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26/09/2008

Projeto coloca a saúde em evidência na economia brasileira

Informe Ensp


Analisar a saúde não só como um gasto, mas como um setor da economia brasileira que produz inclusive emprego e gera renda é um dos objetivos da publicação Economia da saúde - uma perspectiva macroeconômica 2000-2005, fruto de um trabalho conjunto do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com o Ministério da Saúde, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) da Fiocruz.


 Maria Angélica: um dos aspectos mais importantes nesse trabalho é que ele dá uma visão da saúde como um setor da economia. Essa é uma perspectiva essencial para o gestor público (Foto: Carolina Evaristo)

Maria Angélica: um dos aspectos mais importantes nesse trabalho é que ele dá uma visão da saúde como um setor da economia. Essa é uma perspectiva essencial para o gestor público (Foto: Carolina Evaristo)


O trabalho é o primeiro passo para a institucionalização de um Sistema de Contas de Saúde no Brasil e foi produzido no âmbito da Portaria Interministerial 437, de 1º de março de 2006, expedida pelos ministérios da Fazenda, da Saúde e do Planejamento, Orçamento e Gestão. "Um dos aspectos que considero mais importante nesse trabalho é que ele nos dá a visão da saúde, inclusive da saúde pública, como um setor da economia. Essa é uma perspectiva de análise essencial para o gestor público", afirmou uma das coordenadoras-executivas do projeto, Maria Angélica Borges dos Santos. A pesquisadora concedeu a seguinte entrevista ao Informe Ensp:


O projeto de contas da saúde, no qual você é a representante da EnspP no Comitê Executivo, é o primeiro passo para a institucionalização de um Sistema de Contas de Saúde no Brasil. Qual é o propósito da criação desse sistema?


Maria Angélica Borges dos Santos: As Contas de Saúde são elaboradas, em princípio, para sistematizar informações sobre gastos e financiamento na saúde. Entretanto, podem propiciar oportunidades para análises setoriais bem mais amplas se forem estruturadas de forma a captar a dinâmica econômica do setor de saúde como um todo articulado. Um sistema de Contas de Saúde bem elaborado pode ser uma ferramenta importante para aumentar a consistência do planejamento setorial e aprimorar o acompanhamento dos impactos das políticas de saúde sobre o sistema de saúde. Nessa perspectiva, as Contas de Saúde beneficiam-se por serem produzidas dentro de um arcabouço econômico mais amplo, que não observa a saúde apenas como um gasto e abrange tudo aquilo o que ela produz, inclusive riqueza e emprego. O arcabouço utilizado para realizar esse tipo de cálculo é o Sistema de Contas Nacionais (SCN), que serve como a base de cálculo para o PIB e permite que os resultados e índices produzidos estejam metodologicamente vinculados ao PIB. Com essa estrutura metodológica, a gente consegue fazer o que se chama de conta satélite, o que já é uma recomendação do próprio Sistema de Contas Nacionais e da ONU para algumas áreas. Contas-satélite é como se você pegasse um setor especifico da economia e colocasse uma lupa, refinando todas as informações do Sistema de Contas Nacionais para focalizá-lo.


Desde quando o Brasil começou a investir nesse sistema de contas?


Maria Angélica: Em 1995, já tivemos algumas tentativas de construir um sistema de Contas de Saúde no Brasil. Naquele ano, foi elaborado um primeiro esboço de conta satélite de saúde para o país, para os anos de 1980 e 1985. Esse trabalho não foi muito divulgado aqui dentro, porém nos faz ser citados na literatura como um dos primeiros países do mundo a fazer esse tipo de conta, atrás apenas da França. Passamos alguns anos sem dar continuidade a essa idéia mas, em 1999, ela voltou à tona. Mas ainda não tínhamos as informações detalhadas que o sistema requer, nem uma maneira correta para ordená-las. Em 2000, recomeçaram as conversas sobre ter um sistema de contas de saúde, mas só em 2002/2003 houve avanços importantes. A partir de um financiamento do Departamento para o Desenvolvimento Internacional (DFID), reuniram-se as instituições historicamente ligadas a essa idéia – como o IPEA, o IBGE e o MS – e começamos a fazer um esboço de uma conta satélite de saúde com uma nova base de cálculo do PIB, que já estava, então, sendo preparada pelo IBGE.


