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07/06/2013

Secretário Carlos Minc apresenta palestra no Museu da Vida

Marina Lemle


Em Rio Bonito, município na Baixada Litorânea do Estado do Rio de Janeiro, 15 famílias cortavam árvores da Mata Atlântica para, em fornos ilegais, produzir carvão para abastecer os churrascos de fim de semana da região dos Lagos. O desmatamento avançava sem controle até que um projeto apoiado pela Faperj ofereceu uma alternativa econômica legal e sustentável a essas famílias: a produção de chips de banana, matéria-prima farta na região. A iniciativa foi um dos exemplos que o secretário estadual do Meio Ambiente do Rio de Janeiro, Carlos Minc, apresentou na sua palestra na abertura da Semana do Meio Ambiente, no auditório do Museu da Vida, na Fiocruz, em 4 de junho. "A experiência é pequena, mas representa uma alternativa eficiente, com sustentabilidade ecológica, econômica e social", disse. Outro caso trazido pelo secretário é o das pessoas que criavam gado em pleno Parque da Pedra Branca. Em troca de um salário mínimo e meio, agora eles reflorestam as matas do entorno do rio Sarapuí.

Therezinha Rodrigues, Carlos Minc, Valcler Rangel e Roberto Vizentin na mesa de abertura da Semana do Meio Ambiente na Fiocruz

 

Minc destacou que há decadas a Fiocruz apoia o estado com embasamento técnico-científico em questões que envolvem saúde ambiental e humana. Ele lembrou que, em 1992, uma parceria com a Fundação deu subsídios ao Estado para apoiar a luta de metalúrgicos da construção naval de Niterói contra o uso da tecnologia de jato de areia e do amianto, que causava silicose, ou "pulmão de pedra", como eles chamavam. Os médicos dos estaleiros não diagnosticavam silicose, mas sim tabagismo e outras doenças. Ao longo de sete anos, a Fiocruz diagosticou 580 trabalhadores com silicose, e suas chapas pulmonares foram fundamentais para a aprovação da Lei que ordenou a substituição da tecnologia por alternativas saudáveis.
 
O secretário de Meio Ambiente lembrou ainda da importância da Fiocruz na decisão pela retirada do chumbo tetraetila da gasolina, que afetava a saúde dos trabalhadores do petróleo. "É sempre bom voltar a uma casa que ajudou movimento ecológico a ter vitórias tão importantes. A Fiocruz participou de todas as lutas por tecnologias limpas e pela saúde", afirmou. Das lutas atuais, Minc ressaltou o papel da Fundação na questão da CSN, que contamina o solo e o lençol freático com 14 produtos em até três metros de profundidade. "Agora a Fiocruz fará os exames para avaliar as pessoas. As empresas sempre tentam desqualificar os laudos científicos apresentados, porque dói no bolso delas. Mas a luta é permanente. Viva a aliança da Fiocruz com os ambientalistas e os trabalhadores", enfatizou.
 
O secretário abordou ainda a questão das águas, tema prioritário da Semana do Meio Ambiente. Segundo ele, um problema central no Rio é a falta de saneamento básico, principal causa de mortalidade infantil por doenças como diarreias e hepatites. "Há contaminação por esgoto, lixo e químicos. Os desafios são muitos e a aliança das áreas da saúde, tecnologia e ambiente é fundamental para que avanços aconteçam na qualidade de vida e na saúde", concluiu.
 
Em nome do presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde, Valcler Rangel, agradeceu a participação de Minc e o reconhecimento pelo trabalho realizado pela Fundação e seus trabalhadores. "Esta aliança inspira nossa luta diária a serviço da missão da instituição", disse. Rangel explicou que a Fiocruz tem concentrado esforços na relação da saúde com cinco eixos temáticos - biodiversidade, mudanças climáticas, impacto de grandes empreendimentos, saneamento e saúde do trabalhador.

Ele contou que a Fundação vem conversando com o BNDES para que  seus investimentos não tragam prejuízos ambientais e à saúde das pessoas e destacou a participação da Fiocruz no Plano Nacional de Saneamento Básico, que prevê um processo de universalização do saneamento nos próximos 20 anos, com investimentos de R$ 500 bilhões, públicos e privados. "Vinte milhões de pessoas no Brasil não têm acesso a água tratada, principalmente na região Nordeste e Norte. O plano visa prover acesso a agua e esgoto, manejo de resíduos sólidos e das águas fluviais, para atingir outro patamar civilizatório. Vamos colocar as pesquisas da Fiocruz a serviço dessa outra etapa do desenvolvimento do país, tendo em vista também os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável", contou.
 
