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01/03/2010

Portadores do HTLV e profissionais reivindicam mais atenção para a doença

Isis Breves


Com o apoio da Associação Lutando para Viver, formada por pacientes do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec/Fiocruz), e da direção do hospital, portadores do vírus linfotrópico de células T humanas (HTLV) decidiram ir à luta e reivindicar mais atenção para as doenças causadas por este agente infeccioso. Um dos principais questionamentos de pacientes e profissionais de saúde é que a população não está bem informada sobre o HTLV e os problemas associados ao vírus. Um grupo de pacientes e profissionais tem se reunido na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). O objetivo é promover uma mobilização política em torno de um projeto de lei que contemple a obrigatoriedade do exame para a detecção do HTLV durante o pré-natal e nos bancos de leite.


 Imagem do HTLV (Foto:Ipec/Fiocruz)

Imagem do HTLV (Foto:Ipec/Fiocruz)


“Estamos lutando pela inclusão da testagem para HTLV no pré-natal da rede pública, pois hoje o exame não é oferecido às gestantes. Se a mulher for portadora do HTLV e não souber, ela transmitirá o vírus ao filho pelo aleitamento materno”, diz Sandra do Valle, que descobriu ser portadora em 2005 e hoje é uma das coordenadoras do movimento político pela criação do projeto de lei. “Evitar a transmissão vertical do HTLV é simples quando se conhece o estado sorológico da gestante: basta que a mãe não amamente o bebê e seja encaminhada a um banco de leite humano”, completa o neurologista Marcus Tulius, do Laboratório de Pesquisa Clínica em Neuroinfecção do Ipec.


Tornar compulsória a notificação de casos de infecção pelo HTLV também está entre as reivindicações do grupo. Outra demanda é a inclusão das doenças associadas ao HTLV no grupo das doenças crônicas, com direito a políticas sociais que garantam o acesso a transporte especializado para os portadores de necessidade de locomoção e assegurem a gratuidade no transporte público também para seus acompanhantes, como rege o artigo 16 da Lei 10.098/2000.


A infecção causada pelo HTLV (tipos 1 e 2) representa importante problema de saúde pública no Brasil. A transmissão do HTLV é semelhante à do HIV, ou seja, ocorre por via sexual, aleitamento materno, compartilhamento de seringas e transfusão de sangue contaminado. Embora a maioria dos indivíduos infectados não apresente sintomas, uma parcela dos portadores de HTLV-1 poderá desenvolver quadros neurológicos degenerativos ou manifestar alterações sanguíneas, como leucemia ou linfoma.


Um dos quadros neurológicos causados pelo HLTV-1 é a mielopatia, doença degenerativa crônica e progressiva que afeta a medula espinhal e a substância branca do cérebro. Menos de 5% dos portadores do HTLV-1 desenvolverão a doença. “Os sintomas iniciais podem ser muito inespecíficos, o que prejudica o diagnóstico precoce. Em geral, os sintomas começam por volta dos 40 ou 50 anos de idade e incluem dor nas costas, dificuldade para correr, sensação de peso nas pernas ou de pernas presas, e dificuldade para controlar a urina. Um exame neurológico pode levantar a suspeita da mielopatia e um exame de sangue e de líquor esclarece o caso”, explica Tulius.


Segundo o médico, muitas vezes, antes de buscarem um neurologista, os pacientes procuram outros especialistas, pois atribuem os sintomas a problemas articulares na coluna. “Por fim, com o agravamento do quadro, eles são encaminhados a um neurologista. Muitos dos pacientes que chegam ao Ipec já têm a doença há cinco ou dez anos, o que prejudica bastante o tratamento”, alerta Tulius. O Ipec tem cadastro de cerca de 900 indivíduos portadores do HTLV, dos quais 500 são pacientes ativos no tratamento. “Por ser uma doença desconhecida até por alguns médicos, não há notificação em todo o país, mas sabemos que a Bahia é o estado mais afetado, seguido por Minas Gerais e Rio de Janeiro. Trata-se de uma doença negligenciada até mesmo no quesito notificação”, afirma a neurologista do Ipec Ana Claúdia Leite.


A médica recomenda a realização de cursos de capacitação dirigidos aos profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) de todo o país. “Não basta apenas realizar a testagem para HTLV entre doadores de sangue. São necessárias campanhas informativas na mídia, como tem sido feito para a prevenção da Aids. Precisamos aumentar o número de postos de atendimentos e dar mais atenção a um problema que cresce de forma silenciosa no país”, diz Ana Cláudia. “Se o projeto de lei for desenvolvido e aprovado pela Câmara, estaremos dando um grande passo não só para o tratamento dos portadores, mas, principalmente, para prevenir a transmissão do HTLV”, destaca Sandra.


Assistência e pesquisa para portadores de HTLV


Os médicos do Ipec Marcus Tulius e Maria José de Andrada Serpa coordenam pesquisas que poderão auxiliar no diagnóstico da infecção pelo HTLV e na avaliação do risco de um indivíduo infectado desenvolver ou não a doença. O projeto de Tulius busca quantificar o DNA proviral, isto é, o DNA do vírus integrado ao DNA da célula do paciente. Quando o HTLV infecta uma célula do paciente, o DNA viral se integra ao DNA da célula hospedeira e, assim, as partículas virais conseguem se multiplicar. A hipótese é que a detecção de uma maior quantidade de DNA proviral esteja associada ao aparecimento de doenças. “A carga proviral parece ser um importante fator de desenvolvimento de patologias associadas a este retrovírus. A expectativa desta pesquisa é analisar a variação da carga proviral ao longo do tempo em indivíduos infectados pelo HTLV-1, tentando estabelecer uma correlação entre esta variação e a mudança do estado assintomático para o sintomático ou a piora neurológica”, explica o pesquisador.


Já o projeto de Maria José tem como objetivo avaliar a especificidade e a sensibilidade da carga proviral na identificação de indivíduos com alguma doença neurológica associada ao HTLV. “Embora a mielopatia seja a principal doença neurológica associada ao HTLV, ela não é a única. Recentemente, foi proposto o termo Complexo Neurológico do HTLV-1 para contemplar todas as manifestações neurológicas associadas a este retrovírus, tais como neuropatia periférica e polimiosite, entre outras”, explica a médica. A pesquisa visa construir um banco de dados com informações sobre a variação da replicação do HTLV no sangue de indivíduos infectados, buscando determinar a diferença entre um portador do vírus que não desenvolverá nenhuma doença neurológica e outro que apresentará alguma das doenças do Complexo Neurológico do HTLV-1.


Publicado em 26/2/2010.

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