do organismo - também se expressaram no modelo rhesus.

Além da CCR5, que foi confirmado estar ligada à miocardite nestes primatas bem como em humanos, foram identificadas outras moléculas que participam do processo de migração de células inflamatórias - como a VLA-4 e a VCAM-1, seu ligante nos vasos sangüíneos. Mais uma vez, justamente as moléculas observadas em macacos reshus estão ligadas às mesmas funções em humanos. "Em relação a estas moléculas e sua regulação, encontramos nos macacos alguns dados muito semelhantes aos trabalhos desenvolvidos em humanos e publicados recentemente", afirma Carvalho. "Assim, verificamos que este modelo reproduz fielmente todas as fases da doença de Chagas em humanos. Isso é muito importante quando se pensa em testar novas drogas ou uma vacina contra a doença", sintetiza.



Estudo elucida processo de inflamação do sistema nervoso central

O estudo sobre meningoencefalite associada à doença de Chagas, iniciado em 1995, usou como modelos experimentais camundongos de diferentes linhagens - C3H/He e C57BL/6 -, infectados pela cepa Colombiana do T. cruzi. Verificou-se que, enquanto um modelo é suscetível à meningoencefalite, o outro é resistente ao desenvolvimento da inflamação. Observou-se ainda que a molécula de adesão presente nos vasos sangüíneos - VCAM-1 - é responsável, pelo menos em parte, pela diferença de suscetibilidade à meningoencefalite nestes modelos.

No modelo C3H/He foi constatada a reprodução de grande parte do processo infeccioso que ocorre em humanos. Neste modelo verificou-se que a entrada das células inflamatórias no SNC é mediada principalmente por duas moléculas: a VLA-4 nos leucócitos e a VCAM-1 no endotélio vascular.

A pesquisadora Andréa Alice da Silva, professora assistente da UFF e doutoranda no IOC, também estudou a participação da molécula CCR5. "Observamos que a entrada de células inflamatórias no SNC, assim como o controle do parasito, são independentes de CCR5 e CCR1", a pesquisadora esclarece. Estas moléculas foram descritas anteriormente pelo grupo do laboratório como importantes para a migração celular para o tecido cardíaco durante a infecção pelo T. cruzi no modelo murino, resultando na miocardite. No entanto, não estão essencialmente envolvidas na resposta imune que controla o parasito. Assim, mostram-se um potencial alvo terapêutico para o controle da inflamação cardíaca.

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