A diretora de Administração do Campus (Dirac/Fiocruz), Therezinha Rodrigues, que junto com a Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde promoveu as atividades da Semana do Meio Ambiente, destacou iniciativas do programa Fiocruz Saudável de gestão dos recurso hídricos, como estratégias de uso e reuso da água, monitoramento do consumo e controle automatizado para evitar perdas. Segundo Therezinha, hoje quase todo o esgoto gerado na Fundação é tratado e acrescentou que a Ensp está desenvolvendo um projeto para que o esgoto da comunidade do Amorim, que passa dentro do campus, seja tratado na Estação de Tratamento da Fiocruz. Ela acrescentou que as ações do Fiocruz Saudável já começam a ser estendidas a outros campi da Fundação.
 
A abertura foi encerrada com uma palestra do agrônomo Roberto Vizentin, presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Ele abordou a situação de pobreza em que vivem muitas pessoas que habitam no entorno ou nas unidades de conservação do Brasil e que cuidam das riquezas do país, como a floresta, o cerrado e o mangue. "O Brasil é o sétimo país mais rico do mundo e deverá ser o quinto nos próximos anos. Estas pessoas precisam ser providas de políticas públicas elementares como saneamento. Não pode falar de conservação da biodiversidade sem preocupação com as pessoas", frisou.
 
Vizentin ressaltou que o Brasil tem 12% de toda a água doce do planeta, sendo a maior potência hídrica do mundo, mas o acesso a essa água não é igualitário. Além disso, o modelo de desenvolvimento do agronegócio, baseado nas grandes monoculturas e na pecuária, não obedece a critérios ambientais e acaba por comprometer a água, necessária para a própria agricultura. "As margens dos principais rios estão sendo desmatadas. As nascentes do rio São Francisco que estão fora dos limites do Parque Nacional da Canastra estão muito comprometidas. As cabeceiras das bacias tem que ser cuidadas. Já estamos começando a ter escassez de água, e não só por questões naturais. A desertificação do semiárido tem influência da ação antrópica, que suprime a vegetação da caatinga. Não é um problema natural que não possa ser evitado. Programas de combate à desertificação demonstram que pode-se inclusive recuperar áreas desertificadas. Precisamos fazer campanhas com grandes produtores para não matarem a sua galinha dos ovos de ouro com uma expansão desordenada", afirmou.
 
Outro risco que Vizentin destacou é o de contaminação das águas subterrâneas por pesticidas usados na agricultura. "Nas chapadas só com soja e algodão no Mato Grosso, os venenos entram nos lençóis freáticos. Em Chapecó, em Santa Catarina, rejeitos da suínocultura penetram no solo e no lençol, e a contaminação já é um problema de saúde pública", disse. De acordo com Vizentin, enquanto o desmatamento na Amazônia está bastante controlado, tendo reduzido de 21 mil km2 para 5 mil km2 ao ano, no cerrado está crescendo numa taxa duas vezes maior que a da Amazônia, de 12 a 13 mil km 2, o que representam dois milhões de hectares abaixo a cada ano. "Na Amazônia, o desmatamento é ilegal, mas no Cerrado é permitido desmatar até 80% da vegetação nativa, e muitos proprietários não respeitam nem os 20% garantidos", alerta. Para Vizentin, as unidades de conservação do governo federal, dos estados e dos municípios podem ajudar a evitar um colapso.
 
Vizentin sugeriu a formação de uma frente de trabalho envolvendo o ICMBio, o Ministério do Meio Ambiente e a Fiocruz que possa, a partir de uma imagem geral do Brasil, perceber onde estão os pontos críticos e enfrentar o desmatamento dos biomas, "porque senão essa abundância de água não vai durar". "Precisamos pensar o território nacional na escala nacional, com uma visão de todo, para estabelecer uma estratégia de ocupação e crescimento com saúde pública e qualidade de vida", completou. O agrônomo acrescentou que o novo código florestal determina a recuperação de 30 milhões de hectares para proteção permamente, o que equivale a metade da área que a agricultura tem hoje no país. Para ele, é preciso incluir a questão dos recursos hídricos como critério para a criação de novas unidades de conservação. Ele lamenta que as unidades não sejam tão protegidas quanto deveriam e acredita que a expertise da Fundação pode contribuir para melhorar condições de vida das populações locais.
 
Aberto o debate, Rangel perguntou a Vizentin se ele considera o modelo agroecológico como uma alternativa real. O agrônomo respondeu que acredita na agroecologia como solução viável e lembrou que a Embrapa já tem muita gente qualificada comprometida com isso. "Há uma rede de pesquisadores engajados na criação de tecnologias que melhorem a produção de forma sustentável. Tem que ter muita ciência, conhecimento e tecnologia, mas também muita organização, mobilização e luta dos movimentos sociais, dos pesquisadores e dos gestores públicos. Somos mesmo o grande celeiro do mundo, mas também somos o berço da biodiversidade. Em 2050, haverá 9 bilhões de seres humanos no planeta. Terá que se duplicar a produção de alimentos, mesmo que a questão não seja produzir mais, mas dar acesso aos alimentos. É preciso mudar radicalmente o modelo e criar um pacote adequado para 4 milhões de famílias de pequenos agricultores, investindo na agroecologia", defendeu Vizentin.

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