A mais recente edição da revista Reciis aborda as ações para consolidação de uma política brasileira de Ciência Aberta e melhores práticas de avaliação, convocando a sociedade para aderir ao manifesto sobre a temática. A edição conta ainda com trabalhos originais que abordam dilemas éticos dos influenciadores digitais da ciência, as disputas de sentidos, afetos e usos das plataformas digitais pela Saúde e na saúde dos usuários, mediados entre as práticas sociais e midiáticas. A Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação em Saúde (Reciis) é editada pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Icict/Fiocruz).
Em editorial, os editores científicos da Reciis, Kizi Mendonça de Araújo, Igor Sacramento e Christovam Barcellos defendem a necessidade de uma política brasileira de Ciência Aberta e melhores práticas de avaliação para a democratização e a universalização do acesso ao conhecimento como condição fundamental para o desenvolvimento igualitário e sustentável. Os editores destacam algumas ações em curso que podem ir ao encontro desta proposta de Ciência Aberta, inclusiva e global, como: mudanças no sistema de avaliação para o ciclo 2025-2028, considerando a contribuição e impacto teórico dos artigos em detrimento dos periódicos científicos; e o Manifesto EBBC por uma política de Acesso Aberto e melhores práticas de avaliação da ciência.
O Manifesto EBBC ainda se encontra aberto para assinatura. Os editores convocam os interessados no tema a lerem e assinarem o documento que será encaminhado em breve à Capes e ao CNPq.
Influenciadores digitais e dilemas nas redes
Durante a pandemia, influenciadores digitais de ciência ganharam relevante notoriedade, credibilidade e reputação na compreensão de uma divulgação científica de qualidade, o que chamou a atenção também do mercado publicitário e suas ações de marketing de influência nas redes sociais on-line. Em Nota de Conjuntura, Simone Evangelista discute as controversas entre a divulgação científica, o mercado e os dilemas éticos dos influenciadores digitais de ciência. Esta análise conjuntural parte de uma polêmica recente envolvendo conteúdos patrocinados pelas duas maiores petroleiras atuantes no Brasil.
Ao longo do texto, Simone Evangelista mobiliza a contradição que se estabelece quando influenciadores digitais, que possuem credibilidade na disseminação de conteúdos científicos nas redes on-line, se associam às petroleiras, as quais tem a intenção de criar uma imagem de aliada ao combate às mudanças climáticas, quando suas práticas vão no sentido contrário.
Em artigo original, Mariângela Barichello Baratto e Flavi Ferreira Lisboa Filho propõem uma análise em que tencionam o período da pandemia de covid-19 com o aumento da vivência e usos das tecnologias de comunicação e informação em várias esferas do cotidiano, o que se denomina como processo de midiatização. Tendo como base pesquisas produzidas nos últimos anos sobre definições de midiatização e a temática covid-19, os autores consideram que a pandemia foi um marco de influência nos estudos em comunicação que se dedicam às abordagens das mediações entre as práticas sociais e midiáticas sob a perspectiva da midiatização.
Mediações e disputas de sentidos nas plataformas digitais
Neste cenário das plataformas digitais atravessadas pelos discursos da ciência e da política, considerando as dinâmicas dos algoritmos, a edição apresenta o estudo de Marcela Tessarolo, Joana Ziller e Fabio Malini, que desenvolvem uma análise sobre os afetos gerados em relação ao tratamento precoce contra a covid-19 na rede social Facebook. Entre os sentimentos de esperança e medo, os autores observaram narrativas controversas de esperança de cura com o tratamento precoce, mas também como uma afronta à ciência, por se apresentar como uma promessa de cura sem mérito científico.
Em outro artigo original, Glaucia Santiago et al. analisam os discursos sobre a vacina contra o papilomavírus humano na rede social X, em 2023, no Brasil. O estudo consiste na análise de uma mensagem publicada nesta plataforma (tweet) com argumentação favorável e outro contrário à vacinação, além de toda a interação gerada com outros usuários. A pesquisa constatou que há disputa de sentidos entre grupos favoráveis e contrários à vacina, considerando a plataforma X como um espaço para avaliação e aprimoramento da campanha de vacinação contra o papilomavírus humano.
Na pesquisa de Mariana De Gea Gervasio et al. o objetivo foi identificar e analisar os argumentos e sentidos produzidos pela cobertura jornalística do jornal Folha de S. Paulo sobre a Lei da Cesária entre 2019 e 2020 nos arquivos digitais da empresa. O estudo concluiu que o jornal promoveu uma cobertura politizada e polarizada, com argumentos dos defensores e os críticos da lei, colocando em circulação justificativas com foco na premissa neoliberal de escolha, que equipara as decisões em saúde às decisões de consumidores de produtos, em detrimento da qualidade da assistência ao parto.
Influências das tecnologias na saúde e seus usos pela Saúde
Sérgio Reche et al. analisam as mudanças no desempenho ocupacional em postagens de estudantes universitários nas redes sociais, observando sentimentos de estresse acadêmico, solidão, estigma, perda de interesse no lazer e fatores socioeconômicos como fatores que contribuem para o sofrimento mental. Em outro artigo original, Keila Guindani Becker e Jolana Cristina Cavalheiri apresentam um estudo que relaciona o uso das redes sociais e a autopercepção sobre o corpo. A maioria dos jovens que participaram desta pesquisa acreditam que as redes sociais, principalmente o Instagram, influenciam na percepção corporal. A insatisfação do corpo é manifestada mais por jovens solteiros e mulheres seguidoras de influenciadores digitais.
Beatriz Andrade Vasconcelos e Antonia Iracilda e Silva Viana problematizam o aumento do uso de telas entre as crianças. E constatam que elas ficam diante das telas acima do recomendado pelas entidades médicas e observando a influência do uso de mídias digitais na saúde física e emocional da vida infantil.
Influências das tecnologias na saúde e seus usos pela Saúde
Já Paola Sabino da Silva et al. apresentam um estudo sobre um jogo desenvolvimento na web para a prevenção da mortalidade neonatal precoce destinado aos enfermeiros da Atenção Primária à Saúde (APS). Considerou-se que o jogo possibilita aprimorar o conhecimento na área materno-infantil de forma lúdica e motivacional.
Em outro artigo, Bianca Borges da Silva Leandro et al. promovem uma discussão sobre o uso de tablets e outros dispositivos móveis pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) na Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil. O estudo identificou contribuições do uso institucionalizado de tais tecnologias como a promoção de inovação e transformação digital nas APSs, mas também limitações como a necessidade de proteção de dados e impactos na precarização do trabalho dos agentes comunitários. Esta edição apresenta ainda artigos de revisão que abordam o uso das tecnologias de comunicação e informação na discussão do idadismo, educação e estímulo da memória de pessoas idosas; monitoramento e avaliação da covid-19; o uso no atendimento em serviços de saúde e em análises de estudos bibliométricos.
A Reciis é uma das iniciativas da Política de Acesso Aberto e não cobra taxa de processamento de artigos. Ela faz parte do Portal de Periódicos Fiocruz junto a outras oito publicações que oferecem livre acesso aos seus conteúdos.