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27/11/2009

Revista antecipa debate que compara gripes de 1918 e 2009

Renata Moehlecke


A revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos da Fiocruz publicou, pela primeira vez antes de sua versão impressa, um debate em modo digital no portal SciELO de periódicos científicos. Este artigo de estreia, intitulado A gripe de longe e de perto, reúne a opinião de sete historiadores latino-americanos que comparam a gripe espanhola, que matou milhões de pessoas no mundo em 1918, com a gripe A, também conhecida como suína, que foi considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), agora em 2009, uma pandemia.


 Influenza A (H1N1). Imagem: CDC

Influenza A (H1N1). Imagem: CDC


Os debatedores Adriana Alvarez, Ádrian Carbonetti, Ana Maria Carrillo, Cristiane Maria de Souza, Cláudio Bertolli Filho, Liane Maria Bertucci-Martins e Nara Azevedo destacam como foi a atuação das várias esferas de governos nacionais e locais, a posição dos médicos e dos meios de comunicação, e o comportamento das populações, especialmente no que se refere ao medo e à morte, no que diz respeito às duas enfermidades, com base, sobretudo, nas experiências vividas na Argentina, México e Brasil, seus países de origem. Além das estratégias e medidas terapêuticas profiláticas adotadas nos dois períodos pelos órgãos de assistência à saúde, o debate também incluiu os interesses privados ligados à venda de medicamentos, às medicinas populares e às influências da pandemia de 1918 sobre a crise de 2009.


“Durante a Primeira Guerra Mundial, estima-se que tenham morrido 15 milhões de pessoas, sendo 9,2 milhões em combate. Não se sabe quantos morreram de gripe no mundo inteiro; os cálculos oscilam entre 20 e 100 milhões. Só em outubro de 1918, foram notificados 930 óbitos de gripe na cidade do Rio de Janeiro. É quase o equivalente ao número de mortos em todo o Brasil, em consequência da epidemia que irrompeu em abril de 2009: 1.047, segundo a Folha de S. Paulo de 23 de setembro deste ano”, comenta o pesquisador organizador do debate Jaime Benchimol. “No texto apresentado, os leitores encontrarão informações, insights e especulações muitos interessantes sobre o desenrolar dessas crises médico-sociais em três países fortemente atingidos na atual pandemia”.



Um dos pontos de destaque da discussão é a maneira como as autoridades lidaram com a divulgação da informação para a população. “Em 2009, a OMS emitiu o alerta sobre a letalidade do vírus da gripe A. Em 1918, as informações eram, a princípio, esparsas, desencontradas e, em muitos casos, censuradas, inclusive devido ao momento em que a pandemia varreu o mundo: os meses finais da Primeira Guerra Mundial”, afirma a pesquisadora Liane Bertucci, complementando que o diferencial também se baseia não só no fato dos governantes terem acordado publicamente a liberação de informações sobre a doença, mas também por admitirem, posteriormente, a possibilidade de novo surto dela.



O pesquisador Claudio Bertolli Filho chama atenção para necessidade de avaliar o momento da crise em si. “Toda epidemia é acompanhada por seu duplo: a epidemia de medo. Uma diferença a ser apontada é que em 1918 a comunidade médica divergia sobre os recursos terapêuticos, ao passo que hoje todos os profissionais de saúde parecem endossar a idéia de que o Tamiflu é o medicamento indicado para a gripe, assim como todos esperam - não sem ansiedade - uma vacina imunizante. Mas eu me pergunto: se a epidemia ganhasse maiores proporções, seria mantida essa coerência?”, questiona Bertolli. Com relação aos medicamentos, Liane expõe uma opinião diferenciada. “Durante a gripe espanhola, o quinino era apresentado como uma das substâncias mais indicadas para tratar a gripe; guardadas as devidas proporções, foi o Tamiflu da época”, ressalta a pesquisadora. “E em 1918, como em 2009, as autoridades sanitárias tiveram de intervir na comercialização de um e outro produto, pois a corrida às farmácias foi desenfreada”.



Adriana Alvarez lembra que a questão da globalização pode ter influenciado na maneira como as pessoas lidaram com transmissão de conhecimento sobre as doenças. “A julgar pelas opiniões dos colegas do Brasil, México e Argentina, poderíamos afirmar que informação, desinformação, dados inexatos, discordância médica e ações diversas são denominadores comuns entre as pandemias de 1918 e a atual”, explica Adriana. “Estes fatores que servem para descrever situações similares entre esses países, tanto no século 20 quanto nos tempos atuais, ajudam a explicar limitantes que teriam condicionado essas medidas, como a noção de fronteiras. Nenhum país está a salvo do mal por ser seletivo em suas relações internacionais, por mais efetivos que sejam os controles epidemiológicos estabelecidos nas nações do continente”. 



No que diz respeito às medidas tomadas para o combate às doenças, os pesquisadores apresentam diversas opiniões. “Concordo com a afirmação de que as medidas tomadas em 1918 foram idênticas às impostas no ano de 2009”, esclarece Adrián Carbonetti. “Em ambos os momentos históricos, escolas foram fechadas, reuniões públicas foram proibidas, teatros e bares foram desaconselhados etc.”.


Já Liane Bertucci destaca as diferenças no cuidado direcionado a grupos de risco. “Em 1918, nas primeiras semanas da epidemia no Brasil, os órgãos de saúde pediam maior cuidado com os idosos, mas é perceptível a preocupação dos médicos de então com crianças e doentes crônicos. Entretanto, com a veloz difusão da gripe e sua crescente letalidade, a questão dos grupos de risco ficou em segundo plano”, elucida a pesquisadora. “Hoje, a situação se inverteu: a preocupação com idosos existe, mas são os cuidados com as crianças e doentes crônicos que ganham destaque, inclusive na mídia, além da preocupação com as gestantes. Os cuidados especiais com grupos de maior risco têm efeito multiplicador na sociedade, pois transmitem a sensação de que a doença pode ser controlada com meios preventivos, incentivando a adoção, por todos, dos meios de prevenção”.


Para ler o artigo/debate online, clique aqui.


Publicado em 24/11/2009.

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