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19/01/2007

Túneis do Rio de Janeiro acumulam substâncias tóxicas

Fernanda Marques


Famoso pelas praias, mas também caracterizado pelas montanhas, o Rio de Janeiro conta com quilômetros de túneis por onde passam milhares de carros diariamente. E quem costuma usar algum túnel já deve ter notado uma camada escura de fuligem que se acumula há anos nas paredes. Essa camada contém quantidade significativa de dioxinas, substâncias que podem ter efeitos tóxicos para o ser humano. É o que mostra uma pesquisa conduzida pela equipe do químico Thomas Manfred Krauss, pesquisador visitante do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh), pertencente à Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) da Fiocruz. O trabalho foi apresentado a convite no 26º Simpósio Internacional sobre Poluentes Orgânicos Persistentes Halogenados, em Oslo, na Noruega.


 Amostra de fuligem coletada das parades de túnel carioca (Foto: Arquivo Thomas Krauss/Cesteh)

Amostra de fuligem coletada das parades de túnel carioca (Foto: Arquivo Thomas Krauss/Cesteh)


Os compostos dibenzo-p-dioxinas policloradas e dibenzofuranos policlorados são comumente conhecidos como dioxinas. Análises de sedimentos revelam que a presença dessas substâncias no meio ambiente começou a aumentar a partir da Revolução Industrial. Elas são produzidas, sobretudo, pelos processos industriais relacionados ao cloro, pela queima do lixo doméstico ou hospitalar e pela exaustão dos carros. Das 210 dioxinas existentes, 17 são tóxicas e, dependendo do tipo de exposição, causam desde dor de cabeça, náusea e erupções na pele até alterações nos níveis de hormônios, câncer e prejuízo do desenvolvimento fetal.


Os que gastam alguns minutos por dia para atravessar um túnel dentro de um automóvel não são os principais prejudicados pelas dioxinas acumuladas nas paredes. Os mais afetados são os operários que trabalham na limpeza e manutenção dos túneis. “Mas é importante lembrar que, quando as paredes são lavadas, as dioxinas ali concentradas são arrastadas para fora do túnel e se disseminam no meio ambiente. Essas substâncias podem, assim, entrar na cadeia alimentar, o que representa um risco para toda a população”, destaca Krauss. Segundo o pesquisador, um estudo já detectou dioxinas no sedimento da Lagoa Rodrigo de Freitas.


 Túnel da Covanca, que faz parte da Linha Amarela (Foto: Arquivo Thomas Krauss/Cesteh)

Túnel da Covanca, que faz parte da Linha Amarela (Foto: Arquivo Thomas Krauss/Cesteh)


A principal forma de exposição humana a dioxinas é a ingestão de alimentos contaminados, sobretudo produtos de origem animal, como carnes, leite e laticínios. Isso ocorre porque as dioxinas têm alta afinidade por gordura, de modo que essas substâncias se acumulam nos tecidos de animais expostos à poluição. Inalação e contato dérmico são formas menos comuns de exposição humana a dioxinas. Contudo, essas formas são significativas em casos de acidente e em determinados ambientes de trabalho, como os túneis.


Krauss e os pesquisadores Ana Maria Cheble Bahia Braga e Jeferson Monteiro Rosa analisaram amostras de fuligem coletadas em quatro túneis cariocas: Santa Bárbara, entre Catumbi e Laranjeiras; Rebouças, entre Jardim Botânico e Rio Comprido; Zuzu Angel, na auto-estrada Lagoa-Barra; e da Covanca, na Linha Amarela. Juntos, esses túneis têm uma extensão de mais de oito quilômetros e um fluxo de quase 500 mil veículos por dia. O método de análise das amostras foi baseado em princípios da agência de proteção ambiental dos Estados Unidos. Os resultados do teor de dioxinas nas paredes dos túneis são expressos em equivalentes tóxicos internacionais (EQT-I). Trata-se de uma soma ponderada das dioxinas, atribuindo-se a cada uma delas um peso diretamente proporcional à sua toxicidade.


 O Túnel Rebouças faz a ligação das zonas Norte e Sul (Foto: Arquivo Thomas Krauss/Cesteh) 

 O Túnel Rebouças faz a ligação das zonas Norte e Sul (Foto: Arquivo Thomas Krauss/Cesteh) 


Segundo grande túnel construído no Rio de Janeiro, inaugurado em 1967, o Rebouças apresentou o maior teor de dioxinas: um total de 2,84 miligramas de EQT-I depositados nas paredes, na concentração de 25,8 nanogramas de EQT-I por metro quadrado. Um nanograma corresponde à milionésima parte do miligrama. É uma quantidade pequena, mas nociva. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a ingestão diária de dioxinas não deve ultrapassar quatro picogramas de equivalentes tóxicos por quilo de massa corporal. Um picograma é mil vezes menor que um nanograma.


No Túnel Zuzu Angel foram encontrados 4,06 nanogramas de EQT-I por metro quadrado e, no Santa Bárbara, 0,60 nanograma de EQT-I por metro quadrado. “Embora seja o grande túnel mais antigo do Rio de Janeiro, inaugurado em 1963, o Santa Bárbara apresentou uma concentração mais baixa de EQT-I. A explicação, provavelmente, está no fato de que suas paredes foram lavadas na década de 1990. Os trabalhadores que fizeram essa lavagem foram expostos a uma quantidade considerável de dioxinas, que devem ter sido removidas do túnel e disseminadas no meio ambiente”, diz Krauss. Em casos como esse, o pesquisador recomenda que os operários utilizem equipamentos de proteção e que os resíduos removidos das paredes do túnel sejam coletados por um sistema de filtragem.


O tipo de revestimento do Túnel da Covanca não permitiu o cálculo do teor de EQT-I por metro quadrado, mas foi possível expressar o resultado por quilo. O valor verificado, então, foi de 44,4 nanogramas de EQT-I por quilo, concentração inferior à do Rebouças e à do Zuzu Angel, provavelmente porque o Covanca tem somente dez anos.

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