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27/10/2016

Regulamentação de drogas lícitas é tema de mesa-redonda

Pamela Lang (Agência Fiocruz de Notícias)


O Brasil é o segundo maior produtor de fumo do mundo e líder nas exportações mundiais de tabaco desde 1993. Apesar desse dado alarmante, o país tem sido reconhecido por suas ações estratégicas bem sucedidas no controle do tabagismo, alcançando uma redução de mais de 40% no consumo anual per capita de cigarros.

Pensar a regulação do álcool a partir das lições aprendidas com o tabaco foi o tema da mesa de debate do início da tarde do segundo dia do Seminário Internacional Álcool, Saúde e Sociedade (25/10). Estiveram presentes a pesquisadora do Centro de Estudos em Tabaco da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), Valeska Figueiredo, a diretora executiva da Associação de Controle do Tabagismo, Paula Johns, e o integrante do grupo de conselheiros sobre leis em saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS), Alan Vendrame. O debate foi moderado pela pesquisadora do Centro de Estudos em Tabaco da Ensp/Fiocruz, Ana Paula Natividade.

Para Valeska Figueiredo, o paralelo entre álcool e tabaco é pertinente. Ela cita o ciclo de expansão do consumo do tabaco, que, segundo a pesquisadora, é bem semelhante ao do álcool e compreende: propaganda e promoção, baixos preços, fácil acesso aos jovens, mercado ilegal de produtos e globalização das estratégias para expansão de mercado. Tudo isso associado ao lobby econômico e político para promover a iniciação e reduzir a cessação.

Um dos maiores avanços na regulação do tabaco foi a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT), primeiro tratado internacional de saúde pública da história para conter a epidemia do tabagismo em todo mundo. A elaboração desse tratado foi coordenada pelo Brasil e adotada pela Organização Mundial de Saúde em 2003, entrando em vigor dois anos depois. Hoje, a Convenção conta com a adesão de 180 países. Sua implementação nacional ganhou status de Política de Estado e o cumprimento de suas medidas e diretrizes tornou-se uma obrigação legal do governo brasileiro.

“Ainda temos desafios pela frente, como o maço de cigarros genérico [sem marca], o enfrentamento da indústria e, por que não, o envolvimento da Anvisa na regulação do tabaco? Mas, certamente, a Convenção-Quadro e seus desdobramentos em medidas de controle no território nacional podem ser um caminho e um exemplo a ser seguido para a regulamentação do álcool”, explicou Valeska.

Paula Johns considera que o maior desafio é o enfrentamento da indústria. “A indústria é o vetor da epidemia do álcool. E eles [empresários] são espertos. Quero dizer, o sucesso das estratégias do tabaco pode significar, por outro lado, o fracasso das ações para o controle do álcool, porque as indústrias veem o que deu certo e passam a adotar estratégias de pressão diferenciadas”, comentou a diretora.

E a pressão é grande. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a Ambev foi maior doadora do setor de bebidas para as eleições de 2014, com pouco mais de R$ 92 milhões.

Inibir a regulamentação do álcool é o foco central do lobby praticado pelas cervejarias. Atualmente, todas as bebidas com menos de 13 graus de concentração alcoólica estão sujeitas à autorregulamentação publicitária. Os argumentos utilizados pelos lobistas contrários à regulamentação publicitária, segundo o advogado Alan Vendrame, estariam centrados na não necessidade de regulamentação externa, uma vez que a autorregulamentação seria eficiente, e na ofensa ao princípio de liberdade de expressão.

O advogado nega essa argumentação: “a regulamentação legal é mandamento constitucional (art. 220 § 4º), a mesma constituição que garante a liberdade de expressão. E da perspectiva da saúde pública, a autorregulamentação já se mostrou ineficaz, uma vez que não evita propagandas direcionadas a crianças e adolescentes e nem o incentivo ao consumo abusivo de álcool”.

Outro ponto de enfrentamento com a indústria do álcool é o argumento de que as cervejarias contribuem de maneira significativa com o desenvolvimento econômico e social do país pelos enormes investimentos e geração de empregos. “Se fizermos um comparativo entre os investimentos e o custo social do álcool, vemos que o argumento é falacioso. O país perde 7,3% do PIB com o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, em torno de R$ 372 bilhões. Por outro lado, o segmento cervejeiro, com faturamento anual de R$ 70 bilhões, recolhe R$ 21 bilhões em impostos por ano. Nos últimos quatro anos, o Sistema Único de Saúde (SUS) contabilizou 313 mil internações por alcoolismo, ao custo anual de R$ 249,3 milhões”, concluiu Vendrame. 

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