08/09/2016
André Costa (Agência Fiocruz de Notícias)
A Fiocruz, enquanto instituição estratégica de Estado, por sua história e pelas particularidades de sua atuação, tem importância fundamental para o cumprimento da Agenda 2030 do Desenvolvimento Sustentável, assim como para assegurar que sua implantação seja participativa, comprometida ao máximo com as causas sociais e orientada por uma visão de desenvolvimento solidária e plural. Foram estas algumas das conclusões do seminário A Fiocruz na Agenda 2030, realizado (1°/9) na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), no campus da Fundação em Manguinhos. Dando prosseguimento às atividades do Grupo de Trabalho (GT) criado em junho para adotar a agenda das Nações Unidas no âmbito das atividades da Fiocruz, o seminário reuniu pesquisadores e dirigentes da Fundação, uma representante do governo federal e um enviado das Nações Unidas, contando com ampla adesão do público e ocorrendo ao longo de todo o dia.
Seminário deu prosseguimento às atividades de grupo de trabalho criado para adotar a agenda das ONU no âmbito da Fiocruz (foto: Virgínia damas, Ensp/Fiocruz)
Na mesa de abertura, o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Valcler Rangel, adiantou perspectivas que seriam aprofundadas ao longo do dia, defendendo ser fundamental entender saúde e ambiente como áreas conectadas, e também o desenvolvimento como algo que deve estar sempre vinculado a direitos sociais. Rangel destacou a atuação da Fiocruz em situações recentes onde danos ao ambiente e à saúde foram coexistentes, como a catástrofe da Samarco em Minas Gerais, contrapondo a isto iniciativas da Fundação para o desenvolvimento de territórios sustentáveis. “O que é trabalhar em territórios saudáveis e sustentáveis? Isto envolve movimentos sociais, indígenas, quilombolas, caiçaras populações que foram excluídas ao longo do processo de desenvolvimento dos anos", disse.
Valcler enfatizou também que grupos como estes são especialmente vulneráveis no momento político vivido no país, o que também mereceu destaque na fala da vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação, Nísia Lima. “Precisamos de coerência em nossa abordagem, em particular quando há pautas como a PEC 241, que coloca em cheque a saúde, a educação e políticas sociais. Não é possível trabalhar de forma desarticulada, este é o grande desafio que temos. Por isso, lanço a ideia de uma agenda unificada entre nós, que estabeleça consensos, e faça como que o debate tenha capilaridade”, afirmou.
Marcos Menezes, diretor da Ensp/Fiocruz, por sua vez, também reforçou a relação entre o desenvolvimento sustentável e os direitos sociais. “Não dá para falar de saúde e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) desconsiderando a atual conjuntura do ponto de vista político e social. Várias medidas de contenção tornam mais árdua a tarefa de cumprir a Agenda. Esta escola se coloca neste posicionamento, identificando este como um momento de regressão, mas de luta e de importantes ações institucionais para a garantia do SUS”, afirmou.
Segunda mesa do evento destacou o seminário da Fiocruz como primeira agenda externa da atual equipe do governo federal responsável pela Agenda 2030 (foto: Virgínia Damas, Ensp/Fiocruz)
Na mesa seguinte, a representante da Secretaria Nacional de Relações Político-Sociais e Secretaria de Governo da Presidência da República, Rúbia Quintão, destacou que este seminário da Fiocruz foi a primeira agenda externa da atual equipe do governo federal responsável pela Agenda 2030. Quintão fez apresentação da, segundo a própria, “parte técnica, não política” dos projetos relacionados ao documento. Disse que sua implantação prevê o envolvimento da sociedade civil, a criação de uma comissão comitiva e participação de todos os ministérios. “Os ODSs exigem esforços de todos, a coordenação e a integração de políticas públicas e uma grande racionalização. Vivemos hoje um momento de poucos recursos, e temos que trabalhar de forma racional”, destacou.
Depois da representante do governo federal foi a vez do assessor da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde, Guilherme Franco Netto, que também é um dos coordenadores do GT sobre a Agenda 2030 na Fiocruz. Netto dividiu sua fala em duas partes: num primeiro momento, observou que a mudança no governo federal potencialmente significa o fim de um período orientado por uma visão que conjugava desenvolvimento com inclusão social. Esta agenda, segundo ele, sofreu uma “ruptura completa”, o que põe sobre os atores sociais “uma responsabilidade ainda maior”.
Segundo Netto, esta responsabilidade ampliada recai também sobre a Fiocruz, instituição que “desde sua origem debate sustentabilidade”. O resto de sua fala destinou-se, assim, a descrever a íntima relação entre a Agenda 2030 e atividades da Fundação, que devem ser cada mais estimuladas. “A Fundação possui um espectro amplíssimo de atuação, incluindo saneamento, biodiversidade, direitos humanos, compromissos com comunidades tradicionais, atividades contra agrotóxicos (poluição química), políticas voltadas para populações do campo, floresta e águas. Tudo isso opera na Fiocruz por meio de dispositivos variados, laboratórios, centros de estudo, departamentos, observatórios”, apontou.
