31/05/2013
Nathállia Gameiro
São vários os problemas enfrentados pelos estabelecimentos prisionais. Segundo dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça (Infopen), cerca de 520 mil pessoas vivem presas em 1.771 estabelecimentos penais, que têm capacidade para menos de 310 mil indivíduos. O direito à saúde é um direito fundamental a toda sociedade e dever do Estado. Assim, a Fiocruz e os ministérios da Saúde e da Justiça instituíram grupos de trabalho que visam garantir o direito à saúde da população carcerária, muitas vezes sujeita a condições propícias a doenças. O projeto de pesquisa Do plano à política: garantindo o direito à saúde para todas as pessoas do sistema prisional, iniciado em 2011, tem como objetivo definir instrumentos a fim de fortalecer uma política pública de sistema prisional eficiente, capaz de atender às necessidades não só físicas, mas também psicológicas das pessoas privadas de liberdade. Ao longo deste período, foram oferecidos subsídios à gestão federal para que a Política Nacional fosse formulada, principalmente – mas não só – por meio de encontros com os diferentes segmentos envolvidos, gestores, trabalhadores, pesquisadores e sociedade civil. O coordenador da pesquisa e pesquisador do Programa de Direito Sanitário (Prodisa) da Fiocruz Brasília, Martinho Silva, comenta os desafios e explica os resultados obtidos pelo projeto na entrevista abaixo.
A saúde no sistema prisional tem sido esquecida?
Silva: Pelo contrário, a saúde no sistema prisional tem sido pautada cada vez mais no âmbito do Ministério da Saúde, no sentido de aumentar o acesso da população carcerária às ações e serviços de saúde. O que tem sido esquecida é a pessoa privada de liberdade, já que a população carcerária brasileira cresce cada vez mais, em convergência com o fenômeno mundial do encarceramento em massa.
Qual é a realidade hoje dos presídios?
Silva: Basicamente, a superlotação e a insalubridade marcam o cotidiano dos estabelecimentos penais no Brasil: há 300 mil vagas para 500 mil pessoas privadas de liberdade. Há muitas celas sem sequer ventilação adequada, quanto mais espaço apropriado para cuidar da higiene.
Quais são os maiores problemas enfrentados nos estabelecimentos prisionais hoje? Existe saneamento básico nas penitenciárias?
Silva: Muitos apostam no aumento de vagas como solução para a superlotação, mas o impasse colocado pelo sistema diz respeito a algo que o ultrapassa: a privação de direitos da população privada de liberdade. A questão é que algumas vezes o primeiro ou um dos primeiros atendimentos em saúde de uma pessoa acontece no sistema prisional, ou seja, trata-se de uma população que não costuma ter acesso aos serviços públicos antes de cometer a infração, vivendo em condições que não faz parte do seu cotidiano frequentar serviços de saúde, vindo a conhecer um dentista ou um psicólogo na equipe de saúde no sistema penitenciário/Epen, já dentro do sistema prisional.
O que a falta de saneamento básico pode resultar?
Silva: Doenças infectocontagiosas, em especial tuberculose e hepatite, entre outras.
Podemos afirmar que os serviços de saúde são insuficientes e carentes?
Silva: Há mais de 250 Epen em mais de 300 estabelecimentos penais no Brasil, sendo que existem em torno de 1.770 destes estabelecimentos. As 250 Epen estão em estabelecimentos nos quais se encontram aproximadamente 100 mil das mais de 500 mil pessoas privadas de liberdade. Ainda é muito pouco.
O direito à saúde é respeitado?
Silva: Caminhou-se bastante no sentido de aumentar o acesso às ações e serviços de saúde nestes dez anos de Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP), mas nem tanto na diminuição do risco de adquirir agravos e doenças, dada a insalubridade aparente estrutural do sistema prisional brasileiro nas últimas décadas.
