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15/09/2011

Programação de aniversário da Ensp inclui discussão sobre Rio + 20

Marina Lemle


Preocupada também com a saúde do planeta, que se reflete nas pessoas, a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz) escolheu o tema Rio+20: desenvolvimento sustentável, economia verde e erradicação da pobreza para nortear as comemorações dos seus 57 anos de existência. A maior escola de saúde pública da América Latina, com mais de 70 mil alunos, somando os do ensino a distância, organizou uma programação que inclui palestras, exposição, paineis científicos, apresentações culturais, exibição de filme e prestação de serviços de educação e promoção da saúde. A questão ambiental permeia as atividades, realizadas na sede da escola, no Rio de Janeiro.


 O sociólogo Sergio Abranches durante a palestra na Ensp

O sociólogo Sergio Abranches durante a palestra na Ensp



 

As comemorações de aniversário começaram na terça-feira (13/9). A solenidade de abertura contou com a presença do diretor da Ensp, Antonio Ivo de Carvalho, e do vice-presidente de Gestão e Desenvolvimento Institucional da Fiocruz, Pedro Ribeiro Barbosa, representando o presidente, Paulo Gadelha, que estava nas comemorações de 30 anos de outra unidade da Fundação, o Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS). Em seguida foi realizada palestra do sociólogo Sergio Abranches. De acordo com Antonio Ivo, a Ensp, em expansão, assume seu papel no sistema público de políticas e na sociedade. “A saúde envolve esforços diversificados e convergentes. O que inspira a Ensp é o objetivo de ser uma escola para a saúde, a ciência e a cidadania. Não há saúde pública sem o protagonismo da cidadania”, disse. Segundo o diretor da Ensp, a Rio + 20 vai tratar de sustentabilidade e erradicação da pobreza, e a sua escolha como tema de aniversário estimula um esforço de formulação e participação na interface saúde e ambiente.

 

"Desde a Rio 92, quando a Ensp e a Fiocruz participaram ativamente da reunião, aumentou muito a preocupação de que no campo da saúde pública considerássemos a questão ambiental como estratégica. Em 1992, a Fiocruz produziu o livro Saúde e ambiente. Agora, queremos recuperar e intensificar o engajamento em teoria e prática na expectativa de propiciar um passo efetivo por um modelo mais democrático e sustentável de sociedade, mais preparado para prevenir e erradicar os maleficios causados pelo atual modelo vigente de economia e organização da sociedade, que tem conhecimento científico mas ainda não tem decisão política capaz de conter o processo de autodestruição que predomina na sociedade".


Um grupo institucional será montado para ampliar a contribuição e o engajamento prático da Ensp para a Rio + 20. Para Antônio Ivo, o encontro é uma oportunidade para a Fiocruz unir os esforços de cada unidade em saúde ambiental. "A Presidência deve chamar todas as unidades – algumas já têm essa preocupação, como a Ensp, outras não – para que se juntem na perspectiva de colocar um esforço de formulação e mobilização", defendeu. E concluiu: "Não podemos fazer saúde pública sem levar em conta a questão climática, inclusive porque muitas das desigualdades na saúde vêm desses distúrbios ambientais".


Soluções ao alcance da vontade

 

O sociólogo Sergio Abranches iniciou sua palestra com uma mensagem positiva: “a Humanidade não cria problemas que não tenha condições de resolver”. Segundo ele, já estamos em processo de mudança entre o esgotamento do planeta e as mudanças científicas e tecnológicas que construirão saídas para uma sociedade mais sustentável e capaz de enfrentar as falhas acumuladas no século 20. Para ele, chegamos ao limite da democracia representativa e da economia capitalista globalizada, e no século 21 a história será determinada por outro tipo de relacionamento, a partir de uma mudança de paradigma científico e tecnológico e societário. “Fracassamos na onipotência. É um perigo achar que podemos controlar as forças da natureza. Que tipo de governança vai existir sobre o uso do conhecimento?”, questionou. Ao lado do “desafio extraordinário” para os cientistas, há, segundo Abranches, uma crescente responsabilidade cidadã. “Decisões graves diante de nós não têm sido enfrentadas nem pela cidadania nem pelos governos. A cidadania tem que demandar que governos o faça”, disse.


