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04/10/2011

Produção e inovação em saúde: desafios para ciência e tecnologia

Informe Ensp


Depois de sete anos no exterior, o médico Jorge Bermudez está de volta ao Brasil. Foram três anos em Washington, chefiando a Unidade de Medicamentos, Vacinas e Tecnologias em Saúde da Opas/OMS para a região das Américas, e quatro anos em Genebra, como secretário executivo da Unitaid - uma central de compras de medicamentos para Aids, malária e tuberculose -, iniciativa do Brasil, da França, do Chile, da Noruega e do Reino Unido. Com um currículo extenso - também dirigiu a Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) entre 2001 e 2004 -, Bermudez acaba de assumir a Vice-Presidência de Produção e Inovação em Saúde da Fundação com muitas ideias. Na bagagem, traz larga experiência na área internacional, no diálogo com organismos do mundo inteiro, com ministérios da Saúde dos países em desenvolvimento e a visão de países que realmente precisam de apoio. Em entrevista ao Informe Ensp, Bermudez abroda a experiência no exterior e os desafios que terá pela frente na área de ciência, tecnologia e inovação.


O senhor retorna à Fiocruz à frente da vice-presidência mais nova da Fundação, que relaciona a produção e a inovação, experiência que teve na Unitaid. Como foi?


Jorge Bermudez: Quando a Unitaid foi lançada, a ideia era criar mecanismos inovadores de financiamento adicionais aos recursos que já existem e que não replicassem o modelo da OMS, da Unicef, do Fundo Global e de tantas outras instituições. Criaram-se, então, mecanismos para arrecadação de fundos, as chamadas taxas sobre passagem aéreas, já implementadas por vários países, como Chile, França, Coreia e outros. O Brasil, na época, não pôde implementá-la, porque era ilegal aplicar uma taxa aqui para ser utilizada no exterior. Este ano, no entanto, foi aprovada uma lei que permite a taxação de algo equivalente a US$ 2 por passageiro/ano, que não é cobrada do passageiro, mas do governo federal, e que é investida na Unitaid. Outros países, como Noruega e Reino Unido, fizeram coisas semelhantes. Nesse modelo, a França é o país que mais contribui. Esse foi o projeto para a criação e a estruturação da Unitaid. A maneira como ela atua também é baseada em uma visão inovadora, pois não tem uma estrutura pesada. Trata-se de um pequeno grupo de pessoas, funcionários da OMS que hoje trabalham em 94 países do mundo inteiro, sediadas em agências instaladas nesses países.


Quais doenças são foco das ações da Unitaid?


Bermudez: A Unitaid trabalha com três doenças (Aids, malária e tuberculose), mas em setores específicos, para não duplicar o que outros estão fazendo. Então, por exemplo, em relação ao HIV, quais são os três grandes nichos que a Unitaid escolheu para trabalhar? Medicamentos pediátricos, que não existiam. Com o nosso trabalho, foi desenvolvido um antirretroviral pediátrico que hoje é utilizado no mundo todo. Com isso, também se trabalha em segunda linha com aqueles pacientes já resistentes à primeira linha de antirretrovirais. Assim, não duplicamos trabalho. Nossa característica principal é causar impacto no mercado de medicamentos pediátricos, aumentar a disponibilidade desses produtos, introduzir novos produtos e reduzir os custos do tratamento. Então, antirretrovirais pediátricos é um exemplo típico. Quando o Unitaid começou a trabalhar havia 15 mil crianças em tratamento no mundo - hoje há mais de 300 mil. A Unitaid começou a introduzir, junto com a Fundação Clinton, 100 mil novos tratamentos por ano. Hoje, a Unitaid trabalha basicamente apoiando projetos na África, em países de baixa renda desprovidos de recursos.


Então o senhor está trazendo na bagagem muita experiência para a Fiocruz.


Bermudez: Trago muita experiência na área internacional, no diálogo com organismos do mundo inteiro, com países, com ministérios da Saúde dos países em desenvolvimento e a visão de países que realmente precisam de apoio. Assumi a Vice-Presidência de Produção e Inovação em Saúde no dia seguinte ao que cheguei ao Brasil, em agosto. O presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, me convidou para retornar à instituição meses antes e, para mim, foi uma satisfação. Primeiro, por trabalhar na equipe atual da Presidência da Fiocruz, que já conhecia. Em segundo lugar, porque volto à instituição na qual estou desde 1974. Entrei na Ensp em 1974. Da escola fui para a Opas, da Opas para a Unitaid.


Qual é o papel da Vice-Presidência de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz no momento atual do governo brasileiro?


