06/05/2015
A intolerância está na origem e é sintoma da barbárie. Essa é a questão que traz a edição n°152 de maio de 2015 da Revista Radis, que está disponível on-line. O editorial assinado pelo editor-chefe da publicação, Rogério Lannes, indica que essa atitude “encontra terreno fértil no conservadorismo e visões reacionárias que ganham hegemonia no mundo de hoje. Mas também em qualquer ambiente em que pessoas, instituições ou grupos sociais, religiosos e políticos se julguem donos da verdade ou melhores do que os demais. É fruto da combinação de ignorância com arrogância, de se supor certo mesmo imerso na desinformação. Intolerância afeta diretamente a saúde das pessoas e é um problema que diz respeito ao Estado e a toda a sociedade.” A matéria de capa faz uma reflexão sobre as dimensões da intolerância e considera que o antídoto dela está na liberdade para o exercício de direitos e no respeito à diversidade. O respeito é uma opção, uma postura deliberada que permite o encontro dialógico com o outro, como defendia o filósofo Martin Buber, cuidar e ser cuidado, como insiste o teólogo Leonardo Boff, aponta o editorial.
Em entrevista à revista, Boff disse que pessoas que enxergam apenas a sua própria verdade tendem a acreditar que os outros não merecem respeito, devendo ser marginalizados, combatidos, perseguidos e eventualmente eliminados. Ele endossa a ideia de que a intolerância nasce e cresce com a incapacidade de se conviver com o diferente - seja alguém de outra classe social, de outra etnia, de outra orientação sexual, de outra religião e até de outro partido político - mas também demonstra a fragilidade da cultura democrática, já que esta parte do pressuposto de que todos são portadores de direitos, gozam de igualdade diante das leis e são participantes da sociedade.
A falta de educação política também é um fator que favorece a intolerância, analisa o psicólogo social Fábio Belloni, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP) na reportagem. Para o pesquisador, que também é diretor da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme) e integrante do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Ensp, a ausência de formação para a cidadania impede que as pessoas conheçam, valorizem e exerçam seus direitos mais básicos, como educação, saúde e moradia, e também aqueles ligados ao exercício de sua singularidade, como liberdade religiosa e livre orientação sexual. Esta carência, acrescenta ele, se reflete em uma sociedade onde indivíduos são determinados a desempenhar papéis sociais definidos, e que não admite a divergência e desvaloriza a diversidade.
O sociólogo e cientista político Gustavo Venturi, professor do departamento de Sociologia da USP, concorda que o conceito de tolerância carrega uma carga negativa, por estar ligado à ideia de imposição e não à de vontade. Ele aposta na valoração da diversidade, como algo que é benéfico para a vida em sociedade. “A convivência é vaga, o respeito trabalha com igualdade recíproca, mas a diversidade enriquece nossa convivência, nossas perspectivas e nos torna seres humanos mais plenos. Ou seja, faz bem à saúde mental e física”.
Outra matéria que a Radis apresenta nessa edição aborda a aprovação do projeto de lei que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos de idade, sob protestos dos que defendem os direitos de crianças e adolescentes. O projeto de lei de 1993 foi tirado da gaveta pela Câmara dos Deputados e ganhou força, espalhando ameaças de retrocesso na proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes.
Para o representante do Unicef no Brasil, Gary Stahl, entrevistado pela revista, “é perturbador que o país esteja tão preocupado em priorizar a discussão sobre punição de adolescentes que praticam atos infracionais registrados ocasionalmente, quando torna-se tão urgente impedir assassinatos brutais de jovens cometidos todos os dias”. O discurso de Stahl se baseia em dados que demonstram que majoritariamente, em vez de autores de atos de violência, os adolescentes brasileiros são vítimas do crime. O Brasil é o segundo lugar no mundo em número absoluto de homicídios de adolescentes, atrás somente da Nigéria, com mais de 33 mil mortes de pessoas entre 12 e 18 anos no período de 2006 a 2012. Os homicídios representam 36,5% das causas de morte, por fatores externos, de adolescentes brasileiros, enquanto para a população total correspondem a 4,8%. “As vítimas têm cor, classe social e endereço. Em sua grande maioria, são meninos negros, pobres, que vivem nas periferias das grandes cidades”, reforçou Stahl à Radis.