O câncer é um importante problema de saúde pública no mundo, sendo estimada, globalmente, para o ano 2030, a ocorrência de 27 milhões de casos incidentes e 12,6 milhões de mortes pela doença, entre as quais 2,4 milhões (19,0%) por câncer de traqueia, brônquios e pulmão. O câncer de pulmão, por ser o mais comum de todos os tumores malignos e estar associado ao tabagismo, apresenta aumento de 2% por ano na sua incidência mundial. O estudo sobre a estimativa de custos com esse tipo de câncer, sob a perspectiva de um hospital público de referência para o SUS, resultou em artigo publicado pelos pesquisadores Margareth Crisóstomo Portela e Claudia Cristina de Aguiar Pereira, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz); e Renata Erthal Knust e Guilherme Bastos Fortes, do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca).
O custo com os 277 pacientes pesquisados em 2011 foi de R$2.473.559,91, sendo 71,5% relacionados à atenção ambulatorial e 28,5% às internações. Na atenção ambulatorial, predominaram os custos com radioterapia (34%) e quimioterapia (22%). Os resultados apontaram para custos menores na fase inicial de tratamento (7,2%) e custos muito elevados na fase de manutenção (61,6%). Os resultados da pesquisa ratificam a importância do tratamento radioterápico e das internações como principais componentes de custo do tratamento.
Segundo o artigo, no Brasil, estima-se para o biênio 2016-2017 a ocorrência de cerca de 600 mil casos novos de câncer, sendo 28.220 casos de câncer de pulmão, dos quais 17.330 em homens e 10.890 em mulheres. “Devido ao diagnóstico em estádios avançados, a grande maioria dos pacientes não é candidata a tratamento curativo, necessitando de tratamento paliativo com radioterapia e quimioterapia, com papel fundamental no aumento da sobrevida global. A doença permanece altamente letal, com uma taxa de mortalidade de, aproximadamente, 90%”, comentam as pesquisadoras.
Dos 472 pacientes com CPNPC (Avaliação molecular do Câncer de Pulmão Não-Pequenas Células) inicialmente selecionados, 277 (58,7%) mantiveram-se elegíveis para este estudo após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão propostos. Observou-se que 63,5% dos pacientes tinham entre 50 e 69 anos. A idade mínima e máxima registradas foram 36 e 86 anos. O sexo masculino foi predominante, correspondendo a 61,4% dos casos. Em relação à etnia, 65,7% dos pacientes pertenciam à raça branca, seguida de 28,5% da raça parda. Quanto ao nível de escolaridade, quase metade dos pacientes analisados (49,8%) possuíam apenas o ensino fundamental incompleto, seguido de ensino fundamental completo (26%), médio completo (11,9%) e superior completo (6,5%). Os pacientes analfabetos foram 5,8% da população.
Nos 18 meses de observação da pesquisa, 77,6% dos pacientes morreram: 25% dos pacientes foram a óbito em até 2,9 meses, 50% em até 6,6 meses, e 75% em até 13,8 meses, evidenciando um quadro de elevadíssima letalidade, em, relativamente, curto prazo. O custo total foi de R$2.473.559,91, sendo R$1.769.526,22 (71,5%) relacionados à atenção ambulatorial e R$704.035.69 (28,5%), à atenção hospitalar (internações). No que concerne à sua distribuição por fases de tratamento, 7,2% do montante foi utilizado na fase inicial de tratamento; 61,6%, na fase de manutenção; e 31,2%, na fase terminal. Os cuidados ambulatoriais perfazem a maior parte do custo da fase inicial (66,5%) e da fase de manutenção (90,2%), enquanto internações correspondem à maior fatia (64,2%) do custo total associado à fase terminal. O custo do tratamento de um paciente com CPNPC avançado no Inca variou entre R$101,71 e R$90.861,72, sendo em média R$8.929,82 e tendo como mediana R$5.887,78. A parte expressiva do custo individual médio relaciona-se ao cuidado ambulatorial da fase de manutenção, onde se concentram os custos com quimioterapia e radioterapia.
Ainda conforme o estudo, o custo médio total da assistência oncológica variou entre R$4.622,56, nos casos em que o óbito ocorreu em até três meses após a entrada do paciente no serviço, até R$18.027,00, nos casos em que o óbito ocorreu acima de 18 meses, mas com registro de encaminhamento para o HC-IV (unidade de cuidados paliativos). Essas estimativas traduzem os custos reais durante a assistência do paciente, sendo consideradas fidedignas ao tratamento da doença.
O hospital selecionado - Inca - é especializado e de referência na assistência da alta complexidade em oncologia no âmbito do SUS, o que limita a generalização dos resultados, uma vez que cada hospital cadastrado para prestar assistência oncológica no Ministério da Saúde é livre para incorporar diretrizes clínicas de tratamento e, dessa forma, oferecer esquemas terapêuticos distintos de outras unidades, explica o artigo. Entretanto, os custos estimados pelo artigo podem refletir o perfil dos custos na rede pública de saúde.
Os pesquisadores destacam, no entanto, que os custos não devem ser o principal foco de discussão, nem devem ser usados isoladamente de forma a contribuir para alterar as recomendações clínicas para o diagnóstico e tratamento do câncer, mas devem ser auxiliares na busca de estratégias para reavaliar políticas públicas de saúde e estimular a política de negociação de preços e remuneração da tabela. “A identificação de um volume elevado de gastos não fornece, em si, informação suficiente para sugerir bom uso do recurso”, concluem.
O artigo Estimativa dos custos da assistência do câncer de pulmão avançado em hospital público de referência [1] foi publicado na Revista de Saúde Pública, da Universidade de São Paulo (USP), em agosto de 2017.