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23/11/2012

Tecnologia: inventar ou transferir

Artur Roberto Couto, Akira Homma e Antonio Luiz Figueira Barbosa


Pesquisar uma invenção ou negociar o conhecimento por meio de transferência de tecnologia? Nos países desenvolvidos, as opções não se contradizem, ambas são econômica e estrategicamente racionais. Entretanto, nos países em desenvolvimento, os defensores da pesquisa com decorrente invenção retiram a opção pela transferência de tecnologia por julgarem que o fornecedor jamais vai transferir com total transparência e sempre ocultará o principal. Certos cuidados devem ser assumidos. Por exemplo: cláusulas comerciais restritivas, impedindo e/ou limitando o pleno processo de invenção e comercialização, são práticas comumente adotadas pela parte ofertante. A negociação de uma tecnologia deve garantir a informação de todas as técnicas envolvidas no processo produtivo e na fabricação de insumos que não estejam disponíveis comercialmente, visando, ao final do contrato, a plena independência do demandante em relação ao parceiro tecnológico.

 

 A transferência de tecnologia traz, como principal benefício para a economia brasileira, a substituição de importação, com a consequente economia de divisas para o país, além da garantia do abastecimento e ampliação do acesso da população a produtos de alto valor agregado
A transferência de tecnologia traz, como principal benefício para a economia brasileira, a substituição de importação, com a consequente economia de divisas para o país, além da garantia do abastecimento e ampliação do acesso da população a produtos de alto valor agregado

Os acordos de transferência de tecnologia firmados pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz) trazem elementos distintivos de como é possível combinar duas estratégias aparentemente vistas por muitos como antagônicas: investir em pesquisa e desenvolvimento interno e assinar acordos de transferência de tecnologia. Desde então, foi iniciada uma nova base de negociação de transferência de tecnologia, utilizando-se de um forte indutor: o poder de compra do governo brasileiro, pelo qual o Estado garante a total transferência de tecnologia. Com esses acordos, o instituto assume uma posição totalmente independente do ofertante e capaz de reproduzir todas as etapas de produção de um determinado produto.

Foram incorporadas ao portfólio de Bio-Manguinhos as vacinas Haemophilus influenzae tipo b (Hib), tríplice viral (caxumba, sarampo e rubéola), rotavírus, pneumococos e, recentemente, varicela, em parceria com GlaxoSmithKline. Além dos biofármacos alfaepoetina humana recombinante e alfainterferona 2b humana recombinante, em acordo com o Centro de Imunologia Molecular (CIM) e o Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia (CIGB), institutos cubanos; e dos reativos para diagnóstico DPP (dual path platform) para HIV, leptospirose, leishmaniose e Imunoblot HIV, em parceria com a empresa Chembio.

Isto permitiu, ainda, o atendimento à outra tendência mundial, que é a combinação de vacinas. A partir dos conhecimentos absorvidos ao longo dos processos de transferência de tecnologia foram desenvolvidas nacionalmente as vacinas tetravalente bacteriana DTP-Hib (difteria, tétano, pertussis e Hib) – futuramente será a vez da pentavalente DTP-Hib-Hepatite B, ambas em parceria com o Instituto Butantan –, e a heptavalente DTP-Hib-HepB-IPV-MenC (incluindo poliomielite inativada e meningite C). Esta última em parceria com Butantan, Fundação Ezequiel Dias (Funed) e Sanofi Pasteur.

A transferência de tecnologia traz, como principal benefício para a economia brasileira, a substituição de importação, com a consequente economia de divisas para o país, além da garantia do abastecimento e ampliação do acesso da população a produtos de alto valor agregado e impacto para o SUS, gerando empregos diretos e indiretos, aumento de pessoal qualificado e fortalecimento de toda a cadeia produtiva. Os países em desenvolvimento, ao negociar uma transferência de tecnologia, devem considerar todas estas variáveis e estar cientes de sua força no processo de negociação, bem como os ganhos positivos que uma estratégia combinada pode gerar a longo prazo.

*Artur Roberto Couto é o diretor do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz); Akira Homma é presidente do Conselho Político e Estratégico de Bio-Manguinhos; e Antonio Luiz Figueira Barbosa é consultor de propriedade intelectual de Bio-Manguinhos

Publicado em 23/11/2012 (e originalmente publicado no jornal O Globo, no mesmo dia).

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