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26/11/2021

Seminário discute resultados das Conferências do Clima e Biodiversidade

Ciro Oiticica (Agência Fiocruz de Notícias)


A influência da geopolítica nas negociações sobre o clima da COP-26 em Glasgow, o atual estágio da preservação da biodiversidade após a COP-15 em Kunming, a centralidade crescente da saúde na agenda ambiental, a necessidade de previsão de emergências em meio ao colapso ecológico e a mobilização do setor de saúde na contenção do impacto ambiental foram temas abordados no webinário Clima, biodiversidade e saúde: As COPs de Glasgow e Kunming - O mundo não pode mais esperar. O webinário é parte dos Seminários Avançados do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz). Para analisar os bastidores e os principais acordos que saíram das duas conferências, foram convidados José Luís Fiori, professor de Economia Política Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Bráulio Ferreira de Souza Dias, professor da Universidade de Brasília (UnB) e ex-secretário executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU. 

As implicações das duas COPs para a saúde humana foram abordadas pela médica espanhola Maria Neira, diretora do Departamento de Saúde Pública, Meio Ambiente e Determinantes Sociais da Organização Mundial de Saúde (OMS), e Márcia Chame, pesquisadora da Fiocruz e coordenadora da Plataforma Institucional de Biodiversidade e Saúde Silvestre. A discussão sobre a atenção à saúde sem danos ambientais e hospitais saudáveis ficou a cargo de Vital Oliveira Ribeiro Filho, presidente do Conselho do Projeto Hospitais Saudáveis (PHS). A mediação foi de Luiz Augusto Galvão, pesquisador sênior do Cris/Fiocruz e ex-diretor do Programa de Desenvolvimento Sustentável e Equidade em Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS).

Paulo Buss, diretor do Cris/Fiocruz, abriu o webinário dando as boas-vindas aos convidados, ao público e passou a palavra ao mediador. “Vamos tratar de temas que nos preocupam, além da pandemia”, introduziu Luiz Augusto Galvão. “O cenário é bastante complexo, quase de tempestade perfeita. Temos uma crise ambiental muito forte, com dificuldades de ser negociada, uma crise da saúde e uma crise geopolítica levantando perguntas muito importantes em diferentes áreas”.

COP-26: hipóteses geopolíticas da frustração

O professor de Economia Política Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), José Luís Fiori, apresentou uma análise do contexto geopolítico e as hipóteses para a frustração com a COP-26, sobre as mudanças climáticas. Segundo ele, ainda que haja pontos positivos, como os objetivos de regulação do mercado de carbono e a proposta de redução progressiva do carvão, o sentimento de frustração tende a prevalecer: “vemos a ausência de um programa para essa mudança, de referência ao volume do financiamento, e de parâmetros, normas e sanções no campo da administração desse consenso ecológico global”. Três hipóteses foram traçadas para esse desencanto, que decorre da ausência da vontade política das principais potências para essa agenda no momento. A primeira diz respeito ao impacto econômico da pandemia. “Em um momento em que se procura recuperar a economia e conter a alta da inflação e do preço de combustíveis, pedir para que se corte a produção de combustíveis fósseis é rigorosamente impossível”, argumentou. Outra hipótese viria da tomada maior de consciência das desigualdades geopolíticas, o que levaria os demais países a recusarem os custos da transição ecológica enquanto seus principais responsáveis não se comprometessem. “São 185 países em relação aos outros oito que concentram pelo menos 50% da emissão de gases poluentes”, informa Fioria, “difícil fazer os outros pagarem a conta”. 

Finalmente, a hipótese que foi mais descrita pelo professor foi a de um momento geopolítico de intensa fragmentação e instabilidade. “Não é possível consolidar uma vontade política tão complexa como essa exigida para mudar a base energética e para construir uma economia verde em escala global em um mundo estilhaçado”, garantiu. Enquanto China, Rússia e Índia sequer compareceram ao encontro, as principais potências do ocidente estariam todas passando por crises políticas que esvaziariam sua credibilidade em assumir compromissos duradouros. A saída dos EUA do Acordo de Paris após a eleição de Trump seria o exemplo mais evidente. Foi destacada ainda a ausência do Brasil nas negociações, que sempre teve importância política para a construções de consenso nos últimos 30 anos. 