Bermudez: A presidente Dilma falou recentemente, nas Nações Unidas, e o ministro da Saúde tem falado ultimamente: nenhum outro país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes tem um sistema de saúde como o nosso. Temos falhas, evidentemente, lacunas, falta de recursos, mas, ao mesmo tempo, atendemos a 100 milhões de pessoas com atenção básica, atenção hospitalar e acesso universal a medicamentos, entre outras coisas. Nosso programa de Aids, de tuberculose, de malária, o programa nacional de imunizações são programas-modelo para outros países. Em relação ao acesso a medicamentos, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, tem dito que é preciso estendê-lo e que, por meio de outros programas que o MS está implementando, também deverá incluir doenças crônicas, como hipertensão, diabetes, câncer, que são muito caras, mas que hoje o Brasil garante por meio de programas de atenção à saúde.


A Fiocruz é, sem dúvida, a grande referência para o Ministério da Saúde na área de ciência e tecnologia em saúde. Temos um trabalho articulado com o MS, discutindo e atendendo necessidades, diretamente, pelas unidades Biomanguinhos, Farmanguinhos e Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS). E contamos ainda com empresas brasileiras que também têm interesse em cooperar com a Fiocruz.


A Vice-Presidência de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz trabalha na interface entre o Sistema Único de Saúde e o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. São dois sistemas que trabalham integrados e que, no final, têm que ter produtos para as ações de saúde. Em relação às parcerias, diria que a vice-presidência implementa e discute parcerias público-público e público-privado. Nós trabalhamos articulados com outros organismos de capital nacional, tanto do setor público, como do setor privado. Também discutimos com empresas estrangeiras que vêm investir no Brasil condições adequadas de processos de transferência de tecnologia.


O senhor poderia destacar algum projeto de maior relevância da Vice-Presidência de Produção e Inovação em Saúde?


Bermudez: No momento estamos discutindo com o MS as áreas de interface e nossa porta de entrada mais permanente é a Secretaria de Ciência e Tecnologia, ocupada atualmente pelo ex-vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Carlos Gadelha. Também estamos negociando com programas do MS que estão na Secretaria de Vigilância em Saúde. Com a Anvisa, temos uma parceria muito forte. Tudo isso tem o objetivo de fortalecer a capacidade que o Brasil tem de responder aos insumos necessários para ações de saúde. Estamos trabalhando nisso, mapeando todos os projetos de cooperação que o Brasil desenvolve e os que têm potencial para desenvolver, discutindo oportunidades que têm que ser analisadas do ponto de vista tecnológico, econômico, de saúde pública, de impacto em saúde publica.


Hoje, destacaria a cooperação com o Instituto Nacional de Câncer. Estamos discutindo com o Inca a respeito dos produtos que o instituto considera prioritários, produtos que nós temos condições de desenvolver, em parceria com eles e com o setor privado, e como isso vai impactar a resposta ao tratamento do câncer no Brasil. Temos que trabalhar não apenas com tratamento, mas também com diagnóstico precoce, profilaxia - não só de câncer, mas de outras doenças. As unidades da Fiocruz têm autonomia, mas nosso objetivo é fortalecer a capacidade dessas unidades e também integrá-las ao sistema de saúde e ao sistema nacional de ciência.


Como a Ensp se insere no modelo da vice-presidência?


Bermudez: A Ensp, por sua própria natureza, já ajuda. Ela lidera, na Fiocruz, a capacitação de recursos humanos na saúde pública. Pela escola passaram praticamente todas, ou a maioria, das autoridades brasileiras que ocupam cargos-chave nas secretarias de Saúde municipais e estaduais e no Ministério da Saúde. Praticamente todos passaram pelas salas de aula da escola. Portanto, a Ensp é uma das unidades que mais integração tem com o SUS e que mais tem trabalhado na viabilização e formação de recursos humanos para que isso tudo seja uma realidade.


Sempre considerei que um dos grandes patrimônios que essas instituições têm são seus recursos humanos. A Ensp não tem formado gente apenas no Brasil, mas também na América Latina, na África etc; tem formado pessoas que hoje trabalham em rede, pessoas que vão sempre valorizar a experiência que tiveram na escola. E, ao mesmo tempo, o fato de eu ter passado pela direção da Ensp também foi muito valioso do ponto de vista da contribuição para o SUS. Hoje, a escola está presente em Moçambique, Angola e em vários países da América Latina. Já tivemos ministros de Saúde de outros países nas salas de aula da Ensp e que se lembrarão sempre da importância da formação qualificada que receberam.


Publicado em 4/10/2011.

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