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08/07/2015

A proibição mata mais do que qualquer droga, diz Jean Wyllys

Amanda de Sá


Jean Wyllys, deputado federal pelo PSOL-RJ, é conhecido por sua luta em prol dos direitos humanos visando à redução das desigualdades no país. Segundo ele, é dentro deste esforço que se insere o enfrentamento da guerra às drogas, que provoca a morte de milhares de pessoas por ano e afeta, em sua maioria, jovens, negros e pobres. Dedicado a esta causa, Jean Wyllys propôs, em 2014, o Projeto de Lei 7270, que tem como objetivo regular a produção, comércio e consumo da maconha, como um passo inicial para a regulação futura de todas as drogas. Para o deputado, a proibição mata muito mais do que o uso de qualquer droga, e, portanto, é necessário romper com a lógica do tráfico, transferindo o controle das drogas para as mãos do Estado.  


Jean Willys diz que a legalização das drogas é uma questão urgente de segurança pública e de direitos humanos (Foto: Peter Ilicciev)
 

Baseado em diversos modelos de controles da Cannabis pelo mundo, o projeto de lei pretende estabelecer políticas públicas para as atuais drogas ilícitas, assim como as políticas de álcool e tabaco no país, tendo como objetivos a redução dos efeitos nocivos dos componentes das drogas através da informação, a diminuição do encarceramento de pessoas, a anistia aos presos condenados como traficantes, o recolhimento de impostos, a distinção do uso recreativo para o uso abusivo, a redução da violência, o comércio legal das drogas e a descriminalização dos usuários.

Convidado do seminário Maconha: usos, políticas e interfaces com a saúde e direitos, promovido pela Fiocruz no Rio de Janeiro, Jean Willys concedeu entrevista exclusiva sobre as expectativas que cercam seu projeto de lei.

Confira abaixo:

Em março de 2014 você apresentou o Projeto de Lei 7270, que regula a produção, industrialização e comercialização da maconha. Esse PL foi baseado em quais modelos de controle da droga? A partir de que dados o senhor elaborou essa proposta?

Jean Wyllys - Para a elaboração do projeto, estudamos diversos modelos: a lei uruguaia, a emenda constitucional do Colorado (EUA), os modelos da Espanha e de Portugal, o projeto de lei elaborado pela deputada estadual Maria Rachid na Argentina, e as propostas da rede Pense Livre, do Grownroom e do pesquisador André Kiepper, da Fiocruz, que participaram da equipe que meu mandato criou para debater e construir o nosso projeto, junto a dezenas de ativistas do movimento antiproibicionista, coletivos, ONGs e especialistas. Contudo, o texto final não reproduz o modelo de nenhum país, mas reúne diferentes experiências e as adapta à realidade brasileira, que é muito particular, levando em consideração não apenas o direito individual do usuário de drogas, mas também o fracasso da chamada "guerra às drogas" e suas consequências: milhares de jovens pobres e majoritariamente negros que são mortos ou encarcerados e um aumento da violência letal e da insegurança pública. O projeto leva em consideração tudo isso. São 60 páginas, com mudanças em diversas leis e uma ampla fundamentação.

De que forma o uso da maconha seria fiscalizado? Qual seria o limite do uso da Cannabis e em quais situações?

De forma semelhante ao álcool e ao tabaco, duas drogas atualmente legais e cujo abuso causa danos muito mais graves, haverá limitações para a venda e para o uso perto de escolas. Será proibida a venda a menores de idade, não poderá haver publicidade, deverão existir anúncios com os efeitos nocivos dos componentes da droga como tem hoje nos maços de cigarro, o Estado fiscalizará a produção para garantir a qualidade do produto, será proibido o uso de amônio para o prensado e outras formas de produção que aumentam a toxicidade e não será permitido dirigir sob os efeitos da maconha, etc. O modelo é o do álcool e o tabaco, mas levando em consideração as especificidades da Cannabis.

Do ponto de vista da segurança pública, como o senhor acha que o controle da maconha poderia contribuir para a melhoria dessa área?

