28/06/2019
Erika Farias (Agência Fiocruz de Notícias)
A Comissão de Respeito à Diversidade do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz), com apoio do Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz, realizou, na última terça-feira (26/6), o evento Experiências no atendimento ao público LGBTQI+. O encontro marcou a semana dos 50 anos da Rebelião de StoneWall, movimento que deu origem ao Dia do Orgulho LGBT - e de todos os grupos que viriam a ser incluídos nesta sigla -, celebrado hoje, 28 de junho.
Rebelião
Décadas atrás, bares de Nova Iorque, nos Estados Unidos, eram proibidos de vender bebidas para homossexuais. Neste período, incursões policiais em bares frequentados por gays eram costumeiras, enquanto funcionários e frequentadores eram geralmente detidos. Até que, em 28 de junho de 1969, quando a polícia invadiu o bar StoneWall Inn, quem estava por lá resistiu. Conta-se que uma transexual, ao ser presa e agredida pela polícia, gritou indignada para quem assistia à cena “Vocês não vão fazer nada?”. Um motim, então, irrompeu em frente ao bar. No ponto alto da rebelião, manifestantes deram início a marchas nas ruas, aos gritos de Gay Power.
Foram seis dias de reivindicações que; para a surpresa de todos, angariavam minuto a minuto mais aliados. Um ano depois, seria realizada a primeira Parada do Orgulho LGBT e 28 de junho, dia da Rebelião de StoneWall, seria lembrado mundialmente como o Dia do Orgulho LGBTQI+ (sigla que engloba lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, queer, intersexo; o ‘+’ representa áreas de gênero e sexualidade que as letras não descrevem).
Atendimento ao público LGBTQI+
Na abertura do evento, apresentado pela integrante da Comissão Interna de Respeito à Diversidade do INCQS Elaine Lúcia da Silva, foi exibido um vídeo produzido pela Coordenação de Comunicação Social da Presidência da Fiocruz. Com o tema Orgulho de ser quem você é, o vídeo contou com depoimentos de Patrícia Condé, do Departamento de Química e Carlos Nascimento, do Departamento de Microbiologia, ambos do INCQS e integrantes do Comitê Pró-Equidade.
O diretor do INCQS, Antonio Eugenio de Almeida, abriu o evento lembrando que somos todos humanos e que somos todos diversos. “A discriminação contra pessoas por conta de sua orientação sexual leva à dor de não poder ser quem se é”, afirmou. Mara Pereira, também integrante do Comitê Pró-Equidade, falou sobre a criação da Comissão Interna. “O objetivo é propor, implementar e monitorar as ações internas do Instituto relativas aos temas de diversidade”, disse.
Papel da Gestão
Para falar sobre experiências na Fiocruz, foram convidados Bruno Vantine, analista de Gestão de Recursos Humanos do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos) e Luiz Montenegro, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp). Bruno iniciou sua fala reforçando a necessidade das unidades anteverem questões de preconceito e não apenas reagirem a demandas, como é o caso do INCQS, que criou uma comissão voltada a debater o tema diversidade.
Convidados falaram sobre a necessidade das unidades da Fiocruz anteverem questões de preconceito e não apenas reagirem a demandas (foto: Pedro Paulo Gonçalves)
Ao apresentar para o público um caso de Bio-Manguinhos envolvendo uma profissional trans, e a forma como a gestão tem lidado as questões suscitadas pelas relações pessoais e de trabalho, o profissional foi enfático. “O problema nunca é a população LGBTQI+, e sim a população cis (aquela que se identifica com seu sexo de nascença). São eles que não aceitam, não respeitam e que burocratizam os processos”, afirma.
Bruno também reforçou que, devido ao fato de a Fiocruz integrar o Sistema Único de Saúde (SUS), cabe a ela defender os princípios da universalidade e equidade. Segundo ele, entendendo que a diversidade é uma característica humana, a gestão deve colocar esse tema em pauta. “É a alta direção que vai dar o tom dos processos – e eles são de cima para baixo. Não se pode pedir para que os trabalhadores LGBTs se organizem para ‘lutar’ por suas questões”, explica. “A Fundação não deve delegar para o indivíduo uma responsabilidade que é institucional”, argumenta.