Produzimos um esboço de conta satélite de saúde para o ano 2000, mas havia um impedimento para que os números fossem divulgados. Todo o esboço dessas contas de saúde estava ancorado na nova base para o cálculo do Sistema de Contas Nacionais, que só foi divulgada em 2007, e estávamos em 2005. A informação contida ali ainda era preliminar. O IBGE estava testando novas bases de informações, para a mudança da base de cálculo do PIB, que gerou uma revisão do PIB nacional. Portanto, ainda não podíamos divulgar esse esboço.


Esse foi um dos maiores desafios encontrados pela equipe?


Maria Angélica: Nessa época, o projeto ficou um pouco no vácuo, mas a Portaria Interministerial 437, de 1º de março de 2006, expedida pelos ministérios da Fazenda, da Saúde e do Planejamento, Orçamento e Gestão, deu uma cara institucional a ele. Nosso grande desafio foi manter as pessoas que estavam no projeto antes. As Contas de Saúde são uma grande empreitada multidisciplinar. Eu sou médica e fui obrigada a estudar Contas Nacionais. A equipe de Contas Nacionais teve que estudar saúde. A gente é obrigada a nivelar linguagem e absorver conhecimento a todo instante. Temos conosco economistas, profissionais de saúde, estatísticos, administradores – uma equipe com níveis variáveis de dedicação ao projeto, mas com muito fôlego, super empolgada e, na base, constituída de funcionários públicos de carreira. Isso dá uma garantia maior de continuidade do que quando as contas são elaboradas por consultores. Se você desmonta uma equipe dessas, perde anos de trabalho.



Como foi feita a escolha das instituições parceiras do projeto?


Maria Angélica: A experiência mundial mostra que um sistema de contas de saúde precisa estar apoiado em instituições com estabilidade. O IBGE é central porque tem uma missão institucional de produção de informações, assim como o Ipea e os demais parceiros. A opção pela Fiocruz foi estratégica e segue essa lógica, com o diferencial da ligação com a academia. Aqui na Fundação a Ensp conseguiu acolher o projeto de forma que garantisse sua permanência. Além do aporte que a Escola pode dar à pesquisa, oferece sustentação importante para o uso das informações produzidas por um sistema de contas de saúde. O professor Adolfo Chorny foi a primeira pessoa com quem conversei. Ele percebeu claramente a dimensão estratégica desse trabalho, do qual a pesquisadora Marina Noronha também participa. Além deles, temos uma interface com o professor Carlos Gadelha, pesquisador da Ensp e vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, que, por sua visão econômica, tem uma afinidade natural com o projeto.


Qual é o diferencial dos resultados obtidos agora para as outras tentativas de criação de um sistema de contas?


Maria Angélica: O diferencial é apresentar não só a perspectiva do gasto, mas da produção, do emprego e da renda gerada pelo setor, permitindo enxergar a dinâmica e as tendências do setor de saúde como um todo em séries históricas. Na perspectiva de gasto – a mais enfocada pelo gestor de saúde –, além de apresentar quem está gastando, o sistema de contas dá a oportunidade de ver com o quê se está gastando e, em última instância, quem se beneficia do gasto. Anteriormente, as pessoas faziam essas contas buscando informações apenas a partir do somatório das despesas – contabilizando as despesas do governo com saúde e das famílias com saúde.


