No Brasil, as três principais espécies de Plasmodium que causam a malária são: P. falciparum, P. vivax e P. malariae. De modo geral, o P. vivax é conhecido por ser causador de um tipo de malária mais branda e raramente mortal. Porém, nos últimos anos, casos mais graves da doença têm sido mais frequentemente relatados. Apesar das descrições clínicas do envolvimento da doença em múltiplos órgãos, dados que a associam à disfunção renal são relativamente escassos. Diante desse cenário, pesquisadores da Fiocruz Bahia realizaram uma pesquisa para investigar a associação entre disfunção renal e a progressão da doença por P. vivax. Os achados sugerem que a disfunção renal, identificada pelo nível elevado da creatinina, influencia na gravidade da doença e sua consequente mortalidade.
O estudo, de autoria dos pesquisadores da Fiocruz Bahia Bruno Andrade e Manoel Barral Netto e do estudante de iniciação científica Luís Cruz, foi descrito no artigo Distinct inflammatory profile underlies pathological increases in creatinine levels associated with Plasmodium vivax malaria clinical severity [1], publicado na revista Plos Neglected Tropical Diseases, em 29 de março. A ideia do trabalho surgiu durante o treinamento para o programa de Iniciação Científica. “Observei esse padrão entre os pacientes de nosso estudo e também já se tinha mais conhecimento da associação entre disfunção renal e a malária de pacientes infectados pelo P. Falciparum. O interessante é que nossas hipóteses se comprovaram com as análises: as alterações descritas se associam às respostas do hospedeiro ao parasita e não aos níveis de parasitemia – oposto ao que intuitivamente poderia ser pensado”, explicou Luís.
Para chegar a essas conclusões, a equipe, através de um banco de dados, analisou retrospectivamente 179 pacientes da Amazônia brasileira com malária vivax: 161 com malária sintomática, 12 com malária grave não letal e 6 com malária grave letal. Os estudiosos avaliaram os biomarcadores da função renal para determinar suas associações com a progressão da doença, além de biomarcadores inflamatórios para avaliar a inflamação relacionada à disfunção renal.
Conclusões
Níveis elevados de creatinina foram encontrados predominantemente em mulheres e nos pacientes que não sobreviveram. Além disso, a indicação de disfunção renal não foi associada ao nível de parasitas presentes nos indivíduos infectados, indicando que a gravidade da doença pelo P. vivax está associada a níveis elevados da creatinina sérica e à resposta inflamatória sistêmica exacerbada.
Apesar de as mulheres terem apresentado o parâmetro mais alterado, não indica que elas apresentam maior probabilidade para desfechos mais graves. De acordo com Luís, não se pode dizer, a partir desse estudo, se algum sexo apresenta maior risco a progressões graves do que o outro, mas esse dado levanta questões e ajuda a direcionar também futuras perguntas e perspectivas para a área. “Apesar de todos os pacientes mais graves terem apresentado as maiores elevações na avaliação da creatinina, nem todas as alterações nesse parâmetro se refletiram em maior gravidade clínica – e a maioria das mulheres se encaixou nesse último grupo”, afirmou.
O estudo defende a avaliação sistemática da função renal como parte da avaliação clínica em pacientes infectados, porém ainda é preciso realizar estudos adicionais em modelos experimentais para investigar os mecanismos de como isso acontece. Como P. vivax é uma espécie de Plasmodium amplamente distribuída no mundo, e casos graves estão sendo cada vez mais relatados, é importante entender melhor o papel da lesão renal nessas apresentações, especialmente considerando que ela pode afetar os desfechos clínicos.
O grupo está dando continuidade a outros dois trabalhos sobre a malária vivax. Um na linha do comprometimento renal, aprofundando mais na resposta dos indivíduos e em outros fatores que poderiam estar os tornando mais susceptíveis a esse tipo de progressão durante a infecção; e outro em uma linha que busca novos detalhes e perspectivas quanto às associações entre o comprometimento renal e o acometimento hepático.