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24/05/2007

Projeto no Amazonas estudará novas maneiras de combater a diarréia

Grace Soares


Considerado um problema “rotineiro” entre crianças e idosos, a diarréia passou a fazer parte da vida de muitos por não receber o devido cuidado. A facilidade do tratamento é acompanhada de um dado alarmante: ainda hoje, no Brasil, morrem, por ano, cerca de 50 mil crianças menores de 1 ano, segundo dados de especialistas. O projeto Caracterizaçao fenotípica e genotípica dos enteropatógenos isolados de crianças de 0-10 anos de idade, com diarréia aguda e de repetição, na cidade de Manaus – Amazonas, que será desenvolvido nos próximos dois anos pela pesquisadora Patrícia Orlandi, do Centro de Pesquisa Leônidas e Maria Deane (CPqLMD), unidade da Fiocruz no Amazonas, vai investigar o problema.


 Pesquisador faz o teste de presença de rotavírus na água (Foto: Ana Limp)

Pesquisador faz o teste de presença de rotavírus na água (Foto: Ana Limp)


Entender que a diarréia é conseqüência direta da presença de um entre diversos agentes patogênicos em potencial é determinante para subsidiar qualquer ação de controle e prevenção eficientes do problema. O segundo passo é identificar, sistematicamente, esses microorganismos, denominados na literatura científica de “enteropatógenos”, ou seja, aqueles que causam doenças no sistema digestivo, mais especificamente no intestino das pessoas. “No projeto, vamos identificar os microorganismos que afetam as crianças, causando-lhes diarréias. Esse trabalho será determinante para a escolha das formas de tratamento do problema. Será feita uma amostragem de 1% da população de crianças de Manaus, com idade até 10 anos, o que totaliza três mil indivíduos”, explica Orlandi.


Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), há uma média de incidência de um a dez episódios de diarréia por ano em crianças até 4 anos. Essa faixa etária é a mais suscetível a infecções de ordem intestinal. Acima disso, as crianças já começam a criar anticorpos e tornam-se mais resistentes aos microorganismos. O projeto estendeu as análises até indivíduos com 10 anos de idade justamente para verificar esses parâmetros de imunidade e compará-los aos das crianças mais jovens.


O estudo compreende as seguintes etapas: visita a hospitais (zonas Leste, Sul, Oeste e Instituto da Criança do Amazonas), preenchimento das fichas de dados clínicos e aceite da responsável pela criança por meio da assinatura do termo de consentimento, coleta das fezes (300 amostras de cada faixa etária) e análise laboratorial para identificação dos enteropatógenos.


A etiologia (investigação das causas de uma doença) da diarréia não é simples de ser identificada. Sua manifestação pode estar associada à infecção por vírus, bactérias ou até mesmo por parasitos. A ausência de diagnósticos rápidos e baratos para a identificação precisa dos agentes patogênicos compromete o exame de saúde hospitalar. As medidas de tratamento variam de simples ingestão de soro caseiro à recomendação de antibióticos específicos.


“É sabido que a morte de crianças vítimas de diarréias é um problema de ordem sanitária. A contaminação é feita via fecal-oral e quase sempre está relacionada ao contato com água contaminada”, destaca a pesquisadora. Ela propõe que a definição de meios de prevenção a essa doença seja inserida no mesmo patamar de prioridades que a criação de novas alternativas de diagnóstico e tratamento.


“Conhecendo a realidade vivida pelas crianças que participam da pesquisa poderemos também montar um gráfico da expansão da doença, detectando quais bairros ou áreas concentram a maior incidência dos casos. Isso orientará ações de controle das fontes de infecção e o bloqueio das principais vias de transmissão”, salienta Orlandi. Para a pesquisadora, trabalhar conceitos de higiene e saúde pessoal com a família das crianças é fundamental nesse processo. Pensando nisso, já está prevista a elaboração de um segundo projeto que dará subsídios para essa intervenção social.


O estudo foi aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), pelo edital de n.º 14/2006 e conta com um aporte financeiro no valor de R$ 119.828,00, previsto no programa Pesquisa para o SUS: gestão compartilhada em saúde. Sua execução conta com o apoio da Secretaria de Saúde do Amazonas (Susam).


Biologia molecular


Existem alguns métodos de identificação dos agentes patogênicos considerados clássicos: as análises bioquímicas são um deles. Elas possibilitam descobrir com qual espécie de patógeno se está trabalhando: um vírus, uma bactéria etc. No entanto, em alguns casos, existem variações do mesmo agente causador da diarréia. Como é o caso da Escherichia coli enteropatogênica, popularmente chamada de E. coli. Ela pode apresentar-se como uma infecção mais branda, como a E. coli enterotoxigênica (Etec), ou assumir uma versão mais perigosa, como a E. coli enteroagregativa (Eaec), para a qual ainda se está providenciando tratamento específico.


Além destas duas espécies distintas, somam-se a elas mais quatro variações de E. coli. O agente causador é uma bactéria. Apenas com um exame bioquímico é impossível diferenciá-las. “Os estudos moleculares nos ajudam a descobrir qual variante da diarréia estamos combatendo, impedindo que tratamentos ora ineficazes, ora prejudiciais, sejam prestados aos pacientes”, diz Orlandi, ressaltando com pesar que as análises ainda estão restritas aos laboratórios das instituições.


Do grupo das bactérias, a E. coli é o microorganismo encontrado com mais abundância nos exames clínicos. Entre as enteroviroses (vírus responsáveis pelas doenças no trato digestivo) destacam-se os rotavírus. Juntas, são responsáveis por mais de 40% dos casos de diarréia infantil no Brasil. “A nossa meta é identificar esses enteropatógenos, suas vias de transmissão, medidas de tratamento e ações de prevenção, reunir todos esses dados em um relatório e disponibiliza-los à Susam, para que os gestores públicos tenham consigam melhorar as condições de saúde e de vida da população”, reforça a pesquisadora.


De acordo com Orlandi, o projeto comunga de premissas e fundamentos institucionais da própria Fiocruz, pois se trata de uma contrapartida que afetará a saúde pública do estado. O compromisso firmado com a sociedade traduz-se na busca pela geração de insumos de diagnóstico com vistas à disponibilização em larga escala pelo SUS. Em Manaus, segundo a pesquisadora, não se tem conhecimento sobre nenhuma pesquisa que atendesse a essa demanda.


Imagem X identidade genética


O título do trabalho faz referência a duas áreas da ciência: os estudos fenotípicos e os genotípicos em torno dos esteropatógenos. O primeiro diz respeito ao tipo de adesão, ou seja, como o organismo se apresenta. Um exemplo pode ser a própria E. coli, que se distingue de seis maneiras. O segundo está associado à identificação genética. “Vou descobrir se esse patógeno que está circulando entre as pessoas é o mesmo, se tem origem no Norte, Nordeste, Sul ou se veio de fora. Qual sua origem epidemiológica”, conclui Orlandi.

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