Já o sistema de contas de saúde baseado nas informações do Sistema de Contas Nacionais parte de informações muito mais completas, pois incorpora além das informações sobre despesas, informações sobre produção da indústria e do comércio, extraídas das Pesquisas Estruturais do IBGE, e sobre faturamento de hospitais, clínicas e todas as atividades de serviços de saúde, com base em informações consolidadas da Declaração de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica. Assim, temos não só os dados sobre quanto as famílias disseram que gastaram ou o governo gastou, mas também quanto as indústrias da saúde declararam que produziram. Além disso, são usadas informações da Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio (PNAD), que analisa emprego e renda e fornece informações sobre a produção de serviços por autônomos. A saúde é um setor com muitos autônomos, e essas formas de gerar serviços não estão captadas em nenhum outro lugar. Portanto, esse aporte de emprego e renda também corrige a informação geral.


Sabemos que, com isso, incorporamos atividades e serviços que provavelmente não eram contabilizados antes, quando se computava apenas a despesa usando como base a Pesquisa de Orçamento Familiar e os dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Esse é o caso, por exemplo, de clinicas de estética e cirurgia plástica. Assim, parte da diferença entre os números que divulgamos e os que existiam deve-se a captarmos fenômenos que normalmente não eram captados e que não devem ser pequenos nem insignificantes. Nós vamos passar por novos desafios, que incluem apontar e refinar cada uma dessas despesas e talvez, no futuro, dimensionar desde gastos em clínicas populares até atividades que nem percebemos que existem no Brasil, como o turismo médico.


Quais foram os resultados obtidos sobre os gastos com a saúde?


Maria Angélica: Em 2005, as atividades ligadas à saúde no Brasil geraram R$ 97,3 bilhões, tendo sido a saúde pública responsável por 33,4% desse total. Embora a participação do valor dessas atividades, no total gerado pela economia, tenha tido uma relativa queda entre 2000 e 2005 (de 5,7 para 5,3%), entre 2004 e 2005 foram apresentadas sucessivas taxas de crescimento real, chegando a 5,9%.


Além disso, as atividades de saúde respondiam por 3,9 milhões de postos de trabalho (4,3% do total do país), sendo a maior parte deles (2,6 milhões) com vínculo formal, e pagavam um rendimento médio anual de R$ 15,9 mil. Do total das despesas relacionadas com bens e serviços de saúde, a administração pública respondeu por 38,8%; as famílias, por 60,2%; e as instituições sem fins lucrativos a serviço das famílias, 1%. Dos gastos das famílias, os mais importantes foram aqueles com consultas, serviços médicos em geral e medicamentos. A saúde pública foi a principal despesa de consumo final das administrações públicas (passou de 2,4% a 2,6% do PIB, entre 2000 e 2005). Afora isso, a administração pública também tem despesas com serviços de atendimento hospitalar e outros serviços relacionados com atenção à saúde – serviços mercantis que o governo adquire para oferecer gratuitamente às famílias.


Isso justifica o gasto com a saúde pública?


Maria Angélica: A saúde pública, da forma como a apresentamos na publicação, ainda compreende um conjunto heterogêneo de itens, desde serviços de saúde produzidos por estabelecimentos públicos até laboratórios, campanhas de vacinação, distribuição e produção de medicamentos, ações de vigilância em saúde. O próximo desafio do grupo é desmembrar a saúde pública nesses vários componentes, para compararmos, em maior detalhe, o que é produção e despesa pública e o que é produção e despesa privada. Mas um dos aspectos que considero mais importante nesse trabalho é que ele nos dá a visão da saúde, inclusive da saúde pública, como um setor da economia. Essa é uma perspectiva de análise essencial para o gestor público. O sistema de saúde e o SUS, sendo que precisamos muito entender isso, estão inseridos dentro de uma dinâmica econômica que gera muitas ameaças e algumas oportunidades. Poder interpretar esses movimentos e tendências do sistema de saúde como um todo na sua dimensão não apenas política mas econômica, só contribui para o aprimoramento de estratégias para viabilizar e fortalecer cada vez mais o SUS.

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