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16/07/2007

Programa pioneiro contra a intoxicação por agrotóxicos será implantado este ano

Fernanda Marques


Para assegurar o uso racional de agrotóxicos, prevenir envenenamentos e garantir o tratamento médico adequado em caso de intoxicação, o Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh) da Fiocruz criou um programa de capacitação municipal, que será colocado em prática em Magé, município do Estado do Rio de Janeiro com mais de cinco mil agricultores. O programa – cuja implantação começará neste semestre – tem mobilizado não só os pesquisadores do Cesteh mas também a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), a Prefeitura de Magé, trabalhadores rurais e profissionais de saúde do município, alunos e professores da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), entre outros atores.


 Os objetivos do projeto são evitar a intoxicação por agrotóxicos e garantir que os casos do problema recebam a devida atenção (Foto: Victor Soares/ABr)

Os objetivos do projeto são evitar a intoxicação por agrotóxicos e garantir que os casos do problema recebam a devida atenção (Foto: Victor Soares/ABr)


O trabalho é coordenado pelo toxicologista Jefferson Oliveira Silva, pesquisador do Cesteh e professor da UniRio. As intervenções propostas se baseiam na experiência acumulada em diversos estudos da Fiocruz, segundo os quais o risco de intoxicação por agrotóxicos está associado a um estado nutricional debilitado, ao baixo nível de escolaridade e ao fato de que os agricultores desconhecem seus direitos. A esses fatores somam-se as deficiências dos profissionais de saúde, que não são treinados para reconhecer, tratar e notificar intoxicações por agrotóxicos, e as técnicas laboratoriais utilizadas, ineficientes para o diagnóstico desses casos.


O modelo que será implantado em Magé terá duas frentes de trabalho: evitar a intoxicação por agrotóxicos, por meio de ações junto aos agricultores e suas famílias; e garantir que os casos de intoxicação por agrotóxicos recebam a devida atenção, por meio de ações junto aos profissionais de saúde. “No Brasil, estima-se que ocorram, pelo menos, 560 mil casos de intoxicação por agrotóxicos anualmente, mas somente oito mil são notificados. Os sintomas dessa intoxicação, como insônia, disenteria, dores de cabeça e abdominais, são comuns a uma série de doenças e os médicos dificilmente identificam os agrotóxicos como a causa do problema”, afirma Jefferson.


Para as ações junto aos agricultores os pesquisadores do Cesteh contam com agentes multiplicadores, que são alunos da UniRio selecionados e treinados para atuar nas comunidades rurais. Universitários da área de saúde vão trabalhar em conjunto com as seis equipes do Programa Saúde da Família (PSF) de Magé. Eles farão o diagnóstico nutricional e uma avaliação clínica dos trabalhadores e suas famílias, além de oferecerem orientações para uma vida mais saudável. “Parece contraditório um trabalhador que cultiva gêneros alimentícios apresentar desnutrição, mas isso acontece por causa da falta de informação. O agricultor tende a achar que os alimentos processados e enlatados são melhores do que os que ele produz”, explica Jefferson.


Universitários do curso de direito farão palestras didáticas para explicar aos agricultores questões relativas à seguridade social e à propriedade da terra, entre outras. Já universitários da área de educação, além do contato direto com os trabalhadores rurais, vão atuar também junto aos professores locais. A idéia é incentivar que as aulas do Programa de Educação de Jovens e Adultos (Peja) focalizem os agrotóxicos. “A leitura das informações do rótulo desses produtos pode motivar problemas de matemática”, exemplifica o toxicologista.


Na outra frente de trabalho do programa, que visa capacitar os profissionais de saúde de Magé, participarão alunos de pós-graduação em toxicologia e especialistas da Fiocruz. Serão promovidos cursos de teoria e prática voltados aos 200 integrantes do PSF e às equipes dos dois hospitais municipais (20 médicos e oito laboratoristas). “Com essas ações, em um primeiro momento, o número de registros de intoxicação por agrotóxicos vai aumentar, não porque o problema se tornará mais freqüente, mas porque ele receberá mais atenção e ganhará visibilidade devido à conscientização dos médicos sobre a importância da notificação das ocorrências”, diz Jefferson. “Em segundo momento, a tendência é que o número de ocorrências comece a diminuir significativamente, como conseqüência da conscientização dos agricultores sobre o uso racional de agrotóxicos”.


O programa idealizado pelo Cesteh surgiu a partir de uma demanda dos próprios agricultores de Magé. Eles procuraram as autoridades municipais porque era alta a freqüência de intoxicações entre os trabalhadores rurais, embora raramente os médicos suspeitassem dos agrotóxicos como a causa do problema. Então, com o apoio da Funasa, a Prefeitura de Magé buscou a Fiocruz para implantar um programa que melhorasse os indicadores de saúde nas comunidades rurais do município. “A expectativa é que, dentro de dois anos, Magé não precise mais dos especialistas do Cesteh. O objetivo é que o município seja capaz de manter sozinho esse sistema de prevenção e vigilância contra a intoxicação por agrotóxicos”, destaca Jefferson. O programa do Cesteh será, então, exportado para outras prefeituras Brasil afora.

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