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02/10/2007

Planejamento familiar volta à pauta do Ministério da Saúde

Danielle Neiva e Roberta Monteiro


O planejamento familiar entrou na pauta do Governo Federal, principalmente após a posse do médico José Gomes Temporão no Ministério da Saúde. De acordo com um levantamento sobre a prática do aborto feito pela Federação Internacional de Planejamento Familiar, entidade que atua em 150 países, inclusive o Brasil, divulgado em maio deste ano, estima-se que a cada ano sejam realizados cerca de 46 milhões de abortos, dos quais 19 milhões são feitos de forma insegura e 70 mil resultam em morte materna. No Brasil, ocorre, em média, um milhão de casos de interrupções de gravidez de forma insegura a cada ano.


 Claudia: planejamento não é programa de controle de natalidade (Foto: Danielle Neiva)

Claudia: planejamento não é programa de controle de natalidade (Foto: Danielle Neiva)


O Programa Nacional de Planejamento Familiar lançado este ano no Brasil visa ampliar a oferta de métodos contraceptivos na rede pública de saúde e nas farmácias privadas credenciadas ao programa Farmácia Popular do Brasil, e com isso reduzir o número de abortos. O programa conta com a distribuição de 50 milhões de cartelas de pílulas anticoncepcionais e 4,3 milhões de contraceptivos na versão injetável, além de pílulas de emergência, as chamadas pílulas do dia seguinte. Além disso, o governo pretende com o programa garantir a assistência pré-natal humanizada, investir nas maternidades públicas e na qualificação de profissionais das emergências obstétricas.


Em entrevista à Agência Fiocruz de Notícias (AFN), a coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Saúde Sexual e Reprodutiva do Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Claudia Bonan, fala sobre o Programa Nacional de Planejamento Familiar e a sua importância no campo da saúde no Brasil. Para ela, os direitos reprodutivos ainda não estão ao alcance de toda a população brasileira.


AFN: Qual a importância do planejamento familiar?

Claudia:
O planejamento familiar consiste em uma série de ações de saúde de assistência à contracepção e à concepção, cujas finalidades principais são promover a saúde reprodutiva e garantir os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas. Com a promulgação da Constituição Federal, em 1988, o Estado brasileiro reconheceu o direito de todos os cidadãos e cidadãs a constituir livremente sua prole e incluiu entre suas obrigações prover recursos educacionais, científicos e de saúde para a efetivação desse direito. Com a aprovação da Lei de Planejamento Familiar, em 1996, o Ministério da Saúde e as secretarias de saúde estaduais e municipais começaram a implementar uma série de ações na área da assistência ao planejamento familiar. Contudo, uma década depois, essa tarefa ainda não está concluída e os direitos reprodutivos ainda não estão ao alcance de toda população brasileira. Então, consideramos muito positivo o compromisso do atual ministro da Saúde com a ampliação do acesso e a garantia do direito ao planejamento familiar.


AFN: Historicamente, o planejamento familiar estava mais relacionado aos conceitos internacionais de controle de natalidade. Como foi este período de transição?

Claudia:
Entre as décadas de 60 e 70, o planejamento familiar foi introduzido no Brasil através de entidades privadas internacionais e seu objetivo central era a redução da taxa de crescimento populacional, ou seja, o controle demográfico. Esses programas suscitaram polêmicas e foram alvos de muitas denúncias, como incentivar a esterilização feminina entre as populações pobres e distribuir maciçamente pílulas anticoncepcionais sem acompanhamento médico adequado. Com a transição democrática, nos anos 80, os movimentos de mulheres, negros e de reforma sanitária se envolveram nesse debate, refutando o viés autoritário do controle de natalidade e apresentando uma nova visão sobre o planejamento familiar como uma questão de direito das pessoas: direito a ter saúde reprodutiva e direito de decidir sobre sua vida reprodutiva. E foi essa visão que foi acolhida em nosso corpo jurídico-normativo, desde a Constituição de 1988.


AFN: Nas campanhas o governo destaca a importância do planejamento familiar como uma decisão do indivíduo. Qual a importância desse tipo de direcionamento?

Claudia:
Conforme está previsto na própria lei, o planejamento familiar é um conjunto de ações de saúde e de educação que têm o sentido de apoiar a mulher, o homem ou o casal no que diz respeito às suas decisões reprodutivas. Deve ficar claro que não se trata de um programa de controle de natalidade: a garantia da liberdade de decisão no exercício da reprodução e da sexualidade e a promoção das melhores condições de saúde sexual e reprodutiva são os objetivos maiores do planejamento familiar. Hoje em dia já se discute a mudança do termo "planejamento familiar" para "planejamento reprodutivo", ao se entender que as famílias são muito plurais e nem todas as decisões reprodutivas se dão em um contexto de conjugalidade, e o direito à regulação da própria fecundidade é um direito de cada pessoa.


AFN: Dentre os principais métodos anticoncepcionais, ainda há discussão sobre o uso da pílula de emergência. Por quê?

Claudia:
Existem os métodos hormonais orais, injetáveis ou subcutâneos, os métodos de barreira, o DIU e os naturais. Entre os métodos hormonais, há o contraceptivo de emergência, mais conhecido como pílula do dia seguinte, que contém uma quantidade bem maior de hormônios que as pílulas anticoncepcionais corriqueiras. A contracepção de emergência deve ser usada somente em casos excepcionais – como uma relação sexual desprotegida ou falha do método utilizado – e não de rotina, pois, se usada com freqüência além de poder fazer mal à saúde, pode ter sua eficácia contraceptiva reduzida. O Ministério da Saúde já normatizou a contracepção de emergência, listando-a entre os métodos a serem colocados à disposição nos serviços. Contudo, na prática, esse método ainda é pouco oferecido, por pressão de grupos conservadores que, erroneamente, alegam que ele é abortivo. Um ponto muito importante para quem trabalha com planejamento familiar é o incentivo à dupla proteção – contracepção e camisinha -, já que alguns métodos não protegem contra doenças sexualmente transmissíveis.

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