Relação entre a Fiocruz e as Nações Unidas foi lembrada também na primeira palestra da parte da tarde (foto: Virgínia Damas, Ensp/Fiocruz)
Esta relação entre a Fiocruz e as Nações Unidas foi lembrada também na primeira palestra da parte da tarde, proferida pelo Diretor do Centro de Relações Internacionais da Fiocruz, Paulo Buss. Buss afirmou que a noção de que a saúde é, ao mesmo tempo, um resultado, um input e um medidor do desenvolvimento, presente no documento da ONU, saiu da Fiocruz. Buss afirmou ainda que o país vive um momento crítico, e que medidas do novo governo federal e do congresso representam o oposto da visão de desenvolvimento proposta no documento da ONU. “A PEC 241 é demolidora de direitos. Ela é a oposição à Agenda 2030 no Brasil”, afirmou. Buss disse ainda que, a despeito da situação vivida no país, a Fiocruz tem “todas as condições de ser uma instituição chave, crítica, para a implantação da Agenda 2030. Com os Objetivos do Milênio (ODMs) foi assim. Tivemos uma abordagem sistêmica extremamente positiva para construção da agenda a nível nacional”.
A contribuição seguinte à de Buss foi a do diretor Centro Mundial para o Desenvolvimento Sustentável da ONU (Centro RIO+), Rômulo Paes. O representante das Nações Unidas primeiro fez uma análise de facilitadores e desafios da implantação da Agenda no Brasil, para então chegar à Fiocruz. Dentre os primeiros, a expansão de políticas públicas de desenvolvimento no Brasil nas últimas décadas, com uma formação de número elevado de profissionais; já entre os desafios, os limites orçamentários, que podem levar ao desmonte de políticas já existentes, a tendência do mercado e do Estado de manterem uma lógica fragmentada de ação, e a própria complexidade do modelo da Agenda 2030.
E “onde Fiocruz entra nisso tudo? Como tem muita competência técnica agregada, e como tem presença em saúde, em política ambiental, em assistência, ela tem conteúdo a apresentar”, ressaltou Paes, antes de prosseguir. “Além disso, ela tem relação com sociedade civil, o que é um dos determinantes desta agenda. E, em terceiro lugar, talvez seja uma das mais internacionalizadas agências de produção de saber do país, presente na África, presença na América do Sul, então consegue sair de tendência regionalista que agências no país costumam ter (...) Por fim, a questão central é ligada à própria história da instituição: ela pensa temas de interesse da saúde pública, combinando tecnologias com interpretações do contexto político de forma sofisticada. É uma combinação rara, aqui e no mundo”, finalizou.
Na mesa de conclusão, foram apresentadas as descrições de práticas saudáveis desenvolvidas pela Fiocruz em quatro territórios. O primeiro trabalho apresentado foi o que acontece na Serra da Capivara, no Piauí, desde a década de 1980. A coordenadora do Centro de Informação em Saúde Silvestre e do Programa Institucional Biodiversidade & Saúde, Márcia Chame, contou a história da atuação da Fundação na região, que deixou de ser um local de imensa pobreza há 30 anos para se tornar um polo de desenvolvimento local e regional. Chame explicou a atuação em múltiplas frentes desenvolvidas na serra, incluindo o estímulo a atividades econômicas não predatórias, à educação, à pesquisa e à saúde. Chame também se referiu ao emprego conjunto de tecnologias pré-históricas e ultramodernas que por vezes tem lugar ali, numa aliança enter o conhecimento tradicional e o tecnocientífico.
Na mesa de conclusão, foram apresentadas as descrições de práticas saudáveis desenvolvidas pela Fiocruz em quatro territórios (foto: Virgínia Damas, Ensp/Fiocruz)
Edmundo Gallo, do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis na da Bocaina, por sua vez, continuou a discutir saúde a vinculando às populações mais frágeis e vulneráveis, esmiuçando o trabalho atualmente desenvolvido com índios, caiçaras e quilombolas na Serra da Bocaina, em Parati. Assim como acontece na Serra da Capivara, o Observatório, disse Gallo, trabalha para “produzir soluções territorializadas, promovendo emancipação e cidadania. Ele busca demonstrar pelo território que modo de vida de comunidades tradicionais leva à sustentabilidade, promove autonomia, promove equidade e garante o bem viver”.
Em seguida, o coordenador do Ecomuseu de Manguinhos, Felipe Eugênio, apresentou o difícil trabalho para promover a saúde em Manguinhos. Eugênio explicou como os direitos dos cidadãos nos território são frequentemente suspensos, em uma vulnerabilização profunda cujos vetores partem do “próprio funcionamento do capitalismo e da própria configuração da sociopolítica carioca”. Para contrapor-se a isso, o trabalho ali desenvolvido pela Fiocruz tenta fazer avançar uma governança democrática territorial, isto é, procurar criar “a condição de atores sociais se reunirem, reivindicarem, divergirem de política pública vigente”. Ações estratégicas, como a criação de um Conselho Comunitário de Manguinhos, são incentivadas, deste modo.
Por fim, a apresentação do último território saudável da Fiocruz foi sobre a própria instituição, em suas atividades e seus espaços. Em sua apresentação, a Coordenadora de Saúde do Trabalhador da Fundação, Fátima Rangel, explicou como a dimensão laboral e ambiental é continuamente incorporada às práticas de pesquisa da própria Fundação, o que exige lidar com uma grande complexidade de atores e de ações. “Temos como desafio fazer um desenvolvimento institucional que não seja apenas um crescimento institucional”, afirmou, encerrando as falas do evento.
O resultado do seminário será compilado em uma publicação. A iniciativa seguinte do GT da Agenda 2030 na Fiocruz agora é uma consulta junto às unidades, para a identificação de iniciativas consoantes com o documento da ONU, adotado pelo Brasil.