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02/04/2005

Política neoliberal pressiona as mulheres profissionais

Sarita Coelho


No início da década de 70, os dados censitários mostraram que a proporção feminina em profissões de predominância masculina - medicina, advocacia, engenharia e arquitetura, entre outras - era maior no Brasil e na Bahia do que no Canadá. Mas, se antes elas trabalhavam por interesse próprio em ter uma profissão (e não por obrigação financeira), considerando seu trabalho uma contribuição às boas relações familiares, hoje a realidade é bem diferente. Uma pesquisa feita pela socióloga e feminista Karen Mary Giffin, especialista em estudos sobre gênero da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), comparou a situação dessas profissionais nos anos de 1975 e 2000. O resultado revela mudanças significativas, parte delas explicada por Karen pela política neoliberal adotada no final do século 20.

 







Felipe Gomes/Fiocruz


Em meados dos anos 70, a preocupação de Karen era entender porque havia mais mulheres em profissões tradicionalmente masculinas no Brasil (especificamente médicas, advogadas, engenheiras e arquitetas) do que no Canadá. Para sua tese de doutorado (defendida na Universidade de Toronto) em 1975, ela entrevistou 50 mulheres com registros de trabalho nessas profissões na Bahia. A constatação foi de que a conciliação de trabalho e família no Brasil foi bem menos difícil do que na sua terra de origem.

De acordo com o estudo, 79% das mulheres se formaram em uma universidade pública; mais de 70% delas trabalhavam em instituições públicas, em serviços sociais de educação, saúde, infra-estrutura urbana, ou transportes; e 24% trabalhavam em tempo parcial, o que deixou bastante tempo para o lazer e para atividades com a família, principalmente com os filhos. Os dados também mostram que 38% das mulheres declararam não sentir nenhuma obrigação de ter um emprego, embora 25% terem revelado ganhar tanto ou mais que o marido. Todas contaram com empregadas na divisão do trabalho doméstico.

Passados 25 anos, a socióloga fez seu segundo estudo de campo na Bahia com outras 50 mulheres que haviam entrado no mercado a partir da década de 80. Ela identificou mudanças no perfil e, especialmente, na situação trabalhista dessas profissionais. "Essas novas trabalhadoras são um pouco mais jovens, casaram-se mais cedo, tiveram filhos mais cedo e têm menos filhos", explica Karen. "Em 1975, 48% das entrevistadas tinham filhos com menos de 6 anos, número que baixou para 22% em 2000. Além disto, alguns maridos começam a dividir as tarefas de casa. Todas estas diferenças, em princípio, deveriam facilitar a conciliação de família e trabalho", completa.

 












Jorge de Carvalho/Fiocruz



Pesquisadora Wanda Cunha, da Fiocruz, é uma das muitas mulheres que entraram no mercado de trabalho


 


Nenhuma entrevistada em 2000 tinha filhos em escola pública - a estatística era de 18% em 1975. "Isso reflete a importância crescente da escola privada e o maior custo da educação dos filhos, o que aumenta a necessidade de renda feminina nas famílias", diz Karen. Quando interrogadas sobre o que o trabalho as impedia de fazer, 83% das mulheres de 2000 disseram que é passar tempo com os filhos. "Isso mostra que o fato de a mãe trabalhar, antes visto como positivo, passou a ser considerado problemático", comenta.

No que diz respeito à profissão, 56% declararam ganhar tanto ou mais que o marido e 42% disseram trabalhar por obrigação financeira em 2000. "Com a privatização dos serviços urbanos e sociais, apenas 27% ganham algum rendimento do setor público e 32% do total não tem nenhum lugar fixo de trabalho, embora as horas trabalhadas tenham aumentado e o controle dos horários tenha ficado mais difícil. No entanto, trabalhar menos não é visto como opção, dada a necessidade aumentada da sua renda. Muitas se queixam de desgaste e estresse, e de relações familiares tensas e sacrificadas", explica a pesquisadora.


Segundo Karen, a mudança na situação das mulheres na conciliação de família e trabalho reflete os processos de privatização de serviços essenciais promovidos pela política neoliberal. Para ela, isso aumentou o custo de vida para as famílias, ao mesmo tempo em que diminuiu e degradou o mercado de trabalho desses profissionais. Ela também cita a falta de licença-maternidade como problemática.

"O neoliberalismo trouxe o desregulamento dos mercados de trabalho e financeiro. Com o desemprego e a informalização crescente do trabalho, aumentou a dificuldade de se sobreviver só com um salário. Por isso as mulheres passaram a ter a obrigação de estar no mercado de trabalho, infelizmente em condições precarizadas, mesmo nas camadas relativamente privilegiadas da sociedade", explica. A socióloga argumenta que a divisão entre política econômica e política social é ideológica: "Se a política econômica não está permitindo que os membros da sociedade vivam do trabalho digno, então essa é uma política social extremamente nociva", conclui.

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