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18/02/2010

Sanitarista sugere criação de sistema de vigilância global para monitorar doenças

Adriano De Lavor


O sanitarista Paulo Chagasteles Sabroza, que é pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), afirmou no 3º Congresso Nacional de Saúde Pública Veterinária, em Bonito (MS), que o mundo vive uma “conjuntura epidêmica”, apesar do desenvolvimento tecnológico e do processo de urbanização nas Américas. “Falta um procedimento de controle”, assinalou. Sabroza citou como exemplo de sua reflexão as doenças emergentes, “que romperam com a ideia de que as doenças transmissíveis eram coisa do passado”. Elas são caracterizadas, entre outros aspectos, por apresentarem novos sintomas ou demorarem longo tempo para se manifestar; por serem causadas por novos patógenos ou por se tornarem comuns (quando eram raras).


 Entre as causas da vulnerabilidade no Brasil, o sanitarista lista o envelhecimento da população, a urbanização, o aumento da densidade populacional em polos urbanos e outros fatores

Entre as causas da vulnerabilidade no Brasil, o sanitarista lista o envelhecimento da população, a urbanização, o aumento da densidade populacional em polos urbanos e outros fatores


O sanitarista explicou que doença emergente não é uma categoria clínica, mas uma “ideologia científica”, que anuncia novo campo de pesquisa, com financiamento, escolas e currículos. Ele lembrou que é importante haver um acompanhamento das mudanças em tempo real, já que “o emergente não é apenas novo, mas surgiu em função da complexidade de um sistema” e citou o exemplo das doenças cuja causa, “não linear”, são as tensões advindas dos novos processos produtivos e que exigem uma análise transdisciplinar.


Sabroza recomendou um sistema de vigilância global, com monitoramento em tempo real, que dê conta da ideia de emergência, e lembrou que o padrão de morbi-mortalidade no Brasil é diferente daquele dos países desenvolvidos, “não pela falta de desenvolvimento, mas pelo modelo adotado, que aumenta a vulnerabilidade”. O sanitarista definiu vulnerabilidade como “a expressão simultânea da liberdade humana e de seu abuso”, que deriva das opções de desenvolvimento econômico e tecnológico, do poder exercido pelos seres humanos sobre outros ou sobre o funcionamento da natureza e que reage e intervém nos ciclos da vida humana e não humana.


Entre as causas da vulnerabilidade, ele lista o envelhecimento da população; a urbanização e o aumento da densidade populacional em polos urbanos; a redução da resistência por exposição a produtos tóxicos; o desgate por obesidade e outros problemas do consumo; a degradação ambiental e a perda da biodiversidade; o comércio e consumo de animais selvagens; o aumento da mobilidade por instabilidade no trabalho; a persistência de bolsões de miséria e de desigualdade social.


Em relação às zoonoses, Sabroza explicou que o Brasil apresenta uma diversidade de patógenos em todos os biomas; alguns causam maiores problemas, como a leishmaniose tegumentar, “um dos problemas decorrentes da persistência das desigualdades”, já que até 1980, a doença era problema de populações isoladas.


Hoje, detecta-se um aumento na densidade dos casos, em parte, decorrente das atividades produtivas. A construção das usinas de Tucuruí e Carajás e a expansão da fronteira agrícola são exemplos dessa realidade. O mesmo aconteceu com um novo ciclo de febre amarela, em 2000, em locais com padrão mais urbano. Antes, os focos eram territórios agrários. Variações climáticas, processos de trabalho e novas relações com o hospedeiro podem ter ocasionado a mudança.


Coordenador do Programa Nacional de Controle da Dengue, Giovaninni Evelin Coelho afirmou, também no evento, que evidenciou os aspectos epidemiológicos que nortearam a resposta brasileira à doença, em 22 anos de histórico no país. No último período de surto, houve a introdução do sorotipo 3 no Rio de Janeiro e a reinserção do sorotipo 2 em crianças e adolescentes, o que causou um aumento no número de hospitalizações e a ocorrência de casos graves, com febre, hemorragia e mortes.


Segundo ele, há um padrão de mudanças significativo, com gravidade cada vez mais acentuada na população concentrada em pessoas com menos de 15 anos. “Há uma tendência de a dengue se tornar uma doença pediátrica”, assinalou o pesquisador, informando que o Ministério da Saúde tem organizado parcerias para proporcionar uma resposta mais organizada e articulada.


Giovaninni lembrou que muitos determinantes incidem sobre a assistência, “único elo de resposta absoluta do SUS”, que é capaz de impactar a taxa de letalidade; por outro lado, há de se ter atenção com a triagem, para que o sistema se organize e evite estrangulamentos: “Paciente com dengue em serviço desorganizado vai competir com outros agravos”, exemplificou. Para ele, é necessária a definição de atribuições para que se possa classificar o risco e a gravidade. “A maioria dos casos é facilmente tratável pela assistência primária, mas todos os níveis devem estar preparados”.


Ele salientou que não há indicadores e preditores de epidemia de dengue, embora a sazonalidade da doença (janeiro a maio) possa ser usada em seu combate. A colaboração da Vigilância Epidemiológica e da Rede Cievs foi ressaltada por Giovaninni, que assinalou também a importância do controle de vetores e da articulação entre assistência, vigilância em saúde e comunicação.


Publicado em 12/2/2010 (e originalmente publicado na revista Radis número 90).

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