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31/05/2007

Populações quilombolas são alvo de trabalho que avalia as condições de saúde

Grace Soares


A diversidade biológica e a curiosidade despertada pela fauna e flora exóticas da Amazônia movimentam uma vasta gama de estudos. Entender que esse território é ocupado por diferentes grupos sociais equivale a encaixar mais uma peça em um quebra-cabeça. O sistema escravocrata, por exemplo, deixou vestígios marcantes. Seu principal legado: a perpetuação dos quilombos por meio de seus descendentes. A pesquisadora Ana Felisa Guerreiro, do Centro de Pesquisa Leônidas e Maria Deane (CPqLMD), unidade da Fiocruz no Amazonas, dedica-se há sete anos a estudar a presença destas populações na região amazônica dentro de uma perspectiva relacionada à saúde.


 Morador de Santarém maneja a terra em região onde a grilagem é um problema grave (Foto: Ana Felisa)

Morador de Santarém maneja a terra em região onde a grilagem é um problema grave (Foto: Ana Felisa)


“Quando ingressei no CPqLMD vim como bolsista para trabalhar numa proposta que focava a epidemiologia da nutrição em áreas indígenas. No entanto, alguns estudos mostravam a existência de populações quilombolas, mas as pesquisas sobre saúde neste grupo étnico eram quase inexistentes, fato que encontra explicação na invisibilidade secular que sempre sofreram. Não é difícil encontrar pessoas que se mostram surpreendidas quando se fala dos quilombos referenciados para a região. Assim, decidi me dedicar à essa temática”, afirma a pesquisadora.


A idéia tomou forma de ação institucional, integrando-se às linhas de pesquisa do CPqLMD. O projeto, denominado Saúde e Condições de Vida de Populações Remanescentes de Quilombos da Amazônia, envolvia, além da Fiocruz, a Fundação de Medicina Tropical do Amazonas (FMT), a Secretaria Municipal de Saúde, organizações quilombolas, Fala Preta e Movimento de Consciência e Arte Negra do Pará.


Santarém (PA) está entre os municípios que são sedes de territórios de remanescentes de quilombos na região amazônica. E foi a primeira base de estudos do grupo de pesquisadores do projeto. Seis comunidades localizadas no interior do município (que em 2003 era formada por 1.767 pessoas) receberam a visita dos pesquisadores, que buscavam discutir com a comunidade o objetivo do estudo e avaliaram a receptividade das pessoas em relação à proposta. A partir da aceitação foi feita uma análise situacional.


“Em 2003, após de um árduo trabalho de articulação com as comunidades quilombolas e instituições parceiras, fizemos uma oficina na qual lançamos o projeto e discutimos com as comunidades os principais problemas enfrentados, assim como quais eram as áreas que necessitavam de maior assistência à saúde”, explica Ana Felisa. O projeto traçava algumas áreas especificas, especialmente para as faixas etárias de maior vulnerabilidade, como crianças e idosos: epidemiologia, segurança alimentar e nutricional, avaliação clínica e bioquímica, aspectos sóciodemográficos, antropologia da saúde e sustentabilidade.


Esta última área constitui um aspecto relevante na medida em que revela a preocupação dos pesquisadores em dar subsídios, por meio das informações geradas, para a formulação de políticas públicas, contribuindo para a implementação de ações de sustentabilidade e desenvolvimento de tecnologias sociais que tenham por meta a  inclusão social destas populações. Do total de comunidades participantes, três são residentes em áreas de várzea (cujo modo de vida acompanha o pulso da sazonalidade climática da Amazônia, com as cheias e secas do Rio Amazonas) e as outras três em terra firme.


As principais doenças identificadas na área de várzea estavam relacionadas às precárias condições de saneamento básico. “Foram observadas altas taxas de mortalidade infantil nessa região, 30,4 óbitos por mil nascidos vivos em áreas de terra firme e 50,2 óbitos em área de várzea, somados aos problemas de desnutrição nas crianças”, analisa a pesquisadora.


Apesar de ser considerado um alimento de alto teor nutritivo, o peixe (uma das principais fontes de alimento da maioria dos povos da Amazônia) não é um recurso disponível em todas as épocas. Sua abundância também acompanha os períodos de sazonalidade, com a formação dos lagos, facilitando a pesca. Para sobreviver o restante do ano, as pessoas precisariam criar novas alternativas de geração de renda.


“Os resultados nos impulsionaram a direcionar a pesquisa para um novo aspecto, de caráter intervencionista. Começamos a pensar em como agregar valor à produção local, na perspectiva de criar reserva de alimentos, geração de renda e aumento do orçamento familiar”, diz Ana Felisa. Essa demanda abriu margens para a elaboração de um novo projeto, aprovado ano passado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), na grande área do conhecimento tecnologia social.


Comungando de alguns problemas (falta de saneamento, poucas alternativas de geração de renda), as comunidades que vivem na terra firme sofrem com uma questão que extrapola o universo da saúde: a grilagem de terra. O aumento dos conflitos dessa ordem no Pará é uma realidade noticiada de forma recorrente nos meios de comunicação.


Neste sentido também foi pensado um projeto que analisará o impacto gerado na população com relação a segurança alimentar a partir do funcionamento da BR-163, que liga Cuiabá a Santarém. Ele também recebe financiamento do CNPq e teve sua aprovação divulgada ano passado. É coordenado por outra pesquisadora do Projeto Quilombos, Denise Oliveira e Silva, também da Fiocruz.


Do Pará para o Amazonas


Os resultados gerados com os trabalhos em torno das seis comunidades de Santarém deram subsídios para o grupo de pesquisa ver a possibilidade de expandir suas propostas de estudos a outros povos de origem quilombola. No Amazonas foi referenciado um quilombo no município de Novo Airão, formado por várias famílias reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares (portaria de n.º 11 de 06/Jun/2006). É a comunidade do Tambor, no Parque Nacional do Jaú.


Porém, existe uma parcela significativa de descendentes da comunidade que hoje se localiza na sede do município, em decorrência da instalação do parque. Enfrentam também problemas complexos, especialmente, com relação à questão da titulação do território, já que uma unidade de conservação foi implantada na área.


A Fundação Cultural Palmares é responsável pelo reconhecimento dos povos em nível de patrimônio cultural. Ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) cabe fazer a legalização fundiária.

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