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29/03/2007

Segundo tese, programas que garantem renda a idosos pobres são bem-sucedidos

Fernanda Marques


A Previdência Rural e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) – duas políticas sociais previstas na Constituição de 1988 – foram bem-sucedidas, na medida em que contribuíram para diminuir a exclusão e proteger os idosos pobres brasileiros, garantindo-lhes renda. A conclusão é da tese de doutorado da assistente social Sandra Aparecida Venâncio de Siqueira, pesquisadora do Departamento de Ciências Sociais da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp). Juntas, as duas políticas sociais asseguram um salário mínimo a mais de seis milhões de brasileiros acima dos 65 anos, isto é, a mais de um terço da população idosa do país.


“Estamos falando de pessoas que, sem esses benefícios, não teriam como sobreviver”, lembra Sandra. “A Previdência Rural e o Benefício de Prestação Continuada acabaram com a fragmentação histórica entre os que têm e os que não têm renda, ao garantirem um padrão mínimo a todos os idosos”, acrescenta a pesquisadora.


Implantada em 1992, a Previdência Rural é um arranjo da Previdência Social que se destina, principalmente, aos trabalhadores da agricultura familiar, embora se estenda também a garimpeiros e pescadores. Ao comprovarem que trabalharam no campo por cerca de dez anos, homens a partir de 60 anos e mulheres a partir de 55 podem solicitar o benefício da aposentadoria rural, de um salário mínimo, ainda que não tenham contribuído para a Previdência Social nos mesmos moldes dos trabalhadores urbanos com carteira assinada. Teoricamente, a contribuição do agricultor consiste em uma percentagem de pouco mais de 2% sobre o valor dos produtos que ele comercializa. Contudo, na prática, essa contribuição quase nunca ocorre.


As origens da Previdência Rural remontam ao Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (Funrural), da década de 70. Na época do Funrural, contudo, o benefício era de apenas meio salário mínimo, só podia ser solicitado aos 70 anos de idade e era exclusivo para o chefe da família. Atualmente, com a Previdência Rural, além da quantia maior e da idade menor, outra vantagem é que o benefício pode ser concedido tanto ao marido como à esposa. Originado da Renda Mensal Vitalícia, instituída nos anos 70, o BPC, criado em 1996, garante um salário mínimo mensal aos portadores de deficiência e aos idosos. Cabe ao beneficiário comprovar que sua renda familiar per capita é inferior a um salário mínimo.


A implantação do BPC trouxe inovações importantes. Para receber o benefício, deixou de ser necessário comprovar a existência de vínculo, ainda que precário, com a Previdência Social. Além disso, o benefício passou a ser de um salário mínimo – na época da Renda Mensal Vitalícia, ele era de meio salário mínimo e podia ser concedido a apenas um idoso por família. Posteriormente, novas flexibilizações das regras foram introduzidas, como a possibilidade de que mais de um idoso por família fosse contemplado pelo BPC e a redução da idade mínima para o recebimento do benefício dos 70 para os atuais 65 anos.


Dessa forma, enquanto a Renda Mensal Vitalícia não cobria nem 4% dos idosos urbanos, hoje o BPC atinge 10% deles. O alcance da Previdência Rural é ainda maior: ela universalizou a aposentadoria no campo. “Isso representa um ganho enorme no bem-estar da população. Com uma renda fixa garantida, o idoso agricultor consegue se sustentar nas entressafras”, exemplifica Sandra.


Apesar dos ganhos sociais para a população idosa, a Previdência Rural e o BPC têm recebido críticas de economistas. Eles alegam que esses programas pressionam demais as contas públicas. E os cálculos de Sandra demonstram que, realmente, em valores reais, os gastos com os benefícios rurais e com o BPC aumentaram 31% e 85%, respectivamente, entre 1996 e 2003.


A pesquisadora, porém, propõe uma reflexão sobre esses custos. “O crescimento dos gastos decorrentes da flexibilização das regras de acesso ao BPC e do envelhecimento populacional não pode ser analisado sem que se leve em consideração o aumento do número de idosos beneficiados, objetivo central da política de proteção social. A tendência agora, com a estabilização das regras, é que os gastos não aumentem tanto”, explica.


Sandra também propõe uma comparação entre os custos da Previdência Rural e outras contas do governo. Assim, proporcionalmente, no período analisado, o orçamento federal e os gastos previdenciários totais aumentaram mais do que os custos específicos da aposentadoria rural. O dilema, no entanto, se torna evidente quando as despesas do BPC e da Previdência Rural são comparadas ao orçamento da Seguridade Social, que inclui a Saúde, a Assistência Social e a Previdência. Os gastos reais do BPC e da Previdência Rural cresceram, respectivamente, 0,8% e 7,8% mais do que o orçamento da Seguridade Social.


“O risco é que, para manter o BPC e a Previdência Rural, o governo corte outros gastos sociais, igualmente importantes e necessários”, pondera Sandra. Segunda ela, esses benefícios têm caráter complementar aos programas contributivos e escapa ao desenho deles a reversão da desigualdade social e da pobreza. Isso significa que um contexto de baixo crescimento econômico e de forte desemprego acaba por fragilizar o BPC e a Previdência Rural. Para Sandra, apesar dos custos crescentes, ambos têm sido preservados porque estão previstos na Constituição e aboli-los causaria um ônus social e político muito grande.

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