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16/12/2008

Rumo ao interior

Fernanda Marques


Um dos grandes desafios para a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) é a distribuição geográfica dos profissionais e serviços de saúde, ainda fortemente concentrados nas regiões Sul e Sudeste. Compreender esse desafio e fornecer subsídios para enfrentá-lo são os objetivos do livro Rumo ao interior: médicos, saúde da família e mercado de trabalho, recém-lançado pela Editora Fiocruz. Os autores são dois pesquisadores da Fiocruz: Maria Alice Fernandes Branco e Romulo Maciel Filho, ex-diretor da Fiocruz Pernambuco e hoje assessor especial do ministério da Saúde, José Gomes Temporão, que assina o prefácio da obra.






O primeiro capítulo do livro discute os fatores que conformaram o atual cenário da distribuição dos médicos no Brasil, abordando encontros e desencontros entre o mercado de trabalho e a oferta desses profissionais nas regiões do país. Entre os muitos dados apresentados, estatísticas do Conselho Federal de Medicina (CFM) mostram que, em 2007, havia um médico para cada 1.583 habitantes do Maranhão, enquanto essa proporção era de um para 275 no Rio de Janeiro.



Essa distribuição desigual dos médicos reflete outros problemas: a concentração dos serviços de saúde e das escolas médicas nas regiões economicamente mais favorecidas. Das 119 escolas existentes no Brasil em 2006, 67% estavam no Sul e Sudeste. E mais: das escolas na região Sudeste, 75% eram localizadas em São Paulo e Rio de Janeiro. Assim, os médicos continuam concentrados no Sul e Sudeste, apesar da expansão dos postos de trabalho no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Nestas três regiões, aliás, os percentuais de médicos que exerciam quatro ou mais atividades profissionais ultrapassavam os 25% em meados dos anos 90.  



“Esse cenário acarreta um grande desafio para a política de saúde, especialmente no momento em que se tenta reformular e humanizar o modelo assistencial. Com o objetivo de examinar como o país vem lidando com esse problema, vale a pena conhecer as estratégias e alternativas já empregadas”, dizem os autores, abrindo caminho para o segundo capítulo do livro, que analisa as intervenções, iniciadas na década de 60, para fixar médicos e outros profissionais no interior do país.



São quatro os programas analisados: o Projeto Rondon, o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (Piass), o Programa de Interiorização do SUS (Pisus) e o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (Pits). Este último, por constituir a iniciativa mais recente do Ministério da Saúde nesse campo e possuir características inéditas, é avaliado em detalhes no terceiro capítulo do livro.



O Pits cobriu 272 municípios, sobretudo das regiões Nordeste e Norte, mas também do Cetro-Oeste e do norte de Minas Gerais. Nesses municípios, prevaleciam a baixa renda e a baixa escolaridade, associada a uma infra-estrutura urbana de serviços também precária. Dos médicos que se inscreveram no Pits entre 2001 e 2003, cerca de 90% desistiram antes de irem para os municípios de lotação. Ao longo do capítulo, o perfil dos médicos envolvidos com o Pits é traçado com transcrições de depoimentos e cerca de 30 tabelas.



Na pesquisa, foi perguntado aos médicos o que eles consideraram satisfatório no programa, sendo que a atuação profissional junto às comunidades carentes foi, no geral, a opção mais assinalada. Os resultados também revelaram que, para a maioria, a experiência de ter participado do Ptis foi positiva em termos profissionais e pessoais. Para os rumos futuros do programa, os médicos apostam na manutenção do programa com aperfeiçoamentos constantes.



Por fim, o quarto capítulo do livro busca repensar as políticas e estratégias direcionadas à distribuição e fixação de médicos no Brasil. “A gestão do SUS impõe o enfrentamento do problema da má distribuição e fixação de médicos, o que exige que as questões referentes à condução do trabalho e da educação na saúde sejam colocadas no mesmo grau de importância da descentralização, do financiamento e do controle social”, dizem os autores.



Eles recomendam que “o enfrentamento do problema integre a agenda do Estado e seja tratado no âmbito dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, como parte do plano de desenvolvimento econômico e social do país”. Também consideram pertinente a Política Nacional de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde e destacam a importância de ouvir os profissionais de saúde, a população, os gestores, as instituições de ensino e pesquisa e as entidades de classe. “A finalidade é identificar, segundo a percepção desses atores, os nós críticos e recomendações para que as estratégias de intervenção governamental possam apresentar maior eficácia e adesão”, concluem.



Publicado em 16/12/2008.

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