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22/01/2007

Sociedade e família têm responsabilidade pelo crescente número de jovens com transtornos alimentares

Fernanda Marques


“Em uma sociedade que, cada vez mais, valoriza a boa administração de bens, o corpo passou a ser, obrigatoriamente, considerado um produto a ser gerenciado da melhor maneira e a qualquer custo. Para moldar o corpo feito um rascunho, é dito que basta ter dinheiro e ‘força de vontade’. O problema é que o ideal é sempre inalcançável e, dificilmente, corresponde à felicidade prometida, gerando sofrimento e frustração.” O alerta é do psicanalista e psicólogo Niraldo de Oliveira Santos, coordenador e supervisor clínico do Curso de Especialização em Transtornos Alimentares e Obesidade da Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (ICHC/FMUSP).


Em entrevista à Agência Fiocruz de Notícias (AFN), o especialista explica fatores associados aos transtornos alimentares, com ênfase no papel da sociedade e da família. Ele também destaca que o Centro de Estudos em Psicologia da Saúde (CEPSIC) da Divisão de Psicologia do ICHC/FMUSP oferece tratamento gratuito para pacientes que apresentam insatisfação com a imagem corporal e transtornos alimentares. Os atendimentos psicológicos ocorrem de forma ambulatorial. O telefone para agendamento é (11) 3064-3186.


Agência Fiocruz de Notícias: Quais as principais causas do crescente número de vítimas de transtornos alimentares?

Niraldo de Oliveira Santos:
A ocorrência dos transtornos alimentares, principalmente em mulheres jovens, está associada a fatores inter-relacionados, envolvendo, na maior parte das vezes, transformações corporais, descobertas sexuais, incertezas quanto à escolha da profissão e, sobretudo, inseguranças e auto-afirmações na escolha do parceiro amoroso. Nessa intrincada rede, as mulheres se mostram mais vulneráveis – por um lado, o meio feminino é mais exigente e competitivo; por outro, a própria estrutura da sexualidade feminina tem um caminho mais longo e tortuoso naquilo que implica a busca de satisfação na relação com o outro. Assim, a pergunta ‘quem eu devo ser para ser amada?’, muitas vezes, pode culminar com respostas sintomáticas, como ‘que eu tenha um corpo magro’, ‘que eu esteja na moda’ etc. Uma parte da mídia – podemos chamá-la de ‘boa mídia’ – divulga as conseqüências de comportamentos que ‘disparam’ os transtornos alimentares. Porém, também há uma grande exposição de imagens que, equivocadamente, associam a felicidade, pessoal e profissional, à magreza.


AFN: De que forma as famílias têm participação na origem dos transtornos alimentares?

Niraldo:
Há muitas teorias que associam o desencadeamento de anorexia e bulimia à falta de posicionamento enfático dos pais: um pai inseguro e pouco participativo, bem como uma mãe que também apresenta inquietação e insatisfação com a imagem corporal.


AFN: São comuns casos de filhas com anorexia cujas mães também têm compulsão por emagrecer?

Niraldo:
Sim. O que temos observado com freqüência na clínica são pacientes cada vez mais jovens, por vezes, crianças, que cresceram assistindo a mães incomodadas com o peso, com a imagem do corpo e com uma maneira artificializada de lidar com a alimentação. Nessas circunstâncias, algumas crianças começam a apresentar sintomas relacionados à alimentação, que podem culminar em transtorno alimentar estruturado.


AFN: Que outros fatores, sociais e/ou orgânicos, podem determinar o aparecimento de transtornos alimentares?

Niraldo:
Há uma maior incidência de transtornos alimentares na cultura ocidental. Em culturas pouco globalizadas e com valores mais rígidos, a incidência é quase nula. Vários pesquisadores tentam identificar se há fatores orgânicos na base dos transtornos alimentares. As pesquisas acabam por constatar que as alterações orgânicas são, na quase totalidade das vezes, conseqüências de alimentação deficiente (desnutrição), e não causas dos transtornos.


AFN: Quais as principais conseqüências para os parentes de um caso de transtorno alimentar na família?

Niraldo:
Ele pode gerar no parente uma sensação de impotência e fracasso, principalmente se o paciente não se reconhece como doente, dificultando a procura por tratamento especializado.


AFN: Por que a família, em geral, demora para descobrir o transtorno alimentar?

Niraldo:
Dependendo do ritmo familiar diário, torna-se mais difícil observar o que ocorre em relação aos hábitos alimentares. A família só percebe que tem algo que merece ser tratado quando a paciente se mostra com peso muito abaixo do esperado ou quando comportamentos impulsivos tornam-se explícitos. Além do mais, os próprios pacientes desenvolvem estratégias para esconder os sintomas e comportamentos alimentares, como, por exemplo, não participar das refeições com os outros membros da família e esconder alimentos.


AFN: Existe um perfil de mulher em risco de desenvolver transtorno alimentar?

Niraldo:
Existe o grupo com maior ocorrência: mulheres adolescentes. Porém, mesmo que haja uma exigência ditada por uma cultura a respeito do padrão de corpo e beleza, não sabemos precisar o motivo de alguns jovens serem fisgados por essa ditadura e outros não. Nesse caso, há predisposições de ordem inconsciente que são determinantes.


AFN: Excesso de atividade física para compensar o alimento ingerido também é uma manifestação de transtorno alimentar?

Niraldo:
Ele pode ser considerado um sintoma quando feito de forma compulsiva, podendo evoluir para um transtorno se for acompanhado por outros comportamentos.


AFN: É possível evitar transtornos alimentares? Como?

Niraldo:
É possível cuidar para que as exigências extremadas não sejam instituídas como metas. Podemos informar e contribuir para a procura por tratamento antes que o transtorno alimentar se instale ou fazer com que os padrões de exigência sejam questionados.

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