O senhor acredita que as iniquidades na sociedade brasileira se tornam claras quando o assunto é saúde, especialmente no sistema prisional?
Silva: Sem dúvida. Foi o que eu disse em relação ao fato de que, antes mesmo de entrar no sistema prisional e se tornar uma pessoa privada de liberdade, esta população já é privada de direitos.
Acredita que o poder público está sendo negligente na questão do sistema prisional?
Silva: A resposta a esta pergunta exigiria uma definição precisa de negligência. Levando-se em conta a elaboração do PNSSP em 2003 e o processo recente de formulação da Política Nacional de Saúde no Sistema Prisional, não, já que é uma pauta que se encontra na agenda do Estado há algum tempo. Mas se considerarmos o alcance deste plano em vigor e compararmos a atuação governamental para garantir o direito à saúde de pessoas privadas de liberdade com a dirigida a outras populações vulneráveis, talvez sim.
Quais são as barreiras que existem para a efetivação da saúde?
Silva: Principalmente a regulamentação de um escolta adequada para as unidades de saúde fora dos estabelecimentos penais.
O que é preciso fazer ainda para efetivar o direito à saúde no sistema prisional?
Silva: O que está sendo feito: formular uma Política Nacional de Saúde no Sistema Prisional, reunindo para tanto gestores, trabalhadores, pesquisadores e sociedade civil em um processo coletivo de elaboração de propostas.
O senhor acredita que é preciso ter alguma mudança antes de implementar a Política Nacional de Saúde?
Silva: Uma das propostas que surgiu nos encontros promovidos pela pesquisa Do plano àolítica: garantindo o direito à saúde para todas as pessoas do sistema prisional foi a de garantir que a arquitetura prisional se ajuste às normas da vigilância sanitária. Creio que pode ser uma boa coisa a se levar em conta antes da implantação da política, mas que provavelmente acontecerá durante a implementação.
A educação está de alguma forma relacionada com a saúde?
Silva: As primeiras iniciativas de prevenção de doenças e promoção à saúde no sistema prisional não aconteceram nas Epen, mas nas salas de aula dentro dos estabelecimentos penais.
Qual é a importância da inter-setorialidade para a efetivação da saúde como um direito?
Silva: Fundamental no caso da garantia do direito à saúde para a população carcerária. Tão fundamental que sem uma ação intersetorial é difícil até mesmo ter acesso às pessoas privadas de liberdade, já que o acesso aos estabelecimentos penais e suas celas costuma ser mediado por agentes de segurança, cuja responsabilidade é a custódia e tratamento dos ali confinados.
O Plano Nacional de Saúde foi o primeiro passo para inserir a expectativa de ver o direito à saúde concretizado?
Silva: O PNSSP foi sim um primeiro passo, agora é partir para a Política Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário.
Quais são os problemas que o plano apresenta?
Silva: O PNSSP é restrito à população penitenciária, às pessoas privadas de liberdade já julgada e condenada, não oferta ações e serviços de saúde para a população carcerária como um todo, excluindo quem se encontra detido nas delegacias, por exemplo.
Quais são os resultados obtidos até agora com o projeto Do plano à política: garantindo o direito à saúde para todas as pessoas do sistema prisional?
Silva: O principal: o controle social da Política Nacional de Saúde no Sistema Prisional, por meio da inclusão do segmento da sociedade civil no processo de monitoramento e avaliação desta Política, foi pautado e consensuado nos encontros. Também foi consensuado um financiamento equivalente ao voltado para outras populações vulneráveis, como a população quilombola, do mesmo modo uma recomendação sobre a forma apropriada de escolta: nos casos em que a pessoa privada de liberdade se encontra em situação grave da perspectiva da Epen, esse parecer deve ser levado em conta pelos agentes de segurança, do mesmo modo que a decisão sobre o procedimento mais apropriado para conduzir esta pessoa à unidade de saúde deve ser de responsabilidade exclusiva dos agentes.