O fracasso do multilateralismo, entretanto, não significa para Fiori o abandono da agenda ambiental. Ela apenas se daria por outros meios. “Temo que o avanço na próxima década da pauta ecológica e da transição energética se dará sobretudo pela competição bélica entre EUA e China”, projeta. “O que está na cabeça do stablishment é alcançar a substituição do petróleo o mais rápido possível por fontes de energia localizadas, acopladas na própria plataforma militar, que elimine a logística energética, o transporte de gás, óleo, carvão”. Tamanho realismo não deixa de conter um rastro de otimismo: “Talvez pelo caminho do diabo a humanidade consiga alcançar objetivos que outros atribuem às divindades”, concluiu. 

COP-15: avanços, ainda que insuficientes

Bráulio Ferreira de Souza Dias, professor da Universidade de Brasília (UnB) e ex-secretário executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU (CDB), apresentou um panorama do estágio atual das discussões sobre biodiversidade e os desafios prementes. “Se com o clima, que afeta tão diretamente a muitos, está difícil a convergência para consensos, com a biodiversidade é ainda mais difícil”, revela. Isso porque as perdas em biodiversidade (espécies, populações, variabilidade genética, ecossistemas) seriam uma perda silenciosa. O professor relatou que houve um aumento no número de espécies ameaçadas de extinção, que hoje representam 20% de todas as espécies de plantas e animais no mundo, o que pode gerar imensas consequências. “Não se faz nada em agricultura sem recursos genéticos, sem serviços ecossistêmicos da polinização, do controle biológico de pragas, da reciclagem de nutrientes do solo”, exemplificou. A pandemia também seria um exemplo de impacto, dada a pressão adaptativa sofrida por micro-organismos. 

O planeta Terra teria três características fundamentais: água líquida, atmosfera que protege da radiação solar, e vida. O ex-secretário da CDB afirmou que estmoas jogando fora esse capital natural, “queimando ele, literalmente”. O Brasil, país com a maior biodiversidade, é também o que mais destrói, sendo campeão mundial em desmatamento e queimadas. A preocupação é não ultrapassar os limites planetários da sustentabilidade, a capacidade de regeneração em cada categoria. Dois fenômenos já teriam ultrapassado esse limite: o excesso de poluição por nitrogênio e fósforo e a perda de biodiversidade. As mudanças climáticas estão próximas dele. “Passou da hora de tomarmos medidas mais sérias para reverter essas perdas”, afirmou.

Avanços vêm acontecendo, mas não na medida necessária. As metas de Aichi, estabelecidas na COP-10, em Nagoya, para o período 2010-2020, estão sendo alcançadas por um terço dos países que se comprometeram com elas, mas, em boa parte deles, os avanços , ainda que existentes, são insuficientes. Por fim, Dias defendeu que a ênfase das medidas de enfrentamento aos problemas de saúde deva recair na sua prevenção, ao invés de cura, e acrescentou: “Manter pessoas saudáveis, com boa alimentação, depende também da biodiversidade”. 

Centralidade da saúde na agenda ambiental e previsão de emergências

Foi a vez de Maria Neira, diretora do Departamento de Saúde Pública, Meio Ambiente e Determinantes Sociais da Organização Mundial da Saúde (OMS), apontar algumas contribuições da Conferência de Glasgow. Segundo ela, a crise de mudança climática, a poluição do ar e a perda de biodiversidade estão cada vez mais reconhecidas como questões comuns, por terem origem nos combustíveis fósseis. “A agenda é quase a mesma para quem trabalha com saúde pública, 75% das metas são as mesmas”, explicou. Uma novidade importante, inclusive pelo contexto da pandemia, foi a presença crescente da saúde nas discussões. “O setor da saúde é que vai permitir maior velocidade para lutar contra essas crises”, argumenta Neira, “ele que vai liderar essa questão das mudanças climáticas, da perda de biodiversidade e da contaminação do ar”. Isso traria ações mais imediatas pelo fato de o setor lidar com emergências: “não podemos continuar com 7 mi de mortos por ano devido à poluição do ar”. 

Após descrever os benefícios para a saúde humana que o enfrentamento das mudanças climáticas traria, Neira ainda trouxe um exemplo do impacto econômico. Ela lembrou a ausência da Índia e a ironia de Nova Déli precisar fechar toda sua atividade produtiva justamente no dia em que o Pacto de Glasgow foi assinado. “Poluição era tão alta que não apenas crianças não puderam ir à escola, mas não havia condições de visibilidade, não se podia ver um metro a sua frente”, ilustrou. Um dos desdobramentos da conferência seria consolidar e disseminar a mensagem comum de que muitos problemas da atualidade têm como solução o desenvolvimento sustentável e que a saúde pode ser a melhor perspectiva para sensibilizar as pessoas.

