06/07/2015
No último dia de debates (3/7) do seminário internacional sobre os usos da maconha a opinião foi unânime. Todos os palestrantes da mesa Impactos da legislação sobre maconha na segurança pública se posicionaram favoráveis à legalização e controle das drogas, considerando o fracasso do proibicionismo vivenciado diariamente nos grandes centros urbanos com a guerra às drogas.
A lei antidrogas brasileira de 2006 foi considerada ultrapassada por todos os integrantes da mesa (Fotos: Peter Ilicciev)
Um estudo desenvolvido entre 2009 a 2013 pela pesquisadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes e palestrante do evento Julita Lemgruber destacou que mais de 230 mil mortes, sendo quase duas mil de policiais, foram provocadas no combate ao tráfico. Ao lado da pesquisadora, Jorge da Silva, ex-chefe da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Luciana Boiteux, professora da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, e Orlando Zaccone, delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro, também discorreram acerca do tema, sob a mediação do juiz e vice-presidente do Fórum Permanente de Direitos Humanos da Emerj, Rubens Casara.
Além da morte de milhares de pessoas, Julita observou em sua pesquisa, realizada em parceria com Orlando Zaccone, que a proibição custa caro e não dá resultados. De acordo com os dados, 250 bilhões de reais são gastos por ano em segurança pública. Segundo ela, das mais de 600 mil pessoas que estão presas atualmente no país, 30% foram condenadas por tráfico de drogas. Entre os motivos contrários à proibição, a pesquisadora pontuou que a ilegalidade da atividade mais rentável do mundo impede que o comércio produza receita para os governos.
Em visita a Colorado (EUA), Julita Lemgruber pôde constatar que, para a produção de uma tonelada de maconha por mês, nenhum tiro foi disparado. Além disso, segundo ela, a venda gerava impostos que podiam ser revertidos em educação, saúde e, inclusive, na prevenção ao uso de drogas. De encontro à realidade do Brasil, Julita destacou três matérias jornalísticas do mês de junho deste ano, que informaram que três pessoas haviam sido atingidas por troca de tiros entre policiais e traficantes.
Ainda com base no levantamento, a pesquisadora observou a ausência de informação sobre o tema da legalização das drogas no Brasil. “Dos entrevistados, 97% afirmaram que não passariam a usar drogas caso houvesse a liberação, enquanto 86% disseram acreditar que o consumo aumentaria se as drogas fossem legalizadas, o que mostra uma contradição”, destacou Julita, que reforçou ainda a criminalização da pobreza na legislação atual. “Discussões sobre a idade penal e a criminalização das drogas estão fortemente ligadas a interesses econômicos, como a privatização das prisões, a partir do aumento da população carcerária”, alertou.
Jorge da Silva, um dos diretores da LEAP (Law Enforcement Against Prohibition) e ex-secretário de Direitos Humanos, também foi crítico em relação à legislação. “Segundo a Lei nº 11.343/2006, ‘o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida’, porém, este quantitativo que diferencia o traficante do usuário não é estabelecido e, entre os requisitos que indicam essa diferenciação, destacam-se o local da ocorrência, as circunstâncias sociais e pessoais do agente da infração, conduta e antecedentes. Com isso, a questão social é determinante no momento da ação”.
Com a lei antidrogas de 2006, Jorge explicou que o objetivo não alcançado era a diminuição do número de presos pelo uso de drogas. “O que pudemos observar de fato foi um aumento de 62,5% dos casos. Os usuários pobres, de comunidades, foram promovidos a traficantes, enquanto os traficantes de áreas nobres foram rebaixados a usuários.” Este modelo, para o ex-chefe da PM no Rio, visa atender a interesses específicos.
Neste sentido, Orlando Zaccone, delegado e também diretor da LEAP, afirma que o sistema penal é seletivo. “A pena é só para favelado, então não adianta defender somente o usuário, porque a construção política vai permanecer, resultando no encarceramento em massa das classes populares. O marco antiproibicionista tem que ser discutido dentro do marco abolicionista, visto que o proibicionismo no Brasil tem a marca do racismo. O debate no Brasil não é a violência policial, mas sim a quem se destina.”
Ainda segundo Zaccone, quem está no campo antiproibicionismo deve defender a regulação da produção, comércio e consumo de todas as drogas. “Não adianta legalizar somente a maconha já que 70% das pessoas são presas com cocaína. Como faremos política pública com droga proibida? Precisamos falar de políticas para todas as drogas, como por exemplo, a política do tabaco.”
Segundo dados sobre os condenados por tráficos de drogas em 2009 no Rio, 66,4% dos presos por drogas não possuem antecedentes criminais e foram presos em flagrante, sem investigação e condenados somente por tráfico, sem outros delitos. “Isto quer dizer que quem está preso não é o grande traficante armado, diferente do que se passa nos jornais. Há ausência de critérios e de bom senso na distinção da quantidade de drogas”, revelou Luciana Boiteux, professora da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ.
Para ela, o foco da política pública deve estar na prevenção e não na repressão. “Devemos regular a produção da Cannabis para reduzir o encarceramento e discutir um marco regulatório para outras drogas. Percebemos que a guerra é contra minorias - jovens, negros, pobres, mulheres -, e não contra as drogas. Temos que ampliar o investimento em prevenção e saúde pública, respeitando os direitos humanos dos usuários como, por exemplo, o direito individual.”
Com a legislação atual, conforme frisou Luciana, não se reduziu o consumo, o tráfico se mantém atuante e o acesso a medicamentos essenciais é negado. “O que ganhamos com o proibicionismo são altos gastos em repressão (prisão, polícia, tribunais), violação dos direitos humanos, aumento da sensação de insegurança, aumento da violência e amplo acesso às drogas.” Entre as alternativas para solucionar estas questões, a professora sugere a regulação, despenalização e a descriminalização, além da necessidade de campanhas preventivas e informativas com base em evidências visando à redução de danos.
Na AFN
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