Imensamente. Legalizar a Cannabis e acabar com a guerra às drogas não é somente uma questão de liberdades individuais. É também uma questão de segurança pública e de direitos humanos. A guerra às drogas está dizimando a juventude mais pobre das periferias, que morre vítima das lutas de facções, da repressão ao tráfico, da violência policial e das milícias. Ou é encarcerada pelo comércio ilegal de drogas ou, em muitos casos, pelo uso delas. Dependendo da cor e da classe social, a mesma quantidade de substância pode ser considerada para uso ou para tráfico, e a pessoa pode ir parar em presídios superlotados, que são verdadeiros infernos e escolas do crime.

Por isso, o projeto de lei 7270/2014, que protocolei na Câmara dos Deputados, faz muito mais do que legalizar a maconha: ele propõe uma série de mudanças radicais na política de drogas do Brasil. A legalização tem sido o aspecto mais comentado do projeto, tanto por aqueles que são a favor quanto por aqueles que se opõem, mas a proposta vai além. Entre a lei e sua justificativa, são 60 páginas que recomendo ler a quem quiser criticá-lo.

A proibição mata muito mais do que o uso de qualquer droga. E como a maconha, segundo a ONU, é a droga consumida por 80% dos usuários de drogas ilícitas, podemos dizer que a proibição da maconha é a que mais mata. De acordo com um relatório dos repórteres Willian Ferraz, Hugo Bross, Kaio Diniz e Vanderson Freizer, 56% dos assassinatos no Brasil têm ligação direta com o tráfico. Os mortos, em sua grande maioria, são jovens pobres de 15 a 25 anos. E são mais de 50 mil mortes por ano.

Como está a tramitação do projeto de lei? Quais as dificuldades percebidas no país para a implantação do PL?

A principal dificuldade é que esse Congresso, com sua atual composição, tem se mostrado incapaz de debater qualquer tema com seriedade. Somos reféns dos discursos de ódio, do fundamentalismo, da demagogia, do mau-caratismo e da burrice. É triste. Os projetos que colocam na agenda propostas de mudança profunda da sociedade, as iniciativas progressistas e tudo aquilo que for na contramão dessa realidade que está ali sequer são debatidos. Muita gente diz que há uma onda conservadora, mas o que há, na verdade, é uma ausência de debate. Só a voz dos fascistas é ouvida no Congresso. São tempos sombrios. Mas eu acredito que mesmo assim seja necessário apresentar projetos e convocar a sociedade civil a se organizar e mobilizar para se fazer ouvir no parlamento. Atualmente, o projeto está aguardando a Constituição de Comissão Especial pela Mesa Diretora.

Além da maconha, outras drogas são traficadas e vendidas ilegalmente no Brasil. Qual seria a solução para o controle de outros entorpecentes?

O projeto avança na regulação da produção e comercialização da maconha, mas não legaliza as demais drogas atualmente ilícitas. Considero este projeto um primeiro passo de uma mudança mais profunda que deve continuar, já que sou favorável à regulação de todas as drogas. Isso deve acontecer após um amplo processo de debate, conscientização e construção de um modelo alternativo ao atual, evidentemente fracassado. 

No projeto, proponho diferenciar os conceitos de “droga” e seus subtipos, “droga lícita” e “droga ilícita”, e estabelecer um mecanismo de atualização anual das listas — que hoje são atualizadas com uma indefinida “periodicidade” —, “de conformidade com as disposições legais em vigor e tecnicamente fundamentadas em critérios científicos atualizados”. E proponho também a criação de um Conselho multissetorial para avaliar toda a política de drogas, fazer pesquisa e assessorar o governo.

O novo sistema articulado que o projeto propõe para a atualização das listas de drogas ilícitas que o Poder Executivo deverá publicar anualmente garante que as decisões que devam ser tomadas no sentido de incluir ou excluir uma ou outra substância, ou bem de optar pela legalização e regulação de todas elas, tenha bases técnico-científicas e, também, uma avaliação, com base em dados estatísticos, análise de especialistas e pesquisas de campo, dos resultados que uma e outra política (tomando como ponto de partida para o novo paradigma a regulação da produção e comercialização de Cannabis) tiveram em cada um dos aspectos que são considerados relevantes para as finalidades das políticas públicas sobre drogas.

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