Para Abranches, houve avanços a partir da Rio 92, como a criação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e o avanço das ciências climáticas, que deverão ser o eixo determinante das mudanças políticas, econômicas e sociais. A seu ver, o legado mais importante da Rio 92 foi o consenso sobre a veracidade e ameaça concreta das mudanças climáticas. Segundo o sociólogo, além das variáveis climáticas, a variável demográfica também é central. “Não conseguimos perceber todas as mudanças que estão acontecendo. Estamos no sétimo ano seguido em que eventos naturais e climáticos produziram inflação alimentar, principalmente nas áreas mais pobres da Terra. As doações apodrecem e não chegam aos necessitados”, alertou.


De acordo com Abranches, o reordenamento geopolítico e a revolução tecnológica em andamento terão consequências ainda desconhecidas, que deverão ser estudadas pelas ciências sociais. Mas uma coisa, para ele, é fato: as novas gerações vão viver uma nova ordem, em que decisões como o uso ou não da energia nuclear serão fundamentais. E, na economia de baixo carbono, o mercado terá que ter menos liberdades do que teve no século 20, que gerou e não preveniu a destruição. Para o sociólogo, não é uma busca por sacrifícios, mas sim uma mudança econômica que aponta para um longo ciclo de alto crescimento sustentável. Isso passa, segundo ele, pela substituição da logística energética no mundo, onde quem perde é a indústria petrolífica e a siderurgia e quem ganha são as energias limpas. “Isso gera muito emprego e de melhor qualidade. É uma economia que gera mais bem estar”, afirmou. Outro ponto a favor é o fato de que a globalização da ciência e do conhecimento permite que países da periferia possam compartilhar e serem pólos de produção. Por outro lado, ressaltou, falta investimento no Brasil, onde o setor privado despreza a pesquisa e desenvolvimento.


“Estamos enfrentando muito mal o desafio, estamos atrasados e não vendo a necessidade de mudar. Por causa dos recursos hídricos e das florestas que temos, achamos que não é problema nosso, mas é. Não temos recursos hídricos inesgotáveis. Os de qualidade se esgotaram - 25% das águas têm qualidade péssima a regular, com vários níveis de contaminação, apesar da política mais restritiva da última década. A agricultura não sustentável desperdiça água na irrigação. Temos que recuperar reservatórios, replantar a mata ciliar e investir nas energias renováveis não hídricas”, disse.


Entre as alternativas, Abranches vê com bons olhos a energia eólica, que, segundo ele, tem fator de capacidade de 40% no Brasil, podendo chegar a 50%, mais do que os 30% dos EUA. Ele acrescenta que, complementando a geração eólica com solar, através da colocação de placas solares, esta capacidade pode dobrar ou até quadriplicar. “O jogo só muda quando há interesses capazes de confrontar os interesses dominantes, da economia fóssil. O Brasil começou a entrar nesse jogo, depois de muito preconceito e bloqueio”, afirmou. Ele citou as experiências da China e da Califórnia, onde todas as casas e edifícios novos podem gerar energia. “Na California, 100% das casas de cinco anos para cá tem energia solar. As empresas de energia devolvem à pessoa o equivalente ao que foi gerado”, contou.


Para encerrar, Abranches enfatizou que a Rio + 20 traz um movimento crescente de esperança, mas pode ser estuário de desesperança, já que as decisões dependem dos governos. “A Rio + 20 pode ser salva pela comunidade científica e pela sociedade civil, que podem gerar nova discussão e fazer pressão nos governos locais para tomarem as medidas necessárias para que haja possibilidade de governança global, que nasce no local".


Publicado em 14/9/2011.

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