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28/12/2017

Rastros de amianto: perigo não se restringe às fábricas ou à mina

Patrícia Canto Ribeiro e Hermano de Castro*


O Brasil tem enorme dívida com a sociedade que, por mais de um século, ficou exposta ao amianto. Nesse contexto, devemos considerar expostos, incontestavelmente, os trabalhadores da indústria do amianto; porém, cada um de nós, todo dia, sem se dar conta, tem contato com essa fibra, que, há vários anos, foi banida de inúmeros países por seus claros malefícios à saúde.

A perda de vidas humanas não é uma questão de alarmismo, conforme apregoa a indústria. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), qualquer quantidade de amianto pode ser prejudicial e indica risco de câncer. Desde 2005, a União Europeia proíbe seu uso baseada no crescente número de casos e óbitos por mesotelioma - tipo raro de câncer associado à exposição ao asbesto. O fato de ser possível a doença se manifestar décadas depois do contato com a fibra é um dificultador no momento de se associar o diagnóstico à exposição. Além disso, para casos de câncer, não há relação entre dose de exposição e adoecimento, como ocorre na asbestose.

Então, o perigo não se restringe às fábricas ou à mina. Ele está nas telhas das casas e caixas-d’água à base de fibrocimento, nas oficinas, durante o trabalho com pastilhas de freio, nas cozinhas, quando utilizávamos luvas térmicas confeccionadas com esse material, e em tantos outros locais nos quais, sem se dar conta, a presença do amianto é imposta à população, unicamente por questões econômicas, desprezando-se todo o conhecimento acerca dos seus efeitos sobre a saúde.

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), apesar de tardia, é motivo de comemoração, mas não suficiente. Ainda por muitas décadas, os serviços de saúde receberão novos casos de doenças relacionadas à exposição. O banimento nos impõe uma nova etapa na luta a fim de garantir a atenção integral à saúde dos expostos. É necessário ao Brasil ter um plano de vigilância para a área da saúde, com capacitação profissional que contemple a identificação da exposição, investigação diagnóstica e notificação, um ponto frágil no sistema.

A Resolução 348, do Conselho Nacional do Meio Ambiente, considera resíduos perigosos de amianto as telhas e caixas-d’água quebradas, cujos cuidados em seu manuseio, acondicionamento e descarte se fazem necessários. Tal fato coloca para a sociedade um enorme desafio ambiental, pois a indústria deixará um passivo incomensurável. Deve-se atuar no princípio poluidor-pagador como norma do direito ambiental, com responsabilização direta do setor que produz o risco para a sociedade. O Estado e o setor produtivo deverão assumir uma política ambiental que não penalize diretamente a sociedade. Essa questão ambiental requer efetiva política direcionada à vigilância e ao controle do passivo das empresas, rejeitos residenciais, além da capacitação destinada à retirada e ao descarte seguro dos materiais que contêm amianto. O adequado esclarecimento da população é fundamental, não só com o propósito de evitar exposições desnecessárias, como também trilhar o caminho para um mundo sem amianto da forma mais segura possível.

*Patrícia Canto Ribeiro é pneumologista da Fiocruz e Hermano de Castro é diretor da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz).

O artigo foi originalmente publicado no jornal O Globo em 22/12/2017. 

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