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09/08/2010

Resistência do mosquito Aedes aegypti a inseticida pode ser revertida


Um dos principais problemas enfrentados pelos programas de controle de vetores de doenças é a resistência que os insetos adquirem após um período longo de exposição a inseticidas. O monitoramento do problema é um dos fatores decisivos para o sucesso das ações que visam à redução populacional de espécies de mosquitos, como o Aedes aegypti, plenamente adaptado às condições urbanas e envolvido no ciclo de transmissão da dengue. Estudo realizado na Fiocruz Pernambuco mostrou que é possível reverter a resistência da espécie ao temefós, produto utilizado para o seu controle em todo o país, mas não de forma imediata.


 O<EM> Aedes aegypti</EM>

O Aedes aegypti


Durante dois anos, a equipe do Departamento de Entomologia simulou, em laboratório, três possíveis situações de campo. No primeiro cenário, o mais próximo do que realmente acontece nos programas governamentais, a pressão de seleção ao inseticida foi tirada, ou seja, o uso do inseticida foi suspenso durante gerações sucessivas de uma linhagem com alta resistência ao temefós. Os resultados mostraram que a razão de resistência (RR) à substância caiu de 125 para 8,7 vezes, após nove gerações. O processo de reversão da resistência se deu de forma incompleta, e levaria, proporcionalmente, mais algumas gerações para ocorrer.


De acordo com critérios preestabelecidos, a resistência pode ser classificada como: baixa (menor do que 5), moderada (maior do que 5 e menor do que 10) e alta (acima de 10). “É importante chamar atenção que o programa oficial de controle do vetor recomenda, para o manejo da resistência, a interrupção do uso do temefós em populações com RR acima de 3. Deve-se garantir a rotatividade com produtos inseticidas, com mecanismo de ação diferente da ação do temefós, como por exemplo, o biolarvicida Bacillus thuringiensis israelensis, com o intuito de impedir o estabelecimento/propagação da resistência e ao mesmo tempo não inviabilizar, de forma permanente, o uso do temefós para controle de A. aegypti”, afirmou a bióloga e coordenadora do estudo, Alice Varjal.


Na segunda situação simulando o campo, a linhagem altamente resistente ao temefós foi cruzada com um grupo apresentando baixo nível de resistência ao produto. As análises realizadas com as larvas sobreviventes ao contato com o inseticida mostraram que, após nove sucessivas gerações, a queda na razão resistência foi bem mais significativa, passando de 125 para 3, ou seja de alta para baixa. “Nesse caso, o processo de regressão da resistência ocorreu de forma mais rápida porque, na população com baixo nível de resistência, existia uma quantidade desconhecida de indivíduos susceptíveis que conseguiram sobreviver à dose do inseticida, favorecendo uma mistura maior entre indivíduos resistentes e susceptíveis”, explicou Alice.


No terceiro e último cenário, mosquitos da linhagem altamente resistente foram cruzados com mosquitos de laboratório, completamente suscetíveis ao temefós. Os testes com as larvas mostraram a recuperação total da suscetibilidade ao produto, após apenas três gerações. “Em campo, se não há certeza de que haja populações suscetíveis ao larvicida, há a possibilidade de liberarmos, no ambiente, machos suscetíveis, para que eles copulem com fêmeas resistentes e gerem descendentes/mosquitos com menor resistência ao temefós. Este procedimento não traria riscos epidemiológicos, uma vez que os mosquitos machos não estão envolvidos com a transmissão do vírus da dengue para o homem”, comentou Alice.


Além disso, esta metodologia se assemelha de alguma forma à técnica de liberação de machos estéreis, largamente utilizada no controle de pragas agrícolas. “Entretanto, diferentemente desta técnica, nosso objetivo não é o de inviabilizar as proles das fêmeas que acasalam com os machos susceptíveis. Pelo contrário, queremos aumentar a quantidade de indivíduos susceptíveis e reduzir a freqüência dos genes que estão induzindo à resistência”, contou a pesquisadora. “A alta resistência pode interferir na efetividade de controle do mosquito A. aegypti, enquanto a baixa resistência é apenas um indicativo de que a permanência de uso do produto poderá levar a falhas no controle”, complementou.


O tempo para desenvolver um nível de resistência tão alto, de acordo com Alice Varjal, pode variar em função de diferentes fatores relacionados ao mosquito (genéticos, bioecológicos e populacionais) e a sistemática de uso do inseticida em campo, sobretudo a área de cobertura e a freqüência de aplicação. Atributos reprodutivos, como a fecundidade e a fertilidade dos mosquitos podem ser reduzidos por conta da resistência. É o chamado “custo biológico”, que seria o “preço” que os mosquitos resistentes pagariam para sobreviver e se reproduzir mais, quando “pressionados” pela ação do inseticida, comparado aos indivíduos susceptíveis. Nesse caso, acontece uma “seleção artificial”, onde os que carregam os genes de resistência sobrevivem e transmitem essa característica para os seus descendentes.


De acordo com Alice, estes resultados, bem como a continuidade do estudo, poderão trazer contribuições importantes para o entendimento das bases genéticas da resistência ao tempefós. “Há dois anos mantemos uma colaboração importante com a Escola de Medicina Tropical de Liverpool (Inglaterra), com o objetivo de identificar, pela técnica de microarranjos, genes que são mais expressos na linhagem resistente comparado à susceptível. Esta análise está sendo conduzida pela pesquisadora Constância Ayres. Os resultados serão brevemente divulgados em outro artigo” acrescenta Alice.


Os novos conhecimentos gerados a partir destes estudos poderão ser úteis ao manejo da resistência, especialmente para a Rede Nacional de Monitoramento da Resistência do Aedes aegypti a Inseticidas, vinculada à Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde, responsável por avaliar os produtos utilizados no Programa Nacional de Controle da Dengue, da qual o laboratório da Fiocruz PE faz parte. Os resultados desta pesquisa, financiada pela Fiocruz, CNPq e Facepe, foram publicados na revista científica Acta Tropica.


Publicado em 6/8/2010.

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