Tipos de violência
O segundo convidado da manhã foi Luiz Montenegro, pesquisador da Ensp. “A gente passa a vida ouvindo e aprendendo sobre homem e mulher como se não existisse nada entre esses dois, mas 3 milhões de pessoas na Avenida Paulista no último domingo (Parada do Orgulho LGBT) mostram alguma coisa, né? Mostram que a gente não vai voltar para o armário, o negro não vai voltar para a senzala e a mulher não vai voltar para a cozinha. Eles vão ter que se acostumar”, afirma Luiz.
A cada 16 horas um LGBT é morto no Brasil – país que ocupa o ranking de mortes por LGBTfobia no mundo*. Ainda por aqui, a expectativa de vida de uma transexual é de 35 anos. Podemos somar a isso também o número de suicídios entre essas pessoas. “Os LGBTs não são depressivos, não são doentes. Nós somos adoecidos por uma sociedade que nos exclui. Vale repetir o que o Bruno disse. O problema não são os LGBTs. São os outros. Os que não nos aceitam”, revela.
Luiz fez parte do Projeto Divas - Diversidade e Valorização da Saúde, um estudo coordenado pela pesquisadora da Ensp Monica Malta, em parceria com a Universidade Johns Hopkins, o Departamento de DST/Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde e a Unesco, com objetivo de conhecer a realidade de mulheres transexuais e travestis de municípios brasileiros. O pesquisador falou sobre a questão do HIV neste grupo. “19% da população com HIV está dentro da população trans. E 73% das mulheres trans que fizeram teste positivo para HIV não tinham consciência que viviam com a doença, devido ao difícil acesso ao sistema de saúde”, conta.
Projeto SUS Generis
Durante a tarde, aconteceu o pré-lançamento do jogo Anamnesis, do projeto SUS Generis, coordenado por profissionais da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) em parceria com outras unidades da Fundação. O jogo eletrônico, selecionado para financiamento no último Edital de Recursos Comunicacionais da instituição, tem o objetivo de informar sobre políticas de saúde relativas à diversidade de gênero e sexualidade e sobre a necessidade de acolhimento adequado à diversidade nas Unidades Básicas de Saúde.
Professora e pesquisadora da EPSJV Cynthia Dias explica que o jogo foi construído a partir das principais palavras usadas em entrevistas realizadas pela equipe durante a produção do game. “A ideia é desconstruir estigmas. As regras do jogo falam por si. Usamos a tomada de perspectiva para que, ao se colocar no lugar do outro, a sensibilização aconteça naturalmente”, explica. O jogo deve ser lançado nos próximos meses.
Relatos
O evento terminou com depoimentos de profissionais do INCQS sobre suas descobertas e trajetórias. Ronald Santos Silva, Carlos Nascimento Sobrinho, Patrícia Condé e Magno Maciel Magalhães abriram suas vidas para a plateia, emocionando e levando os presentes das gargalhadas às lágrimas.
Ronald Santos Silva, Carlos Nascimento Sobrinho, Patrícia Condé e Magno Maciel Magalhães relataram suas trajetórias (foto: Pedro Paulo Gonçalves)Conquistas
Cinquenta anos se passaram desde StoneWall. Apesar do conservadorismo, algumas garantias foram conquistadas nos últimos anos no Brasil. Desde 2002, a homossexualidade não é considerada uma doença; o casamento de pessoas do mesmo sexo e a adoção por casais gays foram legalizados pelo Supremo Tribunal Federal (STF); este ano foi oficialmente retirada a classificação da transexualidade como transtorno mental; e, este mês, mais uma vitória: o STF determinou que casos de agressões contra o público LGBT sejam enquadrados como o crime de racismo até que uma norma específica seja aprovada pelo Congresso Nacional.