Márcia Chame, coordenadora da plataforma Fiocruz de biodiversidade, assumiu a palavra para destacar a importância do monitoramento de emergências sanitárias. Ela afirma que o desastre do colapso ecológico já é uma realidade e que precisamos aprimorar nossa agilidade de resposta aos problemas quando surgem. A maior dificuldade está na imprevisibilidade dos desastres ecológicos. “Já estamos sempre na beiras desses desastres”, alertou, “mas o gatilho da avalanche não é conhecido. São problemas complexos, é preciso lidar com muita base de dados e tecnologias para entendê-los, mas eles mudam muito rapidamente”.

A interrupção dos ciclos biológicos vitais, como a toxicidade de CO2 para fotossíntese, a acidificação dos oceanos, que impede construção de carapaça de artrópodes, a desestabilização de cadeias alimentares que levam a impactos cuja magnitude e profundidade não somos capazes de compreender, vem causando, para a pesquisadora, a emergência de doenças e pragas, entre elas, as zoonoses. Ela defende a identificação precisa de indicadores eficazes para se rastrearem possíveis ameaças à saúde e deu como exemplo a plasticidade dos agentes infecciosos, que é a capacidade desses agentes de passar a circular em diferentes espécies, podendo passar de animais para humanos.

Chame apresentou o Sistema de Informação em Saúde Silvestre (Siss-Geo), um bom exemplo de ação efetiva de rastreamento de ameaças sanitárias. “Trata-se de uma plataforma de monitoramento de saúde silvestre, com pontos georreferenciados identificados por algoritmos que geram alertas automáticos para gestores de saúde, para que rapidamente se possa fazer coleta dos animais e se faça boas amostrar biológicas”, descreve. Qualquer usuário pode registrar a ocorrência de animais doentes ou mortos por meio do sistema. O caso estudado envolve a contenção da febre amarela pelo monitoramento de macacos. A iniciativa chegou a ser premiada pela Sociedade Brasileira de Computação e constitui então um modelo eficiente e preciso de previsão para identificar fatores que causam emergências sanitárias. 

Hospitais Saudáveis 

Por fim, Vital Oliveira Ribeiro Filho, presidente do Conselho do Projeto Hospitais Saudáveis (PHS), ofereceu mais um bom exemplo de iniciativas que já vêm ocorrendo. O PHS pretende mobilizar hospitais e demais unidades de saúde na transição ecológica no Brasil e se insere em uma rede mundial, a Rede Global HVS Mundo (Hospitais Verdes e Saudáveis), que envolve 40 mil unidades de saúde em 72 países. No Brasil, há 255 membros institucionais e 14 sistemas de saúde comprometidos com o projeto. “O setor de saúde representa 4,4% da pegada climática global”, argumentou, “se fosse um país, seria o quinto maior emissor, o que dá a ideia de sua relevância”. Ele afirmou ainda que 71% das emissões da saúde vêm da cadeia de suprimentos, como a produção, o transporte e o descarte de alimentos e fármacos, o que constitui parte importante da pegada ecológica do setor.

Ele lamentou o mau aproveitamento energético no Brasil. “Em muitos hospitais, os geradores não são usados apenas de forma excepcional, mas todo dia, no horário de pico do uso de energia”, conta. A economia aparente na conta de luz não consideraria o efeito da poluição gerada nos próprios pacientes do hospital. “A gente desvia de soluções baratas e efetivas, como energia eólica, fotovoltaica, compostagem e reciclagem, e investe segundo interesses econômicos em soluções de alto impacto ambiental e custos na saúde, que não costumam ser contabilizados”. 

Ribeiro Filho apresentou ainda o Roteiro Global para Descarbonização do Setor Saúde, lançado esse ano como parte da Campanha Global pelo Clima, em parceria com o Painel do Clima da ONU, para alcançar o objetivo de zerar emissões até 2050. Uma dificuldade adicional viria do fato de a oferta de serviços de saúde ser ainda deficitária em muitas regiões do mundo. “É um setor que ainda precisa crescer, não podemos reduzir o serviço. O desafio é ampliar o acesso à saúde sem aumentar a pegada de carbono”, afirma. 

Ao final do webinário, o diretor do Cris/Fiocruz, Paulo Buss agradeceu aos palestrantes e ao mediador pelas contribuições preciosas. “Vamos sensibilizando nosso público, o pessoal de saúde pública, movimentos sociais e diplomatas, para que incorpore essas informações valiosas em sua atuação”, disse. Ele se despediu com o convite para o seminário da próxima quarta-feira (2/12), sobre o papel dos Institutos Nacionais de Saúde Pública na promoção da Equidade em Saúde. 

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