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18/11/2011

Segurança do paciente: eventos adversos podem ser evitados

Informe Ensp


As duas últimas décadas apresentaram crescente interesse social pelo tema da segurança do paciente. Despertados pela significativa ocorrência de eventos adversos em todo o mundo, gestores de saúde, profissionais da área do direito, a mídia, acadêmicos e muitos outros buscam debater, sob diferentes perspectivas, as consequências desses eventos para a sociedade. A experiência e o olhar europeu sobre esta questão, que já é destaque em nível mundial, foram apresentados pelo pesquisador português da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, Paulo Souza, que proferiu, na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), a palestra Segurança do paciente: um panorama europeu.



Nessa visita ao Brasil, Paulo Souza firmou parcerias com pesquisadores da Escola e com o Centro Colaborador para a Qualidade do Cuidado e a Segurança do Paciente (Proqualis), do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), para projetos conjuntos. Entre eles, a tradução para o português de cursos on-line oferecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) na área de Segurança do Paciente e a construção da nova página eletrônica - Efeitos Adversos - que ficará hospedada no site do projeto Proqualis e será desenvolvida em parceria com o pesquisador do Departamento de Administração e Planejamento da Ensp Walter Mendes.


Em sua apresentação, Paulo Souza contextualizou o conceito de Segurança do Paciente, falou sobre a realidade da segurança do paciente em Portugal e na Europa, e ainda discutiu aspectos atuais e tendências futuras relacionados ao tema. De acordo com ele, a segurança dos pacientes hoje é reconhecida internacionalmente como um componente da qualidade em saúde. Confira, abaixo, a entrevista.


A Europa, em particular Portugal, está passando por uma crise financeira severa. Como o governo está lidando com o aumento da procura por cuidados de saúde, decorrentes principalmente do envelhecimento da população, e o consequente aumento da incidência e prevalência de doenças crônicas frente à desaceleração econômica e a natural contenção de investimentos em saúde?


Paulo Souza: A partir dessa conjuntura, movimentos paralelos passaram a acontecer, como, por exemplo, a promoção da cultura de responsabilidade perante a sociedade (accountability) e a valorização de questões relacionadas à qualidade e à segurança do paciente.


Em Portugal, encontramos excelentes exemplos de alto nível de qualidade e de segurança do paciente, porém em locais isolados. De maneira geral, os sistemas de informações são frágeis, pois existem diferentes sistemas que não se comunicam entre si. O que gera muita informação espalhada, duplicada e de qualidade duvidosa. Também temos de lidar com a cultura da culpabilização e discriminação perante as "falhas" e suas consequências, a grande escassez de evidências na área da segurança do paciente, além de muitas falhas na organização de ações desenvolvidas no sentido de analisar as causas e diminuir ou eliminar as falhas.


Em Portugal, cada hospital desenvolve seu modelo de relatório de eventos adversos e define sua própria estratégia. O que mudou com a inserção dos programas de acreditação hospitalar?


Paulo Souza: Este processo teve início em 2009 e envolveu sete hospitais. Já em 2000/2001, trabalhamos com outro grupo composto de nove unidades. Em 2002, formamos o terceiro grupo com quatro hospitais integrantes. Com este processo, tivemos avanços e alcançamos mudanças, como, por exemplo, no estatuto jurídico de algumas unidades de saúde. Há cerca de três anos, iniciamos quatro experiências-piloto em Centros de Saúde (USF) e, em 2010, conseguimos disseminar este modelo de acreditação a outras unidades de saúde de cuidados primários e aos hospitais.


Neste processo, trabalhamos com três modelos diferentes de acreditação e o que percebemos em comum entre eles foram padrões de qualidade explícitos em indicadores, que permitem monitorar as atividades. Além disso, todos eles têm a intenção de fazer com que a instituições de saúde reflitam a qualidade. Estes modelos incluíram padrões para a área da segurança do paciente referentes à medicação, infecção hospitalar, cirurgias, quedas etc.


Quais são os atuais indicadores de eventos adversos em Portugal?


Paulo Souza: Dados da pesquisa Segurança do doente - eventos adversos em hospitais portugueses: estudo piloto de incidência, impacto e evitabilidade, realizada pela Universidade Nova de Lisboa em 2011, mostraram, entre outros indicadores, que, em 11,1% dos casos estudados, foi confirmada a ocorrência de eventos adversos (EA). E o que em especial chama a atenção é que mais de 53% dos casos de EA foram considerados evitáveis. A maioria das admissões nos hospitais foi feita pelas urgências (56,6%), e 3% delas foram de caráter emergencial. Nos outros 43,4%, a admissão foi eletiva. Cerca de 30% dos processos clínicos apresentaram critérios de positividade para a ocorrência de efeitos adversos.


Cerca de 60% dos indivíduos com notificação de EA apresentaram idade superior a 65 anos. Isso mostra uma variação na razão direta do aumento da idade. Outro dado importante é que 58,7% dos casos de EA tiveram o prolongamento da internação como consequência, estendendo o período por uma média de dez dias. O impacto disso pode ser observado em diferentes áreas, pois os EA levam à perda de confiança nas organizações de saúde, como também em seus profissionais; geram aumento significativo dos custos sociais e econômicos; e afastam os resultados em saúde daquele esperado, com consequência direta na qualidade do cuidado prestado. Em 2006, o custo individual total por dia de internação foi de pouco mais de €403,00. No Brasil, a ocorrência de EA chega a 7%, no Canadá 7,5%, na Suécia 12,3%, e na Nova Zelândia quase 13%.


Além disso, a questão dos eventos adversos é um tema muito caro à sociedade e extremamente valorizado pela mídia. Em Portugal, a saúde é a área de maior visibilidade social, e principalmente os erros médicos são divulgados de maneira dramática. A imprensa tem divulgado o tema de maneira mais regular e frequente, porém o foco é na culpabilização. Toda a teoria moderna é baseada na não culpabilização, porém a mídia e as áreas jurídicas trabalham no sentido contrário.


Como está a questão da segurança do paciente no cenário internacional e quais são as novas perspectivas para a área?


Paulo Souza: A segurança do paciente está inserida no centro da agenda política de saúde. Além disso, dada a sua importância, houve grande incentivo para a criação de agências especializadas, como a Australian Patient Safety Foundation, National Patient Safety Agency, Danish Society for Patient Safety, entre outras; e também a implementação de um sistema nacional de notificação.


Nossa principal mensagem é que, com este atual cenário, se faz necessário o desenvolvimento de pesquisas sobre segurança do paciente. Outras áreas como financiamento, fortalecimento de intercâmbio nacional e internacional, além da melhoria dos sistemas de coleta e sistematização de informação, precisam ser mais bem desenvolvidas.


As pesquisas em segurança do paciente são de extrema importância, pois aumentam o conhecimento sobre o tema e, assim, podem dar apoio à tomada de decisões. Elas auxiliam também a promoção de práticas baseadas na evidência, o monitoramento e a avaliação da efetividade de medidas que visam aumentar a segurança dos doentes, como também a disseminação de informações de qualidade, como atua o Proqualis.


Confira o áudio e a apresentação da palestra na Biblioteca Multimídia da Ensp/Fiocruz.


Publicado em 